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Sexta, 18 Novembro 2016 13:11 Última modificação em Sexta, 18 Novembro 2016 13:16

PS não mudou de identidade

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País: Portugal / Institucional / Fonte: O Diário

[José Paulo Gascão] Um muito importante texto que nos transporta, numa larga panorâmica, pela crise estrutural do capitalismo, afectando a gigantesca massa proletarizada de todos os que vivem do seu trabalho; pelas propostas de saída desta crise sem colocar em causa o sistema que a gerou; pela natureza e identidade da social-democracia que, hoje como antes, a torna parte do problema e não da solução.

1 – INTRODUÇÃO

Durante a contagem de votos na noite das últimas eleições legislativas em 4 de outubro de 2015, já Marco António Costa tinha agradecido «… a todos os portugueses (…) o sinal muito claro da determinação de manter um percurso muito definido», quando Francisco Lopes (21:40) avançou que a coligação PSD/CDS «perde a possibilidade de formar governo, a menos que haja da parte do Presidente da República uma entorse dos resultados eleitorais».

Jerónimo Sousa, pelas 22:05, concretiza um pouco mais o que Francisco Lopes dissera e afirma que os deputados comunistas «não irão viabilizar um governo de direita que não tenha maioria absoluta». E acrescenta: «está nas mãos do PS a solução».

Ainda pelas 22:40 de 4 de outubro, António Costa saúda Pedro Passos Coelho e Paulo Portas “pelo resultado alcançado” e acrescentou que «a maioria que expressou a vontade de mudança ainda não se expressou numa maioria de governo», concluindo que «o PS assume a plena responsabilidade de garantir que a vontade dos portugueses não se perca na ingovernabilidade». Acrescentou que respeitava o veredicto dos resultados eleitorais, ir fazer uma oposição séria e responsável, e disse aceitar «a decisão dos portugueses, mesmo quando não concorda(mos) com ela».

No dia seguinte, quando Jerónimo de Sousa em conferência de imprensa que se seguiu à reunião do Comité Central afirmou que «o PS só não forma governo se não quiser», o PCP determinou a derrota da coligação PSD/CDS e da sua política submissa ao capital monopolista nacional, europeu e norte-americano.

A longa espera que se seguiu até à posse do governo PS, em 24 de novembro de 2015, foi o tempo necessário às conversações, os passos indispensáveis à colocação de um freio na há muito concretizada conversão do PS à política da direita, e à caminhada de Cavaco Silva contra o muro da realidade em que se esbarrondou, situação que sempre lhe acontece quando tem de encarar situações por ele não previstas ou que não lhe tenham sido, pacientemente, indicadas como possíveis…

As declarações de Jerónimo de Sousa foram decisivas. Extirpar o tumor que o governo PSD/CDS constituía, foi um imperativo patriótico e consumou a derrota de 4 anos e meio de uma política terrorista dos monopólios portugueses associados ao capital imperialista.

Efetivamente, o mandato da coligação PSD/CDS não foi apenas a execução de uma política ao serviço do capital monopolista nacional associado ao capital imperialista, foi também, no parlamento e fora dele, 4 anos e meio de arrogante política terrorista, levada a cabo por uma ditadura do grande capital com fachada democrática.

A concretização de um governo PS, nestas inéditas e surpreendentes condições, se extirpou o tumor maligno que constituía a aliança PSD/CDS, não pode fazer esquecer o longo processo de fusão ideológica do PS com a direita nem a sua opção de classe, principais elementos constitutivos da matriz ideológica daquele partido, que o impedem encarar o caminho da superação da crise estrutural do sistema do capital [1].

