Pelo contrario, organizações de mulheres se pronunciaram abertamente a partir de bairros e favelas e foram milhares as que ocuparam as ruas da Argentina e do Brasil para mostrar seu apoio a ambas as presidentas. Vimos isso também no Equador, Bolívia, Nicarágua, Cuba, Peru, Colômbia e Venezuela. As feministas burguesas chamam essas mulheres da periferia de fanáticas e idealistas. Ignorantes. Porque não têm diploma universitário que permitam que sejam consideradas intelectuais. Porque tornam visível na prática o que outras se acomodam na teoria.
O grande vazio neste momento da história é o do feminismo latino-americano. E é encabeçado pelo feminismo burguês, evidentemente, o feminismo de vitrine. O que é excelente plataforma para pronunciamentos desde a intelectualidade e da comodidade de classe, que eleva e cobre de lisonjas àquelas que sabem de memória a teoria, mas são incapazes – por hipócritas e aproveitadoras – de transformá-la em ação na prática.
Eu me refiro com isso a quem vai e vem recitando uma citação própria de Virginia Woolf, mas que jamais desceriam ao esgoto para dizer à mulher operária como libertar-se de um sistema patriarcal que abusa dela e a torna invisível. Para falar a elas das políticas de inclusão, de seus direitos. Compartilhar um livro. Eu me refiro àquelas que vão ocupando lugar com seu “eu, feminista” e que são adeptas de Simone de Beauvoir mas têm pavor de Rosa Luxemburgo, Clara Campoamor ou Dolores Ibárruri “A Passionária”. Mas que comemoram todos os anos as 13 Rosas. Para que vejam… E que degradam mulheres como Evita e Bartolina Sisa, uma por ser indígena e a outra por ser pária e iletrada. Mas vão pelo mundo dando conferências com seu xale típico para que digam… Mas em suas casas mantêm essas mesmas indígenas e párias das quais falam trabalhando de segunda a domingo sem direitos trabalhistas. É desse feminismo que estou falando, e que se vê por todo lado.
Falo do feminismo em que se atiram flores umas às outras, com banhos de intelectualidade; do que se permite entrar nas universidades, embaixadas e centros culturais para recitar textos e obter diplomas de participação, fotos e contatos; mas que não falam de direitos humanos, direitos trabalhistas, violência de gênero à vendedora do mercado, à cozinheira, à ambulante, à faxineira; porque aí não se pode tirar vantagem. À costureira que apodrece durante 18 horas nas fábricas. Simples, a razão é simples: porque para passar da teoria à ação é preciso arrojo e isso não o tem qualquer uma. O mesmo acontece com os intelectuais e os da ultra esquerda.
Aí entram Dilma y Cristina que não são queridas por este tipo de feminismo, porque demonstram todos os dias com a ação que a teoria pode ir muito bem a todos os canais, aos campos abertos, às fábricas e às periferias. E não é só isso, elas demonstram que são possíveis as políticas de inclusão social e de equidade de gênero estarem lado a lado. Não é à toa que uma é perseguida política e a outra acaba de sofrer um Golpe traiçoeiro. Quantas meninas, adolescentes e mulheres puderam ir à escola em seus governos?
Quantas meninas e adolescentes foram tiradas do trabalho forçado, da exploração infantil? Do tráfico para exploração sexual? A quantas se deram direitos trabalhistas? A quantas Dilma e Cristina permitiram a expressão e o sustento. Quantas tiveram acesso ao sistema de saúde? Quantas tiveram um saco de cola de sapateiro substituído por um computador, um pincel, um uniforme esportivo.
E não porque as mudanças são palpáveis e visíveis, e isso todos sabemos, embora alguns finjamos não conhecê-las porque é melhor para nós, pessoalmente e para nossos projetos particulares.
Ao feminismo latino-americano burguês, ao da lisonja, ao feminismo de perfumes finos e microfones escolhidos, ao que nunca foi político, porque para ser político é necessário integridade, nesse feminismo não cabem Dilma e Cristina. Esse feminismo não merece congêneres como elas. Não fez por merecer. Não lutou por isso. E o seu silencio nesse momento da história o faz evidente.
Esse feminismo que vem sendo uma cópia da ultra esquerda latino-americana que tampouco gosta delas e as golpeia. Por que o silencio outorga, quem guarda silêncio solapa. É em momentos como estes que o feminismo deve se pronunciar e não por paixão, por idealismo, por fanatismo. Deve se pronunciar porque deveria ser sua obrigação moral e humana para com duas mulheres que mudaram a história da América Latina, gostem ou não.
E devem se pronunciar por agradecimento, por lealdade e por consequência política, porque foram milhões de mulheres dos mais baixos estratos da sociedade que se beneficiaram com as políticas de inclusão de ambas. Essas milhares de mulheres que nunca viram uma feminista burguesa ir ao seu local de trabalho, cumprimentá-las na rua, convidá-las para um café e conversar, como fazem com intelectuais e gente de classe social acomodada onde os contatos podem facilitar benefícios sociais.
Provavelmente muitas feministas me chamarão de ignorante, idealista e fanática. Vão me deixar infinidade de mensagens com insultos, como regularmente sucede quando questiono o feminismo, e dirão que sou machista. E esmiuçarão a teoria. Ou simplesmente me chamarão de louca, como sucede com frequência.
Muitas talvez venham com o tema do aborto e da corrupção da qual são acusadas (sem qualquer prova) para defender sua negativa a apoiá-las e assim lavar as mãos. Jamais mencionarão que estas duas mulheres foram insultadas, menosprezadas e que sofreram violência de gênero nos meios de comunicação e até do esposo da feminista burguesa que nunca levantou a voz desde sua comodidade; e a sofreram por ser mulheres consequentes com a ação que é a única que transforma os padrões e libera sociedades.
Não há ponto de comparação com o feminismo burguês e com tudo que daí nasce, com seu “eu, feminista”, mas que silencia diante deste nível de violência que estão vivendo Dilma e Cristina; só resta agradecer o apoio das mulheres que sem etiquetas e sem ares de intelectualidade, agradecidas e consequentes e, sobretudo políticas, que deram a cara em defesa de semelhantes mulheres da América Latina.
E é claro, não sou feminista, não pertenço a nenhum gueto ou matilha; se me querem etiquetar me chamem como o que sou: pária e estou com Cristina y Dilma. Por amor y agradecimento, daí para a realidade…
E se pareço populista é porque sou sim absolutamente.