“Dado o conjunto de compromissos defendidos pelo PT ao longo de suas administrações públicas, é indispensável o esforço de diálogo com os partidos do campo democrático-popular e estendê-lo, caso a caso, a setores e partidos que, mesmo fora deste espectro, defendam conosco pontos programáticos para as eleições municipais”.
As palavras são as mesmas e a decisão é a mesma: o PT continuará a fazer alianças com os partidos da burguesia, desde que defendam “pontos programáticos” comuns. Mas que pontos programáticos seriam estes para serem defendidos em comum? A resolução não trata disso.
Alguns poderiam dizer que isto significa apenas que vão escrever algo e depois vão esquecer, como faz todo político. Para entender que este não é o caso, o melhor mesmo é estudar as Resoluções sobre a Conjuntura do PT (http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2016/05/Resolu----es-sobre-conjuntura-Maio-2016.pdf) e entender a continuidade da política do partido e o que permite a sua união com a burguesia contra os trabalhadores.
Uma “autocrítica” a luz da colaboração de classes
Se as expressões “golpe” e “ataque a democracia” são as mais evidentes nas declarações públicas dos seus dirigentes, o fundo da questão que aparece na resolução que é surpreendentemente favorável aos “golpistas”:
“A maioria conservadora do Congresso Nacional fabricou pretexto casuístico para depor um governo legitimamente eleito pelo voto popular e estabelecer novo bloco de poder, destinado a conduzir um amplo programa de reorganização do desenvolvimento capitalista nacional”. (Grifo nosso)
Ou seja, estamos em pleno processo de “desenvolvimento”, no qual o “golpe”, “depor um governo legitimamente eleito” destina-se simplesmente a ter um “programa de reorganização do desenvolvimento capitalista nacional”?
Um desavisado que só lesse estas linhas poderia concluir que estamos frente a um novo governo capitalista e desenvolvimentista, com cunho nacionalista!
A verdade é que a direção do PT não conseguiu compreender o que se passava, não compreende o que se passa, intoxicada por uma análise que só consegue ficar nos limites do capitalismo. Assim, a direção do PT explica primeiro as “diferenças econômicas” entre os “projetos”:
“O modelo econômico perseguido pelo grande capital implica substituir a expansão do mercado interno, como motor do crescimento, pela atração dos fluxos privados de investimento, locais e internacionais, conforme reza a antiga cartilha neoliberal e tal como explicita o programa dos golpistas “Uma Ponte para o Futuro”. Salários baixos, alta rentabilidade financeira com plenas garantias de solvência, desregulamentação do mercado de trabalho, privatizações e política externa subordinada aos centros imperialistas são os principais pilares dessa opção de classe”.
Ou seja, o “modelo econômico” do PT era a expansão do mercado interno (uma variante do keynisianismo) ao invés da caminhada para o socialismo. Esta é a confissão que é repassada nestas linhas e assumida enquanto tal. Mas, se o modelo é este, que outra forma de conduzi-lo que não através da submissão ao capital?
Na verdade, o PT assume a teoria que o Estado está acima das classes sociais, que a democracia não tem um caráter de classe e a sua autocrítica, se chega perto de alguns problemas, não explica o essencial da questão. Assim, o texto do PT explica que:
“A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito. Tem funcionado como mecanismo de contrapropaganda para mobilização das camadas médias, em associação com os monopólios da comunicação. Revela, por fim, o alinhamento de diversos grupos do aparato repressivo estatal – delegados, procuradores e juízes – com o campo reacionário, associados direta ou indiretamente às manobras do impeachment”.
O problema que o PT não quer compreender, e já não o quis durante o julgamento do “mensalão”, é que existe um aparato de Estado construído por uma classe social, a burguesia, que funciona de certa forma independente desta mesma classe. Ele tem seus próprios valores e ética, fundadas no capitalismo e construídas por este. Em outras palavras, não existe só um “alinhamento” de grupos dentro do aparelho repressivo estatal. Existe um aparelho repressivo estatal que é burguês, fundado sobre o direito burguês, educado sobre a ética burguesa, que trabalha pela “Estado Democrático de Direito” burguês.
Ao deixar de lado esta questão simples, que o Estado foi construído e organizado por uma classe social determinada, e entende-lo como um ente caído dos céus que pode ser entortado a bel prazer, para a direita ou para a esquerda, o PT não compreende como em torno da disputa de projetos burgueses, ele, PT, é escorraçado do governo como se chuta um cão sarnento.
Expliquemos de novo: O aparato estatal burguês que ataca o PT ataca por ódio a origem de classe do partido, ainda que este tenha um programa burguês e atenda os ditames do capital. Esta política do aparato estatal sangra o PT e seus aliados no parlamento, assim como ataca diretamente um dos poucos setores burgueses no qual o capital ainda tinha algo de “nacional”. Junto com a Operação Lava-Jato existe toda uma série de artigos reclamando a abertura de mercado do setor de construções para as empreiteiras internacionais.
Mas, quem eram os aliados burgueses de Dilma e do PT no parlamento?
Se Eduardo Cunha era sua face mais visível, a realidade é que este parlamento conseguiu concentrar uma escória saída dos esgotos das cidades diretamente para as luzes da ribalta de um Congresso podre até a medula. O exemplo do novo “líder” do governo, acusado em vários processos civis e criminais, de corrupção a assassinato, é uma das faces visíveis. As reportagens que se seguiram a votação da abertura de processo na Câmara, quando os deputados se revezavam em citações à família e mandavam mensagens para prostitutas lembrando que não podiam cita-las publicamente, é uma amostra deