Recomenda incentivos às políticas migratórias para reverter a escassez de força de trabalho para a Europa ser “competitiva” no quadro da concorrência globalizada, e descer o valor da massa salarial (que rompam as estruturas “atávicas e rígidas”, leia-se direitos laborais, sobretudo da força de trabalho mais antiga). Para reverter o quadro demográfico: “um dos instrumentos mais importantes para alcançar este objetivo é a imigração”[1]. Em 2005 existiam na Europa 25 pessoas de idade superior a 65 anos por cada 100 pessoas em idades activa. A publicação reconhece a situação nestes termos: “A continuação do envelhecimento demográfico – possivelmente a par do declínio da população em termos absolutos – é quase uma realidade “programada” à partida. Mesmo assumindo níveis de imigração substanciais e um aumento sustentado da esperança de vida, é muito provável que a população total da Europa venha a diminuir no longo prazo. Na verdade, na ausência do contributo demográfico da imigração, a população europeia envelhecerá ainda mais rapidamente e o declínio populacional iniciar-se-á num futuro próximo.”[2]
As economias avançadas não conseguem fazer face à queda real demográfica e escassez previsível da força de trabalho nos países ocidentais. Existe uma relação inversa no mundo entre urbanização e fecundidade[3]. Todas as políticas demográficas de auxílio estatal neste campo falharam ou ficaram aquém dos objectivos traçados. “Portanto, os dados são claros em mostrar que, ao longo do tempo, o aumento da urbanização está associado com um menor tamanho de família, qualquer que seja o nível de desenvolvimento alcançado”[4].
Em meios urbanos, com mulheres escolarizadas, o incentivo estatal não consegue, mesmo nos países ricos, cobrir os custos de educar filhos. O preço de manter uma mãe em casa por 6 anos é demasiado alto. Dito de outra forma, quem lhe vai pagar os milhares de euros que ganharia no mercado de trabalho, e, sobretudo, a sua redução ao papel doméstico, depois de uma formação superior, por exemplo? Se os filhos no meio rural são um investimento – em força de trabalho, em segurança social na velhice – no meio urbano são essencialmente um custo. São um investimento afetivo – e são amanhã quem vai pagar a segurança social. Mas esse cálculo não é feito pelos pais e mães e não altera as taxas de fecundidade. Se no campo se sabia que um número alto de filhos permitia ter braços para o campo e mulheres para cuidarem das crianças e velhos hoje ninguém tem filhos para auxiliar o Estado ou os seguros a sustentar a reforma. Toda a educação – de 25 anos pelo menos – até que entre no mercado de trabalho, aparece como um esforço, colossal, cuja contrapartida aparece (embora na essência e no médio prazo não seja) exclusivamente emocional.
Os objectivos das políticas demográficas são em teoria reverter a crise demográfica. Mas, pode-se falar de crise demográfica?
O debate sobre a sustentabilidade da segurança social tem sido dominado pelos argumentos demográficos que apontam para uma tese semi-catastrofista em que a evolução da pirâmide etária (com o aumento da população aposentada em relação aos trabalhadores no activo) comprometeria a sua sustentabilidade. Esta é uma explicação errónea. A chave da sustentabilidade da segurança social está na riqueza produzida e nas relações laborais e não no actual quadro demográfico, que aliás a ONU prevê que não se altere significativamente até 2060[5].
O aumento da esperança média de vida (EMV) não é uma tragédia, mas uma bonança civilizacional que exigiu uma evolução de milhares de anos. Ser velho não é um problema – ser velho e pobre, velho e só, velho e doente são problemas, mas isso são condições determinadas por factores sociais e não demográficos, a não ser em casos limite e excepcionais, visto que em países ricos a maioria dos anos pós reforma até à morte são vividos com saúde e não em condição debilitada. Por outro lado, a EMV é uma média – entre a de um operário manual e a de um gestor de topo pode haver uma diferença de 18 anos! Lembremos ainda que a EMV em Portugal é sensivelmente idêntica à dos países do Norte da Europa, mas a EMV com saúde é das mais baixas, 6 anos – contra os 15 da Dinamarca, por exemplo. Por fim, os cálculos actuais da EMV usam como pressuposto o nível de bem-estar actual, isto é o acesso à saúde e segurança social, habitações salubres, alimentação de qualidade, mobilidade. Se se cortar nestes sectores, a espectativa é que a EMV caia. Ou seja, cortar na segurança social pode significar de facto passarmos a viver menos.
*Texto escrito em Português de Portugal.
[1] Rainer Muñoz e Thomas Staubhaar, “Os emigrantes e o mercado de trabalho europeu”, IN Demetrios G. Papademetriou (Coord), A Europa e os seus imigrantes no século XXI, Lisboa, Migration Policy Institute e Fundação Luso-Americana, 2008, p.
[2] Wolfgang Lutz e Sergei Scherbov, O Contributo da Imigração para o futuro demográfico da Europa”, IN Demetrios G. Papademetriou (Coord), A Europa e os seus imigrantes no século XXI, Lisboa, Migration Policy Institute e Fundação Luso-Americana, 2008, p. 245
[3] George Martine, José Eustáquio Alves, Suzana Cavenaghi, “Urbanização e transição da fecundidade, IIED, Working Paper, Dezembro 2013.
[4] George Martine, José Eustáquio Alves, Suzana Cavenaghi, “Urbanização e transição da fecundidade, IIED, Working Paper, Dezembro 2013., p. 4. pubs.iied.org/pdfs/10653PIIED.pdf acesso 4 de Fevereiro de 2017.
[5] Raquel Varela, A Segurança Social é Sustentável (org), Lisboa, Bertrand, 2013.
Fonte: Esquerda Online