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Quando a oposição a Maduro, reunida em torno da heterogênea MUD, conquistou a Assembleia Nacional em dezembro de 2015, prometeu que em seis meses acabaria com o governo do PSUV. Isso em palavras do próprio presidente da AN, o veterano dirigente Henry Ramos Allup. Nesses meses, também, se deu o momento mais grave da crise econômica que aquele país vive, com uma queda pronunciada dos preços internacionais do petróleo (variável que começa a mudar devido ao acordo entre os países da OPEP) e dificuldades crescentes no abastecimento de alimentos. O governo idealizou uma iniciativa que lhe permitiu driblar parcialmente o cenário adverso, ainda com notórias dificuldades: os CLAP, Conselhos Locais de Abastecimento e Produção, que se constituíram em uma ponte – tal como fazia Chávez com as Misiones em relação ao próprio Estado – frente à distribuição privada de alimentos, onde ainda hoje segue tendo destaque o estocamento.
Passaram-se três trimestres e a direita, que tem grande apoio externo e o alinhamento de diversos meios de comunicação na investida, não conseguiu conquistar Miraflores. Que fatores incidem em que não tenha alcançado seu objetivo? Diversos:
- Diferentemente do Brasil, a MUD não controla o poder judiciário nem o vice-presidente do país. Tampouco as Forças Armadas. Uma fórmula “à Temer” é impensável.
- O chavismo permeia como identidade de grande parte do povo venezuelano, mesmo em condições adversas. Inclusive com aqueles que pudessem estar “desiludidos” com o atual estado de coisas. A consultora opositora Datanálisis, em um recente levantamento, mostra que pelo menos cinco em cada dez venezuelanos seguem reivindicando o legado de Chávez. A Hinterlaces, por outro lado, mostra que há uma progressiva recuperação do oficialismo diante das novas iniciativas econômicas.
- A oposição segue mostrando duas tendências nítidas, em uma situação semelhante à vivida em 2014: um setor que busca o diálogo e outro que quer abertamente a ruptura, que exige “incendiar as ruas” novamente. Capriles, que pertencia ao primeiro grupos dois anos atrás, agora parece seguir uma linha mais confrontadora, parecida à que comandou em 2013, após o triunfo de Maduro. Essa alternativa, longe de ter sido enterrada após a vitória da MUD em dezembro, segue sobre a mesa e cresceu. Uns jogam a culpa nos outros de que Maduro tenha permanecido em Miraflores, e vice-versa. Os setores mais radicais, com Tintori e Machado à frente, buscam uma insurreição antichavista para a qual não parece haver condições objetivas a médio prazo, tal como ficou demonstrado acima.
- O progressivo aumento nos preços internacionais do petróleo e uma melhora em indicadores como o risco país parecem demonstram que é possível uma melhoria após meses de profundas complexidades. Sobre esse primeiro ponto, o recente giro de Maduro por países da OPEP e não OPEP deixa um adiantamento de acordos que faria prever um crescimento de expectativas para o próximo ano.
Em conclusão, com o Natal e as férias se aproximando, parece distante uma iminente “derrocada institucional” como o que planeja certo setor da MUD. O referendo também parece distante, já que a direita deveria reunir novamente o um por cento de assinaturas nos cinco estados impugnados. No entanto, a estratégia de “incendiar as ruas” buscará ser legitimada novamente, sobretudo a partir do cenário internacional: as condições regionais – sobretudo Argentina e Brasil, por seus respectivos novos governos – são bem diferentes de 2014, quando as guarimbas tentaram derrubar Maduro. Mas a MUD deverá ter bem claro uma coisa: mesmo que conte com um indissimulável apoio externo, deverá primeiro construir condições de governabilidade internamente, algo impensável se pelo menos cinco a cada dez venezuelanos seguem reivindicando o legado de Hugo Chávez, tal como relatamos. No final das contas, pode-se tentar desgastar e deslegitimar um governo a distância, mas não se pode governar (e ser eleito previamente) somente com bombásticas declarações da OEA.