Mesmo com todas essas precauções, em momentos de crise como o atual o regime ainda escapa do controle de seus donos.
Na França, a burguesia teve que sacrificar seus dois principais partidos para colocar um desconhecido na presidência e derrotar uma candidatura da extrema-direita. Nos EUA, Donald Trump tomou de assalto a candidatura do Partido Republicano contra a vontade do aparato partidário e dos principais setores do imperialismo. E depois derrotou a candidata do establishment, Hillary Clinton, que só conseguiu ser a candidata do Partido Democrático graças a um golpe contra Bernie Sanders. No Reino Unido, os trabalhadores impuseram um representante próprio para liderar o partido da esquerda oficial do regime, assombrando os capitalistas. No Brasil, a direita só conseguiu se livrar do PT dando um golpe de Estado.
O golpe no Brasil
No Brasil, as eleições para o Executivo tendem a colocar os programas políticos e a ideologia dos candidatos em maior evidência do que nas eleições parlamentares. Por isso a burguesia pode perder o controle mais facilmente nesse tipo de eleição. Foi o que aconteceu depois que o PT continuou ganhando as eleições a partir de 2006. Depois de chegar à presidência para cumprir um mandato em 2002 por um acordo, o PT continuou vencendo as eleições presidenciais se tornando um intruso cada vez mais incômodo dentro do Estado burguês brasileiro. É por isso que agora se fala em parlamentarismo, ignorando-se o resultado do plebiscito sobre a forma de governo de 1993.
Com pressa para aplicar o programa neoliberal, o imperialismo teve que impulsionar um golpe de Estado no Brasil. Eleitoralmente, a direita tornou-se inviável, apesar de toda a manipulação, de toda a campanha da imprensa golpista, de todas as regras favoráveis aos conservadores. Agora, no marco do golpe de Estado perpetrado pelos entreguistas, os usurpadores estão discutindo uma reforma política para consolidar o golpe.
A reforma é parte de uma política de destruição do PT que consiste em perseguir seus principais quadros e atacar todas as organizações da classe trabalhadora que tenham relação com o partido. Apesar de todos os ataques ao PT, a reforma vem como mais uma garantia para a direita de que a classe trabalhadora será totalmente excluída do poder. Esse é o objetivo por trás da destruição do PT (e do resto da pequena esquerda restante como um brinde). A impopularidade da direita chega ao ponto de terem que prender o candidato em quem o povo quer votar: Lula.
As eleições, portanto, precisam ser contornadas nesse momento de crise porque o programa do imperialismo para os países atrasados é absolutamente impopular. Não pode haver a menor brecha para uma escolha genuinamente popular. A direita teleguiada quer acabar com os direitos trabalhistas, com os serviços públicos para os trabalhadores, roubar as aposentadorias e roubar as riquezas do país. Esse é o programa do imperialismo para todos os países atrasados e para os trabalhadores do mundo inteiro. Para realizar a manutenção do capitalismo falido, é preciso fazer com que a população pague caro pela crise. É difícil eleger alguém com esse programa.
A Constituinte na Venezuela
A Venezuela é alvo desse mesmo golpe, dirigido contra a América Latina de conjunto. Enquanto a imprensa burguesa cinicamente finge que o Brasil continua sob uma normalidade democrática, acusa, também cinicamente, Nicolás Maduro de ser um “ditador”. Uma inversão da realidade propagandeada à exaustão nos jornais, rádios e canais de TV da burguesia. Toda essa imprensa defende o programa dos golpistas contra os trabalhadores e por isso ataca quem impede ou pode atrapalhar a aplicação desse programa.
O Brasil, com um presidente golpista não eleito e com um Congresso discutindo como mudar as regras eleitorais de forma mais favorável à direita e desfavorável à esquerda, seria uma democracia. Uma democracia em que você termina sem aposentadoria, sem direitos trabalhista, ganhando mal e sem estabilidade no emprego, caso tenha a sorte de ter um emprego. Na Venezuela, onde o presidente foi eleito e acabam de ser realizadas eleições constituintes, o governo seria “ditatorial”.
