Durante aquela já afastada década de 90, colaborei vários anos na versom galega da Basque Red Net / Red Vasca Roja / Rede Basca Vermelha, traduzindo e redigindo textos e incorporando o galego reintegrado àquele projeto internacionalista.
Antes de o conhecer pessoalmente, já tinha a referência do lendário trabalho que, juntamente com a sua companheira Margari (Margarita Ayestarán), ele publicara a inícios dos anos 70: ‘Las familias de la provincia de Pontevedra en 1974. Galleguidad y conflicto lingüístico gallego’, indíspensável e pioneiro estudo de campo dedicado aos usos do galego nos últimos anos do franquismo, citado em todas as bibliografias de temática demolingüística no nosso país.
Chocou-me a imediatez com que assumiu a minha proposta de incorporar o galego reintegrado à Basque Red Net. Com a simplicidade com que costuma fazê-lo quem vê a questom de fora e está livre de preconceitos, concordou e manifestou explicitamente o seu apoio à unidade lingüística galego-luso-brasileira que umha parte da juventude independentista galega defendíamos com veemência naqueles anos 90. Como bom internacionalista, ele era já na altura um simpatizante da nossa causa lingüística e nacional.
Impressionou-me desde logo a radicalidade e firmeza de um homem da idade de meu pai (um ano mais novo, na verdade) e, como ele, de trajetória antifascista. Justo, madrileno que vinha da militáncia histórica do PSOE marxista, abandonou-no logo que comprovou a imparável descomposiçom do partido fundado no século XIX polo ferrolano, e também marxista, Pablo Iglesias. Especial e justificado desprezo sentia pola geraçom traidora de Felipe González.
A vida levou o jovem sociólogo à capital de Navarra, onde aderiu imediatamente às fileiras revolucionárias de Herri Batasuna, encarnando a mais genuína praxe internacionalista, ao se converter, até o fim dos seus dias, num insubornável independentista basco.
Conhecemo-nos pessoalmente quando começou a visitar a Galiza, no fim do século passado, convidado polas organizaçons da esquerda independentista galega em que eu militava, e que tentava reorganizar-se naquela virada de século. Participou connosco em jornadas de formaçom, cursos internos, palestras, mobilizaçons, conversas e jantares de confraternizaçom… tinha a qualidade revolucionária de apagar as distáncias geracionais, através da camaradagem com todos os camaradas, com todas as camaradas, sem importar a idade. Sempre espontaneamente irreverente e radical, a sua simpatia e entrega tocava os nossos coraçons.
Também para mim foi um referente formativo. Estudioso rigoroso do marxismo e da sociedade basca em que desenvolvia a sua militáncia, entregava-se com idêntica generosidade ao ativismo internacionalista junto à jovem militáncia independentista e comunista galega. Foi também um firme partidário do uso das novas tecnologias ao serviço do ativismo revolucionário, como ficou patente na sua obra ‘Internet solidário’, publicada em 1996 sob pseudónimo, na editora Txalaparta, e no seu ativismo na Rede Basca Vermelha, com o envio massivo das suas exaustivas análises semanais por correio eletrónico para assinantes. Foi sem dúvida também um pioneiro da contrainformaçom na rede.
Para além das suas obras anteriores de referência (como esquecer a monumental ‘Negaçom basca radical do capitalismo mundial’?) Elaborou textos formativos e documentos específicos destinados a todos e todas nós. Lembro especialmente, até por ser eu geralmente o encarregado das traduçons, o seu ‘Esplendor, crise e reconstruçom da alternativa comunista’, do ano 2000, escrito para nós, militantes naqueles anos de Primeira Linha, umha pequena, digna e ativa organizaçom comunista galega. Coincidíamos com ele, e com outros velhos comunistas que sobreviveram à debacle soviética, como o velho e saudoso Chico Martins, na necessidade de reconstruir a alternativa comunista nuns anos de forte ressaca após a derrota da experiência da URSS.
Os anos passárom. O Estado espanhol pressionou para calar o seu ativismo cibernético, clausurando de vez a Rede Basca Vermelha. Acho que isso foi por 2004.
Os problemas de saúde da companheira e dele próprio impedírom que pudesse viajar como antes fazia e os nossos contactos fôrom distanciando-se. A morte, em 2011, da sua companheira de toda umha vida, Margari, foi especialmente dura para ele, segundo me reconheceu emocionado.
Fica na minha memória o seu caráter alegre, aberto, de umha boa pessoa, comprometida com a humanidade e firme convencido do futuro do comunismo.
Estou certo que, igual que para mim, Justo de la Cueva fica na emocionada memória de um grande número de camaradas das diversas nacionalidades da Península Ibérica (e nom só) que tivemos a sorte de conhecê-lo e hoje o lembramos, nom só com tristeza, mas também com um sorriso de cumplicidade com o velho…
...pola firme convicçom que com ele partilhamos na viabilidade de um futuro comunista para a humanidade.
Agur eta ohore, burkidea!