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Diário Liberdade
Domingo, 27 Novembro 2016 09:06 Última modificação em Quarta, 30 Novembro 2016 21:58

Macedônia ou apontes iniciais para derrota da Revolução Colorida

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País: Macedónia / Direitos nacionais e imperialismo, Batalha de ideias / Fonte: Diário Liberdade

[Gabriel Rodrigues Peixoto] A reação popular e a Revolução Colorida reversa.

Introdução

Após quase dois anos imerso numa grave crise politica, as urnas apontam por trazer um resultado a primeira vista contraditório. O ex-primeiro ministro, Nikola Gruevski, alvo principal dos protestos que se abateram sobre o país desde o início de 2015 aparece com grandes probabilidades de ser reconduzido ao cargo, liderando as pesquisas de intenção por uma considerável margem.

As eleições a serem realizadas no próximo dia 11 de dezembro de 2016 na República da Macedônia, postergadas por duas vezes, apontam por ser a culminação de um processo politico encarniçado que traz novos ares as dinâmicas geopolíticas globais.

O pequeno país balcânico passou a ser a mais um dos pontos de contato no confronto geopolítico entre EUA e Rússia na “Guerra do Gás” que se desenlaça no near abroad russo.

Desde a sabotagem por parte dos EUA do projeto South Stream que levaria gás a Europa pelo território búlgaro, a Rússia passou a costurar acordos para criação de uma outra rota de gasoduto com a mesma lógica geral todavia com um pequeno desvio, tendo o território turco como hub para finalmente chegar a Europa. O chamado Turkish Stream cruzaria a fronteira grega com direção a Macedônia, país imediatamente ao oeste da Bulgária, de onde se ramificaria a outros países rumo a Europa ocidental.

Tão logo o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, confirmou a intenção de integrar o projeto os EUA instaram a Grécia a abandoná-lo e em troca aderir ao projeto ocidental de um gasoduto que percorreria desde o Azerbaijão até a Itália, o que não resultou como o esperado por Washington. Nesse jogo de xadrez que envolve toda a região adjacente ao Mar Negro, a Macedônia apareceu como peão mais fraco a ser derrubado.

No início de 2015 uma velha conhecida dos Bálcãs voltaria a dar as caras, mas dessa vez sairia com um resultado que todavia lhe era estranho. No último par de anos uma série de protestos de rua tomaram conta do país contra supostas denúncias de corrupção do então primeiro-ministro e seu partido, emulando os gritos e pautas que já estiveram presentes no Maidan ucraniano, mas antes disso na Geórgia, na Moldávia (...) e em um dia não tão longínquo assim, na Sérvia. A infame Revolução Colorida, lastrada nos postulados do estadunidense Gene Sharp, voltara aos Bálcãs.

Aquilo que floresceu nos escombros da destruição da Iugoslávia parece ter encontrando nos mesmos Bálcãs sua nêmesis. A vacina contra a arma geopolítica de maior potencial destrutivo no século 21 parece finalmente dar as suas caras, com alto protagonismo popular.

Engenharia Reversa

Aqui, tal como o fora em outros episódios similares, o desafio politico de Gene Sharp nem era de todo não-violento e nem tão civil, como poderia pensar um indivíduo impressionada pelo seu livro “Da Ditadura à Democracia”, mas caminhava de mãos dadas a métodos mais ortodoxos de putsch. Em maio de 2015 um grupo de ao menos 40 indivíduos em sua maior parte de origem étnica albanesa e de ligações estreitas com o Exército de Libertação do Kosovo, haveria de ser encurralado na cidade de Kumanovo, na fronteira norte do país, dando início a um tiroteio que duraria por dois dias deixando 18 mortos e mais 28 presos. O grupo que havia assumido a responsabilidade a ataques a prédios governamentais, inclusive com o uso de lança-granadas, em carta afirmava que o então governo macedônio levava a cabo uma politica de instâncias pró-russas e exigia que a Macedônia se unisse a União Europeia e a OTAN.

Tal como em outros cenários a Revolução Colorida se enquadra dentro de marco ofensivo geopolítico maior. Ela explora contradições existentes na sociedade ao passo que se aproveita do vácuo ideológico do pós-guerra fria. Quem sai a rua é o cidadão sem partido, preocupado com sua realidade imediata impelido pelos mantras do nosso tempo: a liberdade, a democracia, o livre mercado, os direitos humanos.

Seu modus operandi consiste em paralisar a normalidade político-econômica do país, forçando ao movimento o poder estabelecido esperando pela violência em frente a mídia internacional é o acionar geral da teoria. Mais que derrubar o governo no poder, preparar terreno para as reformas liberais é sua razão de ser (SHARP, 2010).

