O ano de 2014 tornava-se recordista no número de nascimentos em Portugal. Enquanto alguns celebravam a «saída limpa» da troika, a natalidade registava um recorde negativo: nesse ano nasceram apenas 82 mil crianças, o número mais baixo desde que existem registos.Se em 1974 nasceram em Portugal 172 mil crianças, há 40 anos, no ano em que a Constituição da República Portuguesa é aprovada, o número de crianças nascidas sobe para 186 mil. Os dois anos da Revolução deram esperança no futuro, e a natalidade acompanhou essa evolução.
Os anos seguintes quebraram a tendência. No início da década de 1980 nasciam menos de 160 mil crianças por ano e em 1983 já eram menos de 150 mil. O ano de 2009 foi o primeiro em que nasceram menos de 100 mil crianças.
Os anos da troika foram particularmente duros para a taxa de natalidade, que caiu 20% entre 2010 e 2014. Os cortes nos salários e prestações sociais, e o aumento do desemprego e da emigração terão contribuído para o acentuar de uma tendência que vinha de trás.
Os inquéritos dizem-nos que os portugueses querem ter mais filhos.
De acordo com o Inquérito à Fecundidade de 2013, conduzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o Índice de Fecundidade (número de filhos por mulher) ficou em 1,21.
Os dados do INE mostram que a fecundidade desejada, a média do número de filhos que os portugueses desejam ter, se situou nos 2,38 em 2013. No entanto, os portugueses esperavam vir a ter, em média, 1,78 filhos. A diferença revela o peso das condições de vida na decisão de ter filhos – um peso a empurrar para baixo.
A estatística diz-nos que os portugueses querem ter perto do dobro dos filhos que hoje têm. Apenas 8% dos portugueses em idade fértil afirmam não querer ter filhos. Para que exista a renovação das gerações é necessário que o Índice de Fecundidade seja de, pelo menos, 2,1 por mulher. A última vez que isso aconteceu foi em 1981.
De acordo com estimativas do INE seremos menos e mais velhos em 2060. Há sete anos que a população residente vem descendo e, na projecção mais optimista, o País vai perder mais de 1 milhão de pessoas até 2060. No pior dos cenários, se nada for feito para inverter a queda da natalidade, podemos ser pouco mais de 6 milhões em 40 anos, o número mais baixo desde 1930.
Salário, horários e apoios sociais são os principais entraves
As condições de trabalho são apontadas quando se pergunta as razões pela baixa natalidade aos potenciais pais e mães.
De acordo com o Inquérito à Fecundidade de 2013, o maior obstáculo apontado era a «quebra de rendimentos» – o salário, quando existe, não chega para filhos. Logo abaixo são apontadas outras questões relacionadas com o tipo de vínculo laboral ou a organização do tempo de trabalho que dificultam a vida a quem tem filhos. O desemprego, que em 2013 ultrapassava os 16%, assume lugar de destaque nas respostas ao INE.
O crescimento da emigração também pesa nos números. A maioria dos 500 mil emigrantes que saíram do País desde 2011 estão em idade fértil, uma situação com paralelo na década de 1960 quando o número de nascimentos sofreu uma redução de cerca de 40 mil.
A lei protege a maternidade e a paternidade, nomeadamente no trabalho, mas multiplicam-se os casos de violação e incumprimento. «Tem filhos ou está a pensar ter?» é uma pergunta que muitas mulheres se habituaram a ouvir numa entrevista de emprego e continuam a ser despedidas grávidas ou mulheres que tiveram filhos recentemente. As mães e os pais têm cada vez mais dificuldades em exercer os seus direitos no apoio à família com medo de represálias das entidades patronais.
O estudo do INE salienta a deficiente cobertura de equipamentos de apoio, creches e escolas públicas. O preço da creche é destacado nas respostas ao inquérito, a que se juntam outras dificuldades como o acesso à educação, saúde ou habitação.