Relatório final das Nações Unidas para a habitação adequada e o direito à não discriminação neste contexto refere que as medidas de austeridade tomadas em Portugal levaram a que apenas dois por cento do parque habitacional do país seja destinado para a habitação social, o que significa que existem apenas 120 mil fogos para pessoas com fracos recursos económicos.
O documento, elaborado por Leilani Farha, relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação Adequada foi apresentado esta semana ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, tece duras criticas às políticas de habitação social em Portugal referindo, por exemplo, que "no que se refere à ao acesso e infra-estruturas - um elemento importante de uma habitação adequada ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos - o índice Europeu de Exclusão de Habitação para 2016 mostra que aproximadamente uma em cada quatro pessoas em Portugal tem sérios problemas para manter a sua casa quente – contra 23,8 por cento em 2015 – o que representa quase três vezes mais do que no resto da União Europeia [UE]".
Esta análise demonstra ainda que há uma grave privação de habitação destacando os jovens que se situam na faixa etária compreendida entre os 20 e os 29 anos como aqueles que são mais penalizados por esta situação.
Há ainda referência ao facto de aproximadamente 57 por cento da população entre os 18 e os 34 anos continuar a viver em casa dos pais.
“Em 2015, 33,5 por cento das famílias pobres viviam numa situação inaceitável”, denuncia o texto, acrescentando que “estavam em risco de cair em atraso ou de encerramento hipotecário” o que representa um aumento de 3 por cento em apenas dois anos.
O texto nota ainda que de acordo com informações prestadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) à relatora da ONU, 11 por cento das pessoas que vivem em situação de pobreza sofrem de graves carências habitacionais e quase 10,3 por cento -sendo que 21 por cento destas são pobres – faz parte de agregados familiares numerosos.
A taxa de realojamento tem sido escassa nos últimos 20 anos, pelo que aqueles que não foram incluídos no Programa Especial de Realojamento (PER) continuam a viver em habitações “não convencionais” estando em risco iminente de despejo ou demolição de casas
A taxa de realojamento tem sido escassa nos últimos 20 anos, pelo que aqueles que não foram incluídos no Programa Especial de Realojamento (PER) continuam a viver em habitações “não convencionais” estando em risco iminente de despejo ou demolição de casas, sustenta o relatório, adiantando ainda que de acordo com estimativas do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) há 3.301 famílias que continuam a necessitar de “reassentamento”.
O texto faz ainda referência ao facto de o programa Prohabita ter recebido para o ano de 2017 uma dotação orçamental de 5,5 milhões de euros, uma verba que o governo considerou “baixa” embora esta tenha sido disponibilizada após vários anos em que “não houve qualquer financiamento”.
O drama dos despejos
No que diz respeito ao Regime de Arrendamento Urbano (RAU) fica expressa a preocupação no que concerne à “facilidade com que as expulsões podem ser realizadas” havendo ainda uma chamada de atenção para os despejos forçados que, de acordo com o relatório, constituem uma “grave violação do direito internacional e dos direitos humanos sendo por isso proibidos”.
“Tendo em conta as suas repercussões nos direitos humanos [os despejos forçados] só se justificam nas circunstâncias mais raras e excecionais e no estrito cumprimento das normas e diretrizes internacionais ”, realça o documento.
A relatora especial informa ainda que não conseguiu encontrar “informações fiáveis” sobre a percentagem de orçamentos nacionais e municipais destinados à manutenção e construção de habitação social e que “o foco das políticas de programas implementados pelas autoridades governamentais e municipais” passa pela “criação de opções de habitação privadas, baseadas no mercado”.
“Turistificação desenfreada”
Por outro lado, a “turistificação desenfreada” contém, segundo o relatório, outros efeitos negativos sobre o gozo do direito à habitação para as populações mais vulneráveis, uma vez que quando o proprietário decide vender ou renovar a sua propriedade, abre-se a possibilidade de muitas famílias se verem forçadas a sair dos bairros onde residem devido à falta de habitação a preços acessíveis noutros locais aumentando assim a possibilidade de virem a ser alvos de ações de despejo.
O relatório revela ainda preocupações em relação à “exclusão e discriminação” de algumas pessoas de origem africana que na sua maioria fazem parte dos estratos socioeconómicos mais carenciados e têm por isso ainda mais dificuldades em encontrar uma habitações condigna.
Perante este quadro que coloca Portugal na 22ª posição entre 28 países no Índice Europeu de Exclusão de Habitação em 2016, a relatora especial das Nações Unidas recomenda às autoridades a adoção, entre outras medidas, de uma lei-quadro nacional de habitação, formulada a partir da consulta com todas as partes interessadas e alicerçada nos princípios internacionais em matéria de direitos humanos.
A legislação deve ser consistente e coerente nas políticas e programas de habitação do Estado devendo incluir metas mensuráveis e orientar-se para aqueles que se encontram em situação mais vulnerável.
De acordo com o documento só uma legislação que contenha esta visão pode garantir que as políticas e programas que estão em vigor possam ir ao encontro das populações mais desprotegidas e marginalizadas destacando-se, entre estas, os ciganos, as pessoas de ascendência africana, as mulheres vítimas de violência, as pessoas portadoras de deficiência, as crianças, os jovens ou aqueles que pertencem à categoria de “novos pobres”.