Alguns situados à direita no espaço político burguês aproveitaram o termo para aí tentar encaixar as “reformas” que, do seu ponto de vista, o actual governo não realizou, mas que já deveriam estar a ser levadas a cabo. Da gente do PSD e do CDS, e da sua passagem pelo governo, já bem sabemos que reformas fizeram e pretendiam continuar a fazer, assim como a “reinvenção do futuro” que nos reservavam. Com as sumidades académicas e com algumas personalidades, assim como com alguns analistas pseudo-independentes é preciso ter mais cuidado, dada a sua maior capacidade de persuasão.
Em longa entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo, Francisco Veloso — anterior director da Universidade Católica e actual reitor do Imperial College Business School, em Londres — apontava como o pior de todos exemplos “o facto de não estarmos a aproveitar este momento económico para repensar o Estado como devíamos fazer e usar os recursos que estamos a ter acima do esperado para nos concentrarmos nessa reinvenção”, condenando a este propósito “a decisão recente de descongelar carreiras [dos funcionários públicos] em vez de agarrar nesse dinheiro para pôr na reforma do Estado”.
Ao menos, a entrevista de Francisco Veloso teve o mérito de dar claramente um exemplo do que as classes dominantes pretendem quando falam das ditas reformas do Estado, pois nas críticas às medidas do actual governo, muitos metem os pés pelas mãos, querendo evitar dizer expressamente ao que vêm.
Santana Lopes, ao formalizar a sua candidatura à liderança do PSD, apesar de arrastar consigo grande parte do aparelho do partido, agarrou-se ao discurso de Ano Novo do Presidente da República para assumir que o termo “reinvenção” usado por Marcelo Rebelo de Sousa também faz parte do texto da sua moção, representando uma convergência quanto à vontade de ir mais além, rompendo com um ciclo de que “todos queremos sair”. Mais, encostando-se ao actual ocupante de Belém na sua moção de candidatura, Santana elogia Marcelo: “Temos a honra e o profundo orgulho de ver na Presidência da República alguém com a dimensão humana e a capacidade política de Marcelo Rebelo de Sousa”. Talvez que a “reinvenção” aqui seja ele e o seu partido pretenderem dar ainda maior flexibilidade à legislação laboral e acabar com o “tendencialmente gratuito” na saúde como na educação, além de outras “vantagens” para o povo!
Também em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1, em Janeiro de 2018, Vítor Bento, actual presidente da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços) e outro porta-voz dos interesses do capital, afirma que o governo tem de ser mais ousado a reduzir a dívida pública e diz que espera que a meta zero no défice esteja no horizonte do Executivo. “Temos de ser mais ousados e estabelecer objectivos perfeitamente claros. Se não houver mais nenhum, no mínimo pôr a dívida em 90% ou 100% do PIB no espaço de 10 anos. Isso estabelece um quadro claro sobre o que tem de ser a gestão orçamental até lá”. Aqui também ficam claras as prioridades do presidente da SIBS e as “reformas” que espera do executivo de António Costa.
O coro da “reinvenção do futuro”, articulado com a defesa das ditas reformas necessárias, parece ter ganho agora nova força na voz dos corifeus e porta-vozes da grande e média burguesia. Todos eles, embora uns com discursos mais elaborados do que outros, e geralmente com grande espaço nos média do sistema, mostram-se muito preocupados quando se trata de reverter algumas leis laborais celeradas introduzidas no tempo da troika ou de ceder umas migalhas em dinheiro às classes trabalhadoras, aos pensionistas e aos mais pobres. Mas os mesmos revelam-se extremamente avessos à retirada de alguma parcela dos lucros dos capitalistas, pois isso, na sua comprometida opinião, iria prejudicar a acumulação de capital e os investimentos na “economia nacional”!
PS: Hoje, 15 de Janeiro, em declarações à TSF, Manuela Ferreira Leite, ex-presidente do PSD e agora apoiante de Rui Rio, elogiou o novo presidente do partido por este admitir dar a mão a um governo de António Costa para afastar a “extrema esquerda” do arco do poder. “É isso que a gente espera de um líder social-democrata”, disse Ferreira Leite, argumentando que “da mesma forma que o Bloco de Esquerda e o PCP têm vendido a alma ao diabo, exclusivamente com o objectivo de pôr a direita na rua”, também ao PSD “lhe fica muito bem se vender a alma ao diabo para pôr a esquerda na rua”.
A senhora que, em 2008, se interrogava se não seria bom estarmos seis meses sem democracia para resolver os problemas (no entender dela) do País, e que, até há uns tempos, parecia conservar alguma distanciação crítica nas suas análises de televisão face à política de Passos Coelho, chegando a ser citada por alguma ingenuidade e oportunismo de alguma gente de esquerda, volta a mostrar aquilo que realmente representa — os interesses da média e grande burguesia.