Ou seja, em três campos decisivos – o político, o econômico e o geopolítico – a revolução bolivariana parecia estar na defensiva. Enquanto isso a contrarrevolução, tanto interna como externa, pensava ter, afinal, o poder na Venezuela ao alcance da mão.
E tudo num contexto de guerra midiática de longa duração contra Caracas que começou com a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999, e se intensificou a partir de abril de 2013, alcançando níveis inéditos de violência depois da eleição do presidente Nicolás Maduro.
Essa atmosfera de agressiva e permanente perseguição midiática produz uma insidiosa desinformação sobre a Venezuela que confunde até os muito amigos da revolução bolivariana. Em particular porque, nesta era da “pós verdade”, a prática da mentira, da fraude intelectual e do engano descarado não é reprimida por nenhuma consequência negativa, nem em termos de credibilidade nem de imagem. Vale tudo, tudo se presta nessa ‘era de relativismo pós-factual’, e nem sequer os fatos ou os dados mais objetivos são levados em consideração.
Tampouco se aceita o argumento – tão óbvio no caso da Venezuela – do complô, da conspiração. De antemão, o novo discurso midiático dominante denuncia e ridiculariza a “pretensa conspiração” como um argumento inaceitável de uma “velha história”…
Tudo isso, em princípios de 2016, aparecia muito ladeira acima para o presidente da Venezuela. Até o ponto em que o doente opositor neoliberal Henry Ramos Allup, temporariamente embriagado por sua maioria parlamentar, se permitiu assegurar, em janeiro de 2016, no seu primeiro discurso como presidente da Assembleia Nacional, que “num lapso de tempo menor que seis meses” tiraria do poder Nicolás Maduro. Inspirando-se sem dúvida no golpe de estado institucional contra a presidenta Dilma Rousseff no Brasil, e apostando numa vitória num eventual referendo revogatório.
Assim estavam as coisas quando o presidente Maduro, numa magistral sequencia de golpes de xadrez que ninguém viu – perfeitamente legais segundo a Constituição – surpreendeu a todos. Renovou, como era seu direito, os membros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), órgão superior do poder judiciário, que tem a última palavra em matéria de interpretação da Constituição.
Repleta de soberba, a oposição cometeu então dois enormes erros: “Decidiu ignorar as advertências do TSJ e realizar uma sessão com três deputados do estado Amazonas cuja eleição, em dezembro de 2015, estava suspensa cautelarmente por irregularidades. Ante essa afronta, o TSJ decidiu obviamente que a incorporação dos três deputados “não eleitos regularmente” retirava toda a validade das decisões da Assembleia Nacional. De fato, o TSJ declarou que a Assembleia estava em desacato e considerou nulas todas suas decisões. De tal modo que, por seus próprios erros, a Assembleia não só não conseguiu legislar, nem controlar o governo, mas também, como reconhecem prestigiosos especialistas em direito constitucional, se anulou a si mesma, dilapidou seu poder e se autodissolveu. Esta foi a primeira grande vitória de Nicolás Maduro em 2016.
Em seu obsessivo afã de derrotar o presidente, a oposição antichavista também decidiu ignorar os requisitos legais (art. 72 da Constituição), em termos de etapas imprescindíveis e de passos exigidos pelos regulamentos jurídicos, para lançar um referendo revogatório em 2016. Aí os opositores fracassaram igualmente de maneira estrepitosa.
E isso constituiu outra grande vitória de Nicolás Maduro.
Ainda assim, chegou um momento, entre março-abril de 2016, em que tudo se complicou enormemente. Porque, às investidas habituais das forças hostis à revolução bolivariana, somaram-se uma impressionante seca, a segunda maior desde 1950, e temperaturas extremas causadas pelo fenômeno El Niño. Na Venezuela, 70% da energia é gerada por hidroelétricas e a principal central hidroelétrica depende do reservatório Guri. Com a redução das chuvas os níveis desse reservatório diminuíram quase ao nível mínimo.