2 – A CRISE ESTRUTURAL

Se há século e meio se podia falar – e falou sem eludir os limites e as contradições que lhe são inerentes – da importância do capitalismo para o alargamento da produção e do consumo, e para o derrube das barreiras que limitavam o desenvolvimento das forças produtivas, o crescimento das necessidades e o desenvolvimento da produção, hoje, não tem qualquer sentido falar de desenvolvimento da produção para a satisfação de necessidades humanas; como é uma completa falta de senso, no mínimo, falar da defesa do meio-ambiente e recusar a condenação do sistema do capital, hoje o principal responsável pela destruição do meio-ambiente, pela crescente agressividade do capital nesta fase do capitalismo imperialista, traduzida em guerras que permanentemente provoca e inicia, mas também pelo constante e crescente aumento da produção destrutiva que caracteriza hoje o sistema do capital.

Por muitos antecipada como inevitável embora sem data prevista no calendário, a crise estrutural do capitalismo teve, há anos, uma primeira intensificação, então resolvida com uma significativa alteração, quantitativa/qualitativa, da estrutura do complexo social então existente.

A acumulação e agudização de contradições tornou previsível uma nova intensificação da crise estrutural do capitalismo, embora desde os anos 60 do século passado as cliques e claques intelectuais do capitalismo tivessem começado a difundir a ideia que as crises tinham acabado… Diziam ter-se aprendido com a crise de 1929, que os meios hoje ao dispor dos Estados eram diferentes, que Keynes tinha destruído as teorias marxistas, que as falências bancárias eram coisas do passado…

A crise que hoje abala o mundo surgiu em 2007 nos EUA e na Europa, como o demonstra a situação de cessar o resgate de dois fundos pelo PNB-Paribas em agosto daquele ano. É uma nova intensificação da crise estrutural do capitalismo.

Perante uma crise é fundamental distinguir se ela é uma crise conjuntural ou uma crise estrutural, visto que são situações e conceitos distintos que, por isso mesmo, exigem remédios diferentes. Não se pode, no entanto, esquecer que a caraterização de uma crise e as propostas de medidas para a sua resolução não são, bem pelo contrário, independentes dos diferentes posicionamentos ideológicos e programáticos partidários, incluindo nos partidos comunistas e operários.

Uma crise conjuntural não afeta a estrutura social, pelo que pode ser resolvida no quadro estrutural em que se desenvolveu. Diferentemente, a crise estrutural afeta a própria estrutura, questiona a totalidade do complexo social envolvido nessa estrutura, pelo que se desenvolve enquanto não for alterada a estrutura do complexo social; não tem momentos tempestuosos, embora, aqui e além, neste e naquele tempo e espaço, possa apresentá-los integrados na sua globalidade e universalidade.

«Mas apesar da profunda seriedade dos seus parâmetros gerais, a crise estrutural pode, à primeira vista, não aparentar ser de uma importância assim tão decisiva quando comparada com as vicissitudes dramáticas de uma grande crise conjuntural. De facto, as «tempestades» com que se manifestam as crises conjunturais são bastante paradoxais, na medida em que, pelo seu modo de desdobramento, as crises conjunturais não só descarregam tais tempestades como acabam, (sublinhado meu) no mesmo movimento por se resolverem enquanto crises (na medida em que as circunstâncias o permitem). Isto é possível graças ao seu carácter parcial, que não implica os limites últimos da estrutura social estabelecida» (Meszaros, 2012).

Ainda segundo Meszaros, a crise estrutural manifesta-se em 4 aspetos essenciais que a diferenciam das crises conjunturais anteriores:

Tem caráter universal, não se circunscreve a um ramo específico da produção, tipo de trabalho, sector financeiro, comercial ou outro, pois, repito, tem caráter universal – atinge todos os ramos e sectores.

É de âmbito global, no sentido literal do termo e, embora de forma diferenciada, atinge todo o planeta, não se limita a alguns países ou regiões, como aconteceu com crises do passado, incluindo a de 1929, que muitos dizem ter sido uma intensificação da crise estrutural, embora não tivesse cumprido estas duas primeiras caraterísticas essenciais para a sua definição como crise estrutural [2].

É permanente, não é limitada, não apresenta ciclos, ao contrário das crises anteriores, embora não se desenvolva sempre num sentido ascendente.

