Uma, tratou-se de um encobrimento e não de um lapso. Duas, a decisão envolve o governo de cima a baixo. Três, o propósito foi esconder uma fuga programada e regular de capitais. Quatro, essa fuga atingiu em média mais de 4 mil milhões por ano entre 2010 e 2014 e saltou para 9 mil milhões em 2015, quando em 2009 ficara pelos 800 mil. Cinco, a concentração de riqueza que isto revela dá-se justamente nos anos mais duros da chamada “austeridade”. Seis, a “disciplina orçamental” destinava-se a produzir uma acumulação de capital em poucas mãos. Sete, para que o processo funcionasse, era preciso facilitar não só a acumulação mas também a fuga dos capitais para zonas seguras ou de mais rendimento. Oito, não convinha, pois, que se ficasse a saber que uma tal concentração de riqueza em poucas mãos era o directo reverso da penúria a que a maioria do povo foi forçado.
É em momentos como este que fica à vista a máquina capitalista, os seus processos, os seus beneficiários, o papel dos seus agentes políticos e das suas instituições — a sua função de favorecer uma dada classe à custa do empobrecimento de outra. Não é só uma política, como a da troika e de Passos Coelho, que fica desmontada: é todo um aparelho de espoliação que se revela na sua crueza deliberada.
Por isso, é muito curto — quando todo um sistema social mostra a sua podridão intrínseca, quando a sociedade burguesa afinal se apresenta no seu esplendor — ficar pelas acusações de incúria, negligência ou incompetência aos seus agentes mais visíveis.
Em circunstâncias destas, há que desacreditar todo o sistema de exploração, o seu Estado, os seus funcionários políticos, a sua moralidade. Para que o desrespeito pelas instituições estimule a luta das classes trabalhadoras. Para que o ódio a este sistema social ganhe corpo e impulsione os trabalhadores a subvertê-lo. Menos que isso é ficar pelas panaceias.