A contrarrevolução tratou de aproveitar essa circunstância para multiplicar as sabotagens elétricas, tentando criar caos energético, ódio social e protestos. O perigo era enorme porque ao problema elétrico se somava, por efeitos da seca persistente, a falta de água potável… Mas o Presidente Maduro novamente atuou com rapidez e adotou medidas drásticas: decidiu pela substituição de milhões de lâmpadas incandescentes por similares econômicas; ordenou a substituição dos velhos condicionadores de ar por outros de nova tecnologia poupadora; estabeleceu meio período de trabalho na administração pública; e decretou um plano especial de economia nacional no consumo elétrico e de água. Graças a essas medidas corajosas, o Presidente conseguiu evitar o colapso energético. E obteve assim uma de suas mais populares vitorias do ano de 2016.
Outro dos problemas importantes (talvez o mais grave) que o governo teve que enfrentar – consequência em parte da guerra econômica contra a revolução bolivariana – é o do abastecimento de alimentos. É preciso lembrar que antes de 1999, 65% dos venezuelanos viviam em situação de pobreza e que só 35% podiam desfrutar de uma alta qualidade de vida. Ou seja, de cada dez venezuelanos só três consumiam regularmente carne, frango, café, milho, leite, açúcar… Enquanto que, nos últimos dezessete anos, o consumo de alimentos (graças à inversão social massiva da revolução) disparou em 80%.
Essa mudança estrutural, em si, explica por que, logo, a produção nacional de alimentos, muito maior do que se imagina, se mostrou insuficiente. Como a demanda aumentou massivamente, a especulação também disparou. E diante de uma oferta estruturalmente limitada, os preços subiram vertiginosamente. E o fenômeno do mercado negro, ou “bachaqueo” se expandiu. Muita gente comprava os produtos subsidiados pelo Governo a preços inferiores para vender a preços superiores ao do mercado. Ou os “exportavam” em grande escala aos países vizinhos (Colômbia, Brasil) onde os revendiam pelo dobro ou triplo de seu preço subsidiado. De modo que a Venezuela era “drenada” de seus dólares – cada vez mais escassos pela derrubada dos preços do petróleo – para alimentar a alguns ‘vampiros’ que arrancavam dos mais humildes os produtos de primeira necessidade, ao mesmo tempo que enriqueciam de maneira excepcional. Semelhante imoralidade não podia continuar.
Uma vez mais o Presidente Maduro decidiu atuar com pulso firme. Primeiro – muito importante – mudou a filosofia da ajuda social. E corrigiu um enorme erro que se vinha cometendo na Venezuela havia décadas. (lustros?) Decidiu que o Estado, em vez de subsidiar os produtos, devia subsidiar as pessoas. Para que só os pobres, os que realmente necessitam, tivessem acesso aos produtos subsidiados pelo Governo. Para todos os demais, o produto se vende a seu preço justo estabelecido pelo mercado. O que evita a especulação e o bachaqueo.
E segunda medida decisiva, o Presidente anunciou que, a partir de agora, o governo colocaria todo seu empenho em mudar o caráter econômico do país para passar de um ‘modelo rentista’ para um ‘modelo produtivo.’ A esse respeito, o Presidente definiu os “quinze motores” para reanimar a atividade econômica tanto do setor privado, como do setor público e da economia comum.
Essas duas decisões essenciais convergem numa original criação imaginada pelo Presidente Maduro: os CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção) que constituem uma nova forma de organização popular. Casa por casa, os representantes das comunidades organizadas entregam, a preço regulamentado, sacolas repletas de alimentos. Muitos desses alimentos são de nova produção nacional. Os CLAP deveriam abastecer, nos próximos meses de 2017 a uns quatro milhões de famílias humildes, garantindo a alimentação da população. E firmando assim uma nova grande vitória do Presidente Maduro.
Outra vitória não menor nesse ano de 2016 tão difícil, foi o recorde obtido em matéria de investimento social que atingiu 71,4% do orçamento do país. É um recorde mundial. Nenhum outro Estado no planeta dedica quase três quartos de seu orçamento em investimento social.
