A Antena 1 resolveu entrevistá-lo (ouvir aqui) e as televisões tiveram de ir atrás.
Porém, o comentador de economia da SIC Notícias, José Gomes Ferreira, não gostou mesmo nada do que disse Stiglitz e, assumindo que não percebe nada de economia, resolveu desancar no economista norte-americano (ver aqui). Desde logo, exactamente por ser norte-americano pois, insinuou, os economistas norte-americanos têm um inconfessado interesse geoestratégico no fracasso do euro. Ora vejam lá, uma moeda cujo peso nos pagamentos internacionais não foi além do que representavam as anteriores moedas seria uma ameaça ao dólar, o que motivaria as análises críticas destes economistas.
A ideia da conspiração dos EUA contra a UE é uma fábula muito frequente nos círculos europeístas. Porém, a fábula não resiste a um mínimo de investigação histórica. Jean Monet e os restantes pais fundadores da UE eram íntimos dos círculos do poder nos EUA e sempre contaram com o seu generoso apoio através da CIA. Sem o assentimento dos EUA, a UE nunca teria existido e Maastricht não foi um obstáculo à continuidade dessa parceria.
O facto é que, desde sempre, houve economistas dos dois lados do Atlântico que sabiam que o euro é uma aberração histórica (recordo Nicholas Kaldor, um precursor), que uma moeda europeia sem um Estado europeu seria, por natureza, uma construção política condenada ao fracasso. O valor de uma moeda é determinado pela garantia de que o Estado que essa moeda serve, dotado de um banco que cria a moeda necessária, paga sempre as suas dívidas. Isto não existe na UE-Zona Euro e essa é uma razão fundamental para a crise em que está mergulhada.
Ao tentar desvalorizar Stiglitz, JGF caiu no ridículo. Procurando amedrontar os portugueses, disse as maiores barbaridades sobre as implicações de uma saída de Portugal da zona euro. Chegou ao ponto de afirmar que o país iria regredir décadas. Afirmações destinadas a meter medo aos telespectadores que, como é sabido, não têm acesso a opiniões diferentes. Com este tipo de comentadores, a SIC Notícias e os restantes canais de televisão estão transformados em canais de propaganda do sistema vigente com o objectivo de anestesiar o povo.
Vejamos um dos disparates de JGF: "as dívidas ficam em euros". Precisamente o contrário. A esmagadora maioria das empresas e famílias portuguesas tem dívidas com contratos regidos pelo direito português. Todos esses contratos serão redenominados automaticamente com a saída do euro. Portanto, as dívidas das famílias e das empresas convertem-se na nova moeda. Os salários de uma família e a sua dívida ao banco, em termos relativos, ficam na mesma.
Segundo a jurisprudência internacional (lex monetae), também a dívida pública emitida sob legislação nacional, mesmo que esteja na posse de estrangeiros, é convertida na nova moeda. É a isto que se referem os operadores financeiros quando falam do 'risco de redenominação' (ver aqui).
Claro que isto traz problemas à banca no que toca às dívidas que tenha contraído no estrangeiro. Por isso mesmo alguns bancos poderão ter dificuldade em pagar as suas dívidas em euros a bancos estrangeiros, e terão de ser recapitalizados (e nacionalizados) com o apoio do banco central, do Banco de Portugal. Note-se que, num país com moeda própria, as dívidas do Estado ao respectivo banco central são dívidas do Estado ao próprio Estado.
O Estado tem uma dívida à troika que, pela jurisdição em que foi contraída, permanece em euros. Por isso, terá de ser renegociada, mas agora em posição de força porque o Estado português já não precisará dos seus empréstimos para se financiar.
Quanto à perda do poder de compra dos salários, JGF talvez não saiba que a taxa de desvalorização da nova moeda não se traduz em inflação do mesmo nível. Talvez não saiba que o conteúdo em importações do cabaz de bens de consumo de uma família anda pelos 25%, o que significa que uma desvalorização de 50% no imediato (mas que não se repete) se traduziria numa subida de preços de 50%x25%= 12,5%. É uma subida de preços pontual que tende a esbater-se nos anos seguintes. Não é inflação, no sentido de subida permanente dos preços a essa taxa. Claro que a inflação no país será maior fora do euro, mas isso vem acompanhado de um nível de desemprego muito mais baixo, como acontece em todos os países em desenvolvimento. Só num país em grave estagnação, caso da Zona Euro, é que os preços não sobem mais do que 1% ao ano e não há teoria económica que justifique um nível de inflação perto dos 2%, o mandato do BCE. A Rússia e a Islândia fizeram desvalorizações maiores e não consta que tenham regredido décadas, bem pelo contrário. A Islândia até alcançou o pleno emprego.
Ou seja, para defender a manutenção de Portugal nesta crise sem fim, JGF vê-se forçado a exagerar os custos da saída do euro pintando um cenário de calamidade. Mas não devemos estranhar porque, à medida que o fracasso do euro se vai tornando evidente para o comum dos cidadãos, maior será a histeria dos avençados do sistema. Nos próximos tempos até poderemos ver um ou outro 'virar a casaca' com o maior descaramento.
Seremos nós capazes de criar formas de comunicação alternativa para que o povo tenha acesso ao contraditório que os media lhe negam?
(Também publicado aqui)