Deu com isto dois sinais: um à União Europeia, de que podia ficar sossegada; outro aos parceiros de apoio parlamentar para que não esticassem muito a corda. E foi isso que rigorosamente se deu até à entrega do OE na Assembleia da República a meio de Outubro.
Mas quais são os “avanços” de 2016 que o PS pretende “consolidar”? Os ganhos pontuais para as classes assalariadas não se podem negar. Mas, por serem tão diminutos, tão feitos a conta-gotas, ninguém realmente sente uma melhoria do nível de vida. E só essa melhoria representaria, no plano material, uma efectiva mudança em relação ao consulado da troika. Verdadeiramente, o que mudou foi a impressão, suportada ao longo de quatro anos, de que cada dia podia ser o dia de mais uma usurpação sobre os salários e os direitos do trabalho. Mas mesmo a mudança havida é vista com muita reserva por toda a gente que vive de salário.
São esses pequenos ganhos que levam o PCP e o BE a destacar a sua acção de pressão sobre o governo e o PS. Ninguém lhes quer tirar o mérito, mas também não é caso para engrandecer o feito. De facto, a questão decisiva que se coloca é a de saber quais são os ganhos políticos para as classes trabalhadoras deste tipo de equilíbrio conseguido com o governo PS.
Ora, quer o PCP quer o BE (não esquecendo os Verdes) insistem quase exclusivamente na tecla da “reposição das perdas”, e em que essa é a via a percorrer — como se existisse à nossa frente um horizonte livre para prosseguir tal caminho, e como se esse caminho só dependesse da sensatez política da governação instalada.
Mas na hipótese, mais do que provável (em vista da crise geral do capitalismo e particularmente do capitalismo europeu), de um reforço das medidas de austeridade, das pressões políticas sobre os países mais dependentes, e mesmo de uma ascensão na Europa central da extrema-direita — numa situação dessas, com que armas e com que experiência política vão as massas trabalhadoras resistir? A situação política-governativa que se vive no país tem em grande medida o carácter de um interregno permitido pelo desarranjo em que a UE vive. Ou pelo menos é de toda a cautela encarar a situação por esse lado.
Comentando a proposta do OE 2017, um jornalista económico manifestava o seu espanto pela capacidade do governo em responder simultaneamente às pressões de Bruxelas e às exigências dos parceiros parlamentares. De facto, nem se adivinham para já grandes contestações da parte da UE, nem os apoiantes do PS parecem insatisfeitos — nem mesmo a direita, que tem o dever de ofício de denegrir o OE, consegue dizer mais que umas tantas banalidades, e até o Conselho das Finanças Públicas, sempre tão crítico, veio dar aval às previsões do governo!
Essa aparente quadratura do círculo percebe-se se atentarmos no sentido geral do OE, que se pode resumir assim: primeiro, dar provas de respeito absoluto pelas exigências cruciais da UE; segundo, conceder, dentro dessa margem apertada, algum alívio aos assalariados e aos consumidores. É esta a tradução prática das palavras “de enquadramento” que o PS se preocupou em divulgar à partida através do seu presidente.
O saldo final desta política “equilibrada” — em que Ecofin assegura a sua autoridade e os trabalhadores se contentam com pouco — continua a ser o reforço da integração do capitalismo português na UE, e a disciplinação da acção política nacional segundo as suas regras, apesar das vozes que BE e PCP levantam contra a “submissão” a Bruxelas e a perda de “soberania”.
Por tudo isto é que as coisas não se resumem de modo nenhum, à “reposição das perdas”, e é importante, nesta situação de relativo (e precário) desafogo, despertar nos trabalhadores a convicção de que será a sua capacidade de intervenção política própria que decidirá do presente e do futuro próximo.