A verdade sobre a Venezuela é justamente o contrário desse retrato feito pela imprensa golpista que apoia o assalto à aposentadoria e o congelamento de gastos públicos. O presidente Nicolás Maduro realizou as eleições mais democráticas que já aconteceram no país. A imprensa que o acusa de ser um “ditador” quer justamente que um ditador entre no lugar de Maduro para promover a catástrofe neoliberal contra os venezuelanos.
Composição da Assembleia Constituinte
Nenhuma eleição anterior foi tão democrática quanto a da Assembleia Constituinte. A Assembleia é composta por mais de 500 membros. Entre eles, 364 são representantes de determinados territórios, como costuma acontecer nas eleições parlamentares. Outros 173 membros são representantes de determinados setores da sociedade venezuelana. Esses 173 constituintes são divididos por setor da seguinte maneira: 5 empresários, 8 camponeses e pescadores, 5 portadores de deficiência, 24 estudantes, 79 trabalhadores, 24 representantes de comunidades e conselhos comunais e 28 aposentados e aposentadas. Outros 8 deputados ainda serão eleitos entre as comunidades indígenas.
Com tal composição, a Assembleia Constituinte da Venezuela tem uma participação popular efetiva muito maior do que a participação que resulta de eleições mais tradicionais comandadas pela burguesia. Enquanto o Congresso brasileiro conspira para excluir os trabalhadores totalmente do Estado, a Constituinte garante pelo menos 79 vagas para os trabalhadores na Venezuela. Enquanto os indígenas precisam implorar para serem ouvidos em Brasília, na Constituinte venezuelana eles elegerão 8 deputados de acordo com seus métodos tradicionais. Isso jamais seria possível dentro das regras mais usuais das eleições burguesas.
O regime venezuelano continua sendo um regime burguês, e o governo continua sendo um governo nacionalista burguês, que se apoia na burguesia nacional e nos trabalhadores. Porém, dentro dos marcos de um regime burguês, as eleições para a Assembleia Constituinte foram as mais democráticas da região. Maduro, que o jornal golpista Folha de S. Paulopassou a chamar de “ditador”, é o presidente mais democrático da América do Sul neste momento.
Como a Constituinte é efetivamente popular, a direita golpista boicotou as eleições e procurou impedir a população de votar. Um candidato chavista foi assassinado uma semana antes da votação. A população teve que enfrentar a ameaça de violência da direita golpista para poder exercer seu direito ao voto. Apesar desses obstáculos, as eleições foram um sucesso.
O sucesso eleitoral de Maduro
As eleições na Venezuela não são obrigatórias, e não tiveram participação da oposição, que resolveu boicotar e sabotar o processo eleitoral. Mesmo assim, 40% do eleitorado foi à urnas, 8 milhões de pessoas manifestaram seu apoio a Maduro. Um apoio maior ainda do que nas eleições de 2013, quando Maduro derrotou a direita com 7,5 milhões de votos. Um dos melhores resultados eleitorais da história do chavismo.
Desde que começou a se reunir a Assembleia Constituinte já tomou decisões importantes em defesa da Venezuela sob a ameaça de um golpe e sob a ameaça externa de uma “intervenção militar” dos EUA. Nicolás Maduro colocou seu cargo à disposição e foi ratificado pela Assembleia na presidência. Os deputados também votaram medidas para preparar a defesa do país contra o imperialismo e contra a especulação e a sabotagem econômica.
A maior democratização do Estado na Venezuela fortalece os trabalhadores e a população em geral contra a direita golpista. Os golpistas querem suprimir os direitos da população. A Constituinte pretende inscrever os programas sociais na própria Constituição. A direita, como o caso do Brasil mostra, precisa excluir o povo das decisões do Estado completamente. A Constituinte tem participação popular em uma proporção bastante grande.
Quando os jornais que apoiaram o golpe no Brasil chamam Maduro de “ditador” estão falsificando a realidade. E essa falsificação serve ao objetivo do imperialismo de substituir Maduro por um, aí sim, ditador. Um Pinochet capaz de impor uma série de retrocessos contra os trabalhadores e de entregar o petróleo para os monopólios estrangeiros.