O seu desenvolvimento é gradual, não é explosiva nem, normalmente, terá «grandes tempestades», como aconteceu com crises conjunturais anteriores.

Pondo as opções de classe acima da análise da realidade, políticos e outros defensores do capitalismo, partidos sistémicos com a social-democracia à cabeça, trotsquistas e revisionistas de todos os matizes, assumidos ou escondidos onde quer que estejam, não se entendem quanto às medidas a tomar, nem quando lançar esperanças ou difundir alertas.

Com a intensificação da crise ocorrida no final da primeira década deste século, no imediato, todos se tornaram keynesianos, e defenderam o aumento da despesa pública com o correspondente endividamento dos Estados, na tentativa infrutífera de resolver o problema do fortíssimo endividamento dos monopólios, particularmente os financeiros. Outros dizem ser a crise estrutural, mas não a tratam nem como universal, debruçam-se sobre um sector, normalmente o financeiro, e preconizam remédios de anteriores crises conjunturais. Uns, logo defenderam a austeridade para a classe operária e restantes trabalhadores, outros aplicavam-na de PEC em PEC.

Mas todos defenderam a austeridade e logo a estenderam ao que apelidam de «classe média», um artifício que mete no mesmo saco a classe operária, outros trabalhadores, entre os quais técnicos e intelectuais (médicos, engenheiros, advogados e outras profissões consideradas, hoje erradamente, como liberais), e também franjas da pequena burguesia e até do campesinato.

A expressão «classe média», foi criada, usada e divulgada pelas técnicas de «marketing», que a basearam na fruição de aparelhos elétricos de uso doméstico, dimensões, características e comodidades da habitação, existência de 2ª casa (alugadas ou próprias, mesmo que hipotecadas e em pagamento mensal ao banco), zona residencial, tipo e idade do carro, férias em casa ou fora de casa, etc., como forma de separar ou unir escalões populacionais em função da disponibilidade monetária, para criarem necessidades artificiais e melhor influenciarem o consumo de determinados produtos e marcas.

No caminho, aproveitam para promover entre os trabalhadores não só a imitação do modo de vida burguês, mas também o afastamento da luta e das suas organizações de classe.

Esta é a razão pela qual a dita «classe média» é tão ardorosamente disputada pelos partidos que gerem e defendem nos Estados os interesses do capital monopolista, nacional e internacional; como é também a razão porque continuam a apelidar de membros das «profissões liberais» a esmagadora maioria dos médicos, dos advogados, dos engenheiros, dos arquitetos, etc. Esta é também a razão para se manterem as velhas «Ordens», em quem, hoje injustificadamente, os Estados delegam os seus poderes de regulamentação, e até se assiste à criação de novas «Ordens», mesmo de profissões cujos membros sempre foram trabalhadores assalariados, como os professores, ou foram-no na sua quase totalidade, como os enfermeiros!

A «classe média é hoje uma massa gigantesca proletarizada», como vimos citado de quem tinha a obrigação de denunciar a expressão e os objetivos da sua utilização, se não tivesse abandonado o princípio de que a luta de classes é o motor da história…

Assim, não pode surpreender que a classe trabalhadora, no seu conjunto, procure um status que lhe é alheio e que a imitação do modo de vida burguês se vá generalizando, o que leva trabalhadores cada vez mais proletarizados a procurarem pertencer à inexistente «classe média», um escalão que crêem superior ao dos trabalhadores e proletários.

É a procura de uma ilusão que os faça esquecer a dura realidade.

Mas o que é hoje um proletário, quase dois séculos depois de Marx e Engels definirem o conceito?

Como disse Barata-Moura no I Congresso Internacional Marx em Maio, no debate que se seguiu à sua comunicação, o conceito de proletário hoje, tal como o definiram os fundadores do marxismo, e cito de memória, não andará muito longe do trabalhador que vive essencialmente do seu salário.

Não é o nível cultural nem o grau académico nem tampouco o nível salarial ou a convivência social que definem a pertença a uma classe. A classe social é definida pela posição que cada um ocupa, ou não ocupa, na estrutura de comando do capital, o que não exclui a existência de camadas dentro de uma mesma classe.