Nesse sentido a ação de rua em tal estratégia tem dupla função: busca travar a vida habitual do país com fins de minar a legitimidade do governo – mas também dar um sentido moral binário-liberal na movimentação politica – é o indivíduo que toma força com outros indivíduos contra os terrores do Leviatã estatal. Contra a violência, avidamente desejada, a não-violência abnegada que se impõe ao corrupto, o arcaico, o autoritário. É para a rua onde todos os esforços da Revolução Colorida confluem.. Toda a preparação subjetiva de pequenas lideranças, a propaganda, a atuação nas redes sociais, a articulação com grupos internacionais, todo o planejamento, tem, por fim, levar as massas as ruas.

Todavia o caso macedônio trouxe algo de novo. Parece ser que finalmente temos um caso onde a Revolução Colorida foi de fato interrompida no ambiente que lhe é mais caro: a rua.

E a estratégia para reverter a revolução colorida foi a de usar sua própria tecnologia. Já desde os primeiros momentos os protestos da oposição tiveram respostas ainda contundentes nas ruas sendo as aglomerações pró-governo sempre maiores do que aquelas de seus oponentes.

A alta capacidade de disseminação de informação dos setores populares da Macedônia, desde os jornais tradicionais passando as redes sociais desempenhou funções de ordem objetiva e subjetivas no próprio desenvolvimento do processo politico. Ao passo que deixava claro as raízes teórico-políticas do fenômeno que afetava o país, demonstrando processos de ordem similar ao redor do mundo e explicando a conjuntura geopolítica da crise macedônia, também organizava a resistência na rua. E fez as duas coisas de maneira superior ao outro bando. Também foi central a capacidade de reportar a situação real do país ao exterior junto as redes de informação alternativas, que também foram cruciais. Com isso foi impedido escalonamento da narrativa desde o exterior, fundamental para o andamento do desafio politico sharpiano.

De forma resumida o sucesso da contrarrevolução Colorida, mais que nada, foi uma vitória na guerra informacional onde finalmente os amplos setores populares conseguiram imprimir vantagens.

Todavia o sucesso no cenário macedônio também é prenúncio de novos problemas no horizonte. As estratégias não-convencionais de dominação geopolítica possuem alta capacidade de adaptação frente aos cenários.

Não por caso vem à tona as recentes polêmicas em torno da influência de supostas notícias falsas na eleição estadunidense e a escandalosa resolução da União Europeia contra uma também suposta propaganda russa de descrédito das instituições do bloco dão sinal que o alerta vermelho do ocidente foi ligado num ponto que lhe é caro: a liberdade da imprensa. A imprensa alternativa aparece como um inimigo a ser desarmado.

Também as novas patentes do fenômeno começam a ficar evidentes. A queda do bando armado no início dos protestos, um erro estratégico, mais do que nada teve um valor simbólico. Por sorte tal fato deixou escancaradas as possibilidades da escalação do conflito ao publico o que por si só impediu que tal desdobramento ocorresse num segundo movimento. Mas novamente bandos armados altamente organizados entraram na equação, tal como na Ucrânia.

Onde a Revolução Colorida não consegue aceder ao poder ou materializá-lo na totalidade do território em disputa, se abre passo a conflagrações cada vez mais violentas que tendem a descambar em cenários de guerra civil, tal como no caso ucraniano. É a chamada Guerra Hibrida (KORYBKO, 2015), passo superior da Revolução Colorida que tem o mesmo fim geral: derrotar a oposição, tomar o poder e realinhar as politicas do país.

Ao mesmo tempo que o cenário macedônio traz ensinamentos valiosos para a batalha geopolítica, suas lições serão utilizadas num já num fenômeno de ordem mais complexa e renovado.

Referências:

KORYBKO, A. Hybrid wars: The indirect adaptive approach to regime change. Moscou, Peoples’ Friendship University of Russia; 2015.

MEYSSAN, Thierry. Falha golpe dos EUA na Macedónia. Disponível em: <http://www.voltairenet.org/article187585.html>.Acesso em: 10 nov. 2016.

SHARP, G. “Da Ditadura À Democracia: Uma Estrutura Conceitual para a Libertação”; The Alber Einsten Institute; Boston; 2010.

UTRINSKI VESNIK, . Ноа Ја Презеде Одговорноста За Нападот На Владата . Disponível em:<http://www.utrinski.mk/?ItemID=0106A9521875D1469C1D88C340235CFA>. Acesso em: 10 nov. 2016.

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