Em matéria de saúde, por exemplo, o número de estabelecimentos hospitalares se multiplicou por 3,5 desde 1999. E o investimento em um novo modelo humanizado de saúde pública se multiplicou por dez. A Misión Barrio Adentro, cujo objetivo é atender aos enfermos nas áreas urbanas mais humildes do país, realizou quase 800 milhões de consultas e salvou a vida de 1.400.000 pessoas. As universidades de medicina formaram 27.000 novos médicos. E outros trinta mil devem obter seu diploma em 2017. Oito Estados atingiram uma cobertura de Barrio Adentro em 100% em 2016, quando a meta era de seis.
Outra vitória social fundamental, não mencionada pela mídia dominante, é a alcançada em matéria de adultos idosos que recebem pensão por aposentadoria. Antes da revolução apenas 19% dos aposentados recebiam uma pensão, o resto sobrevivia geralmente na miséria ou às custas de seus familiares. Neste ano se 2016, a porcentagem de pessoas aposentadas que recebem uma pensão (ainda que não tenham podido pagar a previdência social durante sua vida ativa) atingiu os 90%. Um recorde na América do Sul.
Outra vitória espetacular – e que tampouco é mencionada na mídia dominante – é a conseguida pela Misión Vivenda, encarregada de construir habitações populares, a preço regulamentado, para as famílias venezuelanas humildes.
Em 2016, esta Misión entregou nada menos que 359.000 casas (a título de comparação, um país desenvolvido como a França construiu, em 2015, apenas 109.000 casas populares.) A isso é preciso acrescentar as 335.000 casas reformadas no marco da bonita Misión Barrio Nuevo, Barrio Tricolor. Uma Missão particularmente elogiada pelo gênio da arquitetura Frank Gehry, autor do Museu Guggenheim de Bilbao e do Museu Louis Vuitton em Paris, que declarou desejar se envolver nela. De tal modo que estamos falando de quase 700.000 casas populares entregues em 2016. Uma cifra sem equivalente no mundo.
Desde que começou seu mandato, em 2013, o Presidente Maduro já entregou cerca de um milhão e meio de casas a famílias modestas. Recorde mundial que transcorreu em silêncio por toda a mídia hostil à revolução bolivariana. E que até muitos amigos às vezes se esquecem de mencionar.
Recordemos, para terminar, algumas das brilhantes vitórias conseguidas no âmbito geopolítico. Por exemplo, haver impedido que a Organização dos Estados Americanos (OEA), dominada por Washington, condenasse Caracas como pretendia o secretario Geral dessa organização, Luis Almagro, que invocava a Carta Democrática contra a Venezuela.
Ou o êxito da XVII Cúpula do Movimento dos Paises Não Alinhados (MNOAL) realizada em setembro de 2016 no Centro de convenções Hugo Chávez na Ilha Margarita com a presença de numerosos chefes de Estado e de Governo e de representantes de cento e vinte países que dedicaram sua solidariedade à Venezuela.
Enfim, nesse campo, a principal vitória do Presidente Maduro, que fez várias excursões internacionais com este objetivo, foi a realização inédita de um acordo entre países da OPEP e não-OPEP para a redução organizada das exportações de petróleo. Esse acordo histórico, assinado em novembro de 2016, freou de imediato a deterioração dos preços dos hidrocarbonetos que estavam em colapso desde meados de 2014 quando ultrapassavam os cem dólares por barril. Graças a essa vitória fundamental, os preços do petróleo – que estavam a 24 dólares em janeiro – ultrapassavam os 45 dólares no final de dezembro de 2016.
Sendo assim, no ano mais duro e mais longo, em que tantos apostaram em seus tropeços, o presidente Nicolás Maduro, superando todos os obstáculos, todas as armadilhas e todas as dificuldades, demonstrou sua estatura excepcional de homem de Estado. E de líder indestrutível da revolução bolivariana.