Em nota à edição inglesa de 1888 do Manifesto do Partido Comunista, Engels prevenia que «Por burguesia entende-se a classe dos Capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores de trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados modernos, os quais, não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de trabalho [labourpower] para poderem viver».

Como se torna mais evidente com um exemplo retirado da vida, não é pelo estilo nem pelo padrão de vida ou nível salarial que um trabalhador da Volkswagen em Wolfsburgo, Alemanha, pertence a uma classe diferente, e “superior”, à de um trabalhador da Volkswagen em Palmela, Portugal. Uns e outros produzem mercadorias idênticas, apesar de os trabalhadores alemães, em termos nominais e reais, ganharem muito, muito mais que os portugueses: não é isso que os muda de classe. Nem os trabalhadores alemães nem os trabalhadores portugueses da Volkswagen, enquanto tal, têm qualquer posição na estrutura de comando do capital, não pertencem a nenhuma «classe média», são operários e trabalhadores assalariados com salários bem diferentes é certo, mas sem bens de produção, pelo que não têm lugar na estrutura de comando do capital.

Como também não é pela propriedade de casa-própria, comprada por recurso ao crédito hipotecário (uma forma para que os trabalhadores foram empurrados pelos interesses do capital financeiro), uma opção mais económica e uma solução de aforro forçado que os trabalhadores, cada vez mais proletarizados, assumiram mas não escolheram; como também não é a compra de um carro, novo, em-segunda-mão ou a sua posse ou fruição por recurso a uma qualquer das muitas modalidades oferecidas pela banca, que os trabalhadores são promovidos à inexistente classe média, como cada vez mais a imposição da política «neoliberal» procura interesseiramente fazer crer.

E quanto ao carro, é sempre bom não esquecer que, ao contrário da burguesia, os trabalhadores não escolhem o local onde viver, nem a vista ou a sua exposição solar que a casa proporciona, pois vivem no lugar onde encontram casa à medida dos seus recursos; e não se pode esquecer que, hoje, um carro em-segunda-mão exige muitas vezes um esforço económico menor que o exigido há 60 anos atrás com a compra de uma bicicleta. Como não são os trabalhadores quem define a política de transportes, estes são muitas vezes colocados numa situação de terem de utilizar um transporte particular para o percurso casa-trabalho-casa.

A crise veio evidenciar a realidade: a posição de classe de qualquer pessoa ou grupo de pessoas é pela posição que ocupa, ou não ocupa, na estrutura de comando do capital. É por isso que, em situações de crise como a que estamos a viver a chamada «classe média», ao enfrentar a dura realidade, “regressa” à classe donde nunca saiu: a classe trabalhadora.

Tudo o que acima se disse não significa, de modo algum, que esta gigantesca massa proletarizada, não tenha no seu seio considerável percentagem de antigos detentores de bens de produção, nalguns casos mesmo de consideráveis bens de produção. A maioria deles continua a pensar de acordo com a sua anterior classe e, em momentos agudos da luta de classes, reagem como membros da classe a que já pertenceram, contra os interesses da sua nova classe, o que torna mais difícil o seu esclarecimento e mobilização.

A destruição da chamada «classe média» pela austeridade mais não é do que a feroz ofensiva global do grande capital contra a classe trabalhadora, que a todos os seus membros atinge, independentemente do seu nível salarial, estilo de vida ou consciência de classe, mesmo dos que se julgam inseridos numa inexistente «classe média».

***

Como alternativa à austeridade para superação da crise, a solução mais preconizada tem sido defesa da renegociação da dívida (em bom rigor a maior parte devia ser repudiada por odiosa…) e a saída controlada do Euro, medidas com consequências imediatas muito diferentes, que mesmo que no médio prazo possam trazer um alívio momentâneo, não podem superar a crise estrutural, por deixarem intocável a estrutura do complexo social. Daí, parecer-me injustificado o entusiasmo suscitado pela entrevista de Jorge Pinheiro com Joseph Stiglitz, na Antena Um em 5 de setembro passado. Nessa entrevista, a principal conclusão do mediático Prémio Nobel e colaborador do Expresso de Pinto Balsemão foi a de que «… as escolhas não são agradáveis, mas se reconhecermos o custo de continuar neste pântano, o risco de uma saída de Portugal do euro pode ser mais baixo do que ficar» (sublinhado meu, tradução da Antena 1).

Claro que medidas como a saída do Euro (terá de ser muito bem pensada e preparada para atenuar os custos que serão sempre consideráveis, pois uma coisa é sair do Euro e outra bem diferente seria nunca ter entrado…) ou reestruturação da dívida, particularmente esta, trazem algum alívio imediato e temporário, mas em nada contribuem para eliminar contradição entre a crescente socialização da produção e a sua apropriação individual, a contradição de sempre entre o trabalho e o capital, hoje agravada com o brutal alargamento da socialização do trabalho. Serão indiscutivelmente um alívio temporário, mas daí nunca virá a superação da crise estrutural do capitalismo, e isso, infelizmente, não é dito mesmo por quem tinha obrigação de o fazer.

É este tipo de ações e omissões que contribuem para muitos dos atuais posicionamentos ideológicos reformistas e revisionistas existentes no que resta do movimento comunista internacional.

É verdade que há algumas décadas a intensificação da crise estrutural do capitalismo então verificada foi superada, mas tal só foi possível por ter havido uma alteração, quantitativa/qualitativa, da estrutura do complexo social.

Após as visitas preparatórias de Henry Kissinger em 1971, secretário de Estado dos EUA, a que seguiu a visita de Nixon, acompanhado pelo seu secretário de Estado em 1972 à China, este país iniciou a concretização da tese já anteriormente formulada de «um país dois sistemas».

O capitalismo foi alargado à China, ao sudeste asiático, e posteriormente à Índia, que escolheram o capitalismo como via que consideraram indispensável ao desenvolvimento nos seus países. Foi uma alteração substancial da estrutura. Então, superou-se a intensificação da crise estrutural do capitalismo com esta alteração da estrutura do complexo social, mas as contradições do sistema não só permaneceram como se ampliaram e deram origem a novas contradições.

O sistema do capital alargou-se ao que faltava da Terra, e esta nova intensificação da crise estrutural do capital está muito longe da superação, tudo indicando que se aproxima um novo período de gradual agravamento. Como a crise é estrutural, só uma alteração da estrutura do complexo social a pode superar, nunca é demais repeti-lo. E as medidas de há 4 décadas não podem repetir-se, como é evidente.

É a consciência dessa realidade que levou Joseph Stiglitz à falsa solução de atirar o barro à parede… e “pode” ser que pegue.

Recorrendo a um registo diferente, em 29 de agosto, o próprio capital monopolista alinhou também com a solução de atirar o barro à parede quando, através de um dos seus porta-vozes privilegiados, a Reuters, divulga uma comunicação com o sugestivo título de «O pior cenário: os bancos preparam-se para um “inverno nuclear económico”».

E depois de constatar as quedas vertiginosas da capitalização bolsista, entre outros, do Deutsche Bank, do Crédit Suisse e do Royal Bank of Scotland, a Reuters conclui: «O “Brexit” foi a maior fonte de incertezas da agenda financeira global, mas os analistas incentivam as empresas a continuar a trabalhar, apesar do futuro incerto, e a tomar medidas para “eliminar os riscos e simplificar [mais despedimentos…] os seus negócios”».
(https://actualidad.rt.com/actualidad/217396-bancos-prepararse-invierno-nuclear-economico).

É por tudo isto que cada vez mais políticos, professores universitários e outros epígonos do sistema do capital vêem hoje o Deutsche Bank como o candidato favorito à execução do golpe de misericórdia na curta vida do euro, e o principal responsável pela destruição da «ordem europeia dos últimos 60 anos».

3 – O PS E O PAPEL INSTRUMENTAL DA SOCIAL-DEMOCRACIA

Sendo o resultado de desvios da teoria e da tática marxistas, os partidos social-democratas, socialistas e trabalhistas, integrados na Internacional Socialista, continuam a falar de socialismo e a intitularem-se de partidos de «esquerda».

A palavra «esquerda» é um termo politicamente degradado que, hoje, significa tudo e coisa nenhuma, pouco mais definindo que o lado das bancadas parlamentares em que se sentam os partidos a que chamam de «esquerda». A sua utilização nada esclarece, apenas confunde.

Com poucas exceções como a que resultou na eleição de Salvador Allende, no Congresso chileno, em 24 de outubro de 1970, a prática dos partidos da social-democracia foi sempre, através de um longo, persistente processo a defesa e gestão do capitalismo, num permanente alinhamento com a direita, os monopólios e o imperialismo.

Depois da auto-extinção do anterior Partido Socialista Português, os social-democratas portugueses e republicanos, limitaram-se a participar nas farsas eleitorais permitidas pelo fascismo com as limitações impostas pelo regime, sempre à espera que um golpe militar salvador devolvesse ao povo português as liberdades suficientes e o poder à burguesia liberal de que, naturalmente, eles se consideravam os lídimos representantes políticos.

A subida de Marcello Caetano ao poder (1968) reforça as ilusões entre os social-democratas: por uns foi considerado «um horizonte de esperança para o nosso povo», outros correram a S. Bento, na qualidade de antigos alunos, onde apresentaram cumprimentos e mostraram a sua confiança nas «medidas liberalizadoras», pouco mais do que mudar o nome da PIDE para DGS e aproveitar a RTP para «conversas em família», que propagandeavam naquele influente meio de comunicação a política do regime fascista.

***

Depois do 25 de Abril, o improviso de Mário Soares no 1º de Maio de 74 foi um exercício de radicalismo demagógico, em sintonia com o I Programa do Partido Socialista onde, mentirosamente, se dizia ser objetivo do Partido Socialista a «instauração em Portugal de uma democracia socialista», numa «sociedade sem classes»! Mas o Programa do PS nunca foi um guia nem um compromisso, mas sempre foi entendido pelos seus responsáveis como uma forma de angariar o apoio das massas, pelo que foi redigido em consonância com o que sabiam ser os anseios dos trabalhadores portugueses.

A vida comprovou que não é apenas por uma certa volubilidade temperamental que, frequentemente, Mário Soares dizia uma coisa hoje e o seu contrário amanhã: depois de no Barreiro, então um bastião operário, considerar a nacionalização da banca em 15 de Março de 1975, um «dia histórico em que se pode assinalar que o capitalismo se afundou com a nacionalização da banca privada», declarou anos mais tarde em entrevista à televisão que nunca pretendeu liquidar ou destruir os grupos monopolistas, mas apenas condicioná-los.

Líder da contra-revolução em Portugal, Mário Soares transformou então o PS no guarda-chuva protetor de toda a direita que andasse perdida à procura de abrigo.

Aliou-se a Spínola, líder de algumas das mais conhecidas e criminosas organizações terroristas e bombistas pós 25 de abril, formando, na opinião de Álvaro Cunhal, «uma das mais estáveis e duradouras alianças político-militares do processo contra-revolucionário». Logo no 1º Governo Provisório [diz Spínola], «sempre (me) expôs, com a máxima lealdade, as suas opiniões e me alertou para os perigos que o País estava a correr com base na atuação do PC».

