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Diário Liberdade
Domingo, 29 Julho 2018 22:04

A economia política da “pós-verdade”

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Sergio Domingues

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Desde Marx, sabemos que no capitalismo as mercadorias valem por sua capacidade de troca e não por sua utilidade.


É a ditadura da lei da oferta e procura. É por isso que o preço de um remédio que curasse o câncer, por exemplo, seria definido por sua abundância ou escassez, jamais pela necessidade de curar o maior número de pessoas.

Essa predominância do valor de troca sobre o valor de uso vem tomando conta de tudo o que se transforma em mercadoria há séculos. Mas na fase financeira do capital, o próprio dinheiro deixou de ser meio para adquirir utilidades. Passou a ser um fim em si mesmo.

Agora, façamos um paralelo com a elaboração de Jean Baudrillard, para quem a partir de um certo momento, todos os signos se permutam entre si, sem se permutarem por algo real. Não passariam de símbolos a simbolizar outros símbolos, sem jamais chegarem ao real que pretendem simbolizar.

Neste caso, ficaria fácil entender a chamada “era da pós-verdade”. Ou seja, tal como as outras mercadorias, as informações e notícias também perderam relação com sua utilidade prática.

Já não interessa saber o quanto de verdade há numa informação. Apenas o quão rápida e amplamente ela circula. Quanto mais cliques, mais ela vale. Os algoritmos dos monopólios digitais que remuneram pelos volume de acessos não deixam dúvidas sobre isso.

Tudo isso é um resumo grosseiro de uma resenha sobre o livro “Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva”, do filósofo italiano Franco “Bifo” Berardi. O texto está disponível aqui. Vale a pena ler. Só não dá pra garantir que seja verdade.

A economia política da “pós-verdade” (2)

Em 12/05, o consultor da Associação Nacional de Jornais, Carlos Alves Müller, publicou artigo no Globo comentando casos de crimes transmitidos ao vivo pelo Facebook:

O problema de fundo é que só humanos podem discernir o que algoritmos não detectam. Redes sociais e congêneres se negam a reconhecê-lo, pois isso implica admitir que são empresas de mídia e não plataformas (o que tem consequências, inclusive jurídicas), abala seu “modelo de negócio”, causando uma explosão de custos. É preciso gente para produzir e editar conteúdo, evitando que crimes sejam praticados e exibidos, para que o anúncio vá para o público desejado, e não para outro seguidor de canais criminosos. É preciso gente habilitada para fazer jornalismo conforme as boas práticas numa sociedade democrática. E é preciso gente educada e com senso crítico para entender a importância dessas diferenças e não aceitar o que o algoritmo imoral lhe oferece.

O texto reflete o conflito de interesses entre os monopólios do jornalismo e os da interação virtual. Mas recente notícia publicada na Rede Brasil Atual sugere que esse embate não opõe forças tão antagônicas assim:

Em 7 de abril, a agência Bloomberg noticiou que o Google estava trabalhando diretamente com o Washington Post e o New York Times para “checar os fatos” de artigos e eliminar “notícias falsas”.

Meses depois, a Google anunciou medidas para impedir que usuários acessem “notícias falsas”. Resultado, “o tráfego global de um amplo leque de organizações de esquerda, progressistas, contra a guerra ou em favor dos direitos democráticos teve queda significativa”.

Não seria surpresa se esta também fosse classificada como mais uma notícia falsa.

A economia política da “pós-verdade” (3)

Mais dois exemplos de como funciona a economia política da pós verdade.

O controlador do Facebook, Mark Zuckerberg, meteu-se em mais uma polêmica. Discutindo como restringir a divulgação de informações falsas em sua plataforma, ele usou como exemplo páginas que negam a existência do holocausto judeu. Segundo Zuckerberg não haveria motivo para vetar um conteúdo desses já que não ameaçaria “diretamente a segurança dos internautas”.

Seria um típico dilema entre a liberdade de expressão e a divulgação de mentiras. Seria, mas não é. Afinal, é sempre bom lembrar que o Facebook é um negócio, e não uma ONG. E um negócio movido a quantidade de likes.

E na linha do velho sensacionalismo jornalístico, exageros mentirosos e falsidades continuam a atrair muita audiência. Muitos likes, no caso.

Outro exemplo envolve o Twitter. A plataforma anunciou no início de julho a suspensão de 70 milhões de contas "suspeitas". Elas seriam manejadas por robôs que produzem spam e contas fake.

Foi o bastante para que as ações da empresa sofressem oscilações para baixo nas bolsas. Acontece que para o “mercado”, tal como no caso do Facebook, o que importa é a reprodução de informações aos milhões, ainda que sejam fraudulentas.

É a economia política da pós-verdade. Nela, tal como já acontece com as outras mercadorias, as informações e notícias perdem cada vez mais relação com sua utilidade prática.

Já não interessa saber o quanto de verdade há numa informação. Apenas o quão rápida e amplamente ela circula. Quanto mais cliques, mais ela vale. Os algoritmos dos monopólios digitais que remuneram pelos volume de acessos não deixam dúvidas sobre isso.

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