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Diário Liberdade
Segunda, 19 Junho 2017 00:11 Última modificação em Sexta, 23 Junho 2017 03:33

Memes e política

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Rafael Silva

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[Rafael Silva; Laboratóirio Filosófico] Notória é a capacidade dos brasileiros para transformar as suas atuais frustrações politicas em memes que fazem graça do que é grave. Pelo jeito, Cartola continua paradigmático: “Rir pra não chorar”. Agora, diante da gravidade da realidade política tupiniquim, não podemos deixar de perguntar se esse talento para fazer troça espontânea da própria desgraça não é, antes, incompetência no sentido de se levarmos a sério os nossos próprios e mais sérios problemas. Afinal, palhaçada como arma política não é coisa de bobo da corte?


Não devemos nos fiar na descontração massivamente democratizada pelos memes. Relaxar no meio da guerra outra coisa não é que se vulnerabilizar. Ainda mais diante de inimigos que falam sério e jogam baixo. Entretanto, não joguemos a água suja com o bebê junto! Algo essencial e digno de louvor nos memes pode e deve ser usado na jihad política do povo contra as “despolíticas” que o afrontam: a viralidade imediata deles. Com efeito, se conseguirmos trazer às ações propriamente políticas essa potência viral a luta popular só tem a ganhar.

Para tanto, devemos conhecer melhor esse objeto, o meme. Etimologicamente, meme deriva do grego mimesis, que significa imitação. Porém, desde 1976 o biólogo evolutivo Richard Dawkins sustenta que “meme” designa uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro. Em termos mais simples, meme significa a transmissão de informação de uma mente para outra. Para Dawkins, os memes são replicadores de comportamentos, em plena analogia com o gene da genética. Tanto que Dawkins chamou a ciência dos memes de memética. A memética está para a ideologia assim como a genética está para a biologia.

Jaz nessa característica replicadora de comportamentos a virtude que queremos apontar nos memes no sentido de serem usados como arma política efetiva. Para tanto, o meme não deve ser pensado enquanto pólvora mortal, visto que ele é forma, e não conteúdo, mas como cartucho subversivo capaz de ser preenchido e de levar adiante, com grande poder replicador, pólvoras propriamente políticas capazes de minarem as “despolíticas” dos que ocupam sordidamente o poder.

Em vez de fazer troça da vil realidade, os memes, devida e politicamente usados, devem ser capazes de fazer dela – melhor dizendo: da percepção que dela temos – troço, coisa, res. Em suma, a memética, enquanto metralhadora nas mãos do povo, deve reificar nossas frustrações e desejos, a ponto de nos tornarmos inarredáveis “pedras no caminho” dos nossos inimigos. Afinal, um conteúdo capaz de produzir a mudança que o povo quer é melhor que seja colocado em um continente capaz de propagá-lo, viralmente, ao maior número de pessoas e no menor tempo possível.

Por isso não devemos apenas nos satisfazer com a graça dos memes. Isso seria nada além de alienação. Devemos, politicamente, valer-nos do poder de penetração deles nas graves realidades. Claro, desde que a piada seja substituída por protesto político. Melhor ainda, por demandas políticas. Manter o cartucho memético, sim. Agora, caso queiramos interferir, quiçá corrigir as “despolíticas” que nos assaltam, a pólvora que precisamos colocar dentro desse pacote ideológico precisa ser mais explosiva do que engraçada.

Resta saber se o talento brasileiro para fazer piadas de longo e intenso alcance pode ser usado para fazer críticas políticas de mesma envergadura. Em suma, se conseguiremos politizar a nossa capacidade memética a ponto de ela nos levar adiante na guerra, e não apenas servir de trincheira jocosa que, enquanto nos mantém protegidos pela graça, impede de ataquemos mortalmente quem nos ataca gravemente. E isso porque a realidade está exigindo de nós mais memes/coquetéis Molotov e menos memes/anedota de salão.

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