No princípio de julho de 1974, teve conhecimento antecipado, se não mesmo participação ativa, da primeira tentativa de golpe contra a democracia portuguesa: reuniu com o Primeiro-ministro Palma Carlos, à margem do governo de que fazia parte, sem o informar como era seu mais elementar dever de lealdade, onde lhe foi exposto o plano golpista de Spínola. Mais tarde disse que discordou, mas logo acrescentou que isso não pressupunha a sua vontade «de que o general Spínola caísse ou saísse de cena», pois queria aguentá-lo…

Depois de Spínola ter uma vez mais conspirado, agora de armas na mão, contra a revolução de abril (11 de março de 1975) e, posteriormente, dirigido a rede bombista que assassinou pessoas e destruiu bens em Portugal, Mário Soares promove o seu regresso ao país e, não só o iliba de qualquer acusação judicial pelos crimes cometidos, alguns deles de sangue, como lhe atribuiu o cargo de chanceler das ordens. [3]

Uma vergonha!

4 - O PS não mudou de identidade

Se extirpar o tumor que a coligação constituía era um imperativo, não se pode esquecer que o PS de António Costa é o partido que se fundiu ideologicamente com a direita, num longo processo iniciado pelo seu primeiro secretário-geral, Mário Soares, e concluído por José Sócrates, de quem Costa foi ministro de Estado e da Administração Interna (2005-2007), cargo que abandonou para se candidatar à Câmara de Lisboa, desafio que lhe foi feito por José Sócrates.

E, apesar da sufocante ditadura mediática há uma consciência generalizada dessa fusão, do que o PS tem sido, e do que fez ao longo dos últimos 42 anos.

Como também não se pode esquecer que a solução encontrada está longe de ser a única possível, desde logo, pela decisão tomada de manter as massas afastadas da procura da solução, em vez de com a sua luta as fazer participar nesta ou numa outra solução, que não acorrentasse os trabalhadores e as suas organizações de classe ao jogo parlamentar burguês.

Em 2014, após as eleições para o Parlamento Europeu António Costa sucede a António José Seguro como secretário-geral do PS, num processo que em tudo faz lembrar o de António Guterres quando apeou Jorge Sampaio do mesmo cargo, igualmente com base numa alegada insuficiência os resultados eleitorais do Partido.

O PS de António Costa é o mesmo PS de Mário Soares, de Vítor Constâncio, de Jorge Sampaio, de António Guterres, de José Sócrates e António José Seguro. Não alterou a sua opção de classe, mantém os mesmos princípios identitários e os objetivos de sempre, o que lhe permitiu ser o interlocutor privilegiado, como a vida evidenciou, do capital monopolista português, do imperialismo e das suas estruturas de intervenção, situações que, em princípio, poderiam parecer mais adequadas ao PSD e CDS.

Penso que foi por tudo o que acima se sumaria, que à necessidade de pôr cobro à devastação perpetrada pela coligação PSD/CDS e ao alívio sentido pelo afastamento da coligação PSD/CDS do governo não sucedeu qualquer euforia ou esperança, mesmo entre quem alimenta ilusões com a solução encontrada para o governo do PS.

Só a luta de massas, organizada, disciplinada, com objetivos claros e definidos, com palavras de ordem precisas, bem pensadas e adequadas a cada momento preciso podiam ter levado a uma solução diferente que abrisse uma janela de esperança entre a classe trabalhadora.

Só o efetivo e constante reforço das organizações dos trabalhadores, a sua atenta auscultação podem aprofundar a necessidade e a disponibilidade dos trabalhadores para lutarem por uma clara e profunda transformação social.

Nota:
[1] Sobre a sequência das declarações dos responsáveis partidários na noite eleitoral de 4 de dezembro ver:http://www.dn.pt/politica/interior/passos-coelho-seria-estranho-que-quem-ganhasse-as-eleicoes-nao-pudesse-governar-4814650.html); e http://www.dn.pt/politica/interior/sem-maioria-absoluta-psd-e-cds-perdem-o-governo-diz-bloco-4815623.html?id=4815623
[2] Embora a China continua a crescer a ritmos impensáveis para qualquer país desenvolvido a taxa de crescimento já não se apresenta folgadamente com dois dígitos, e tem mostrado uma tendência inalterável para baixar.
[3] Ver «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido», de Rui Mateus D. Quixote em:
https://aventadores.files.wordpress.com/2010/12/livro_contos_proibidos.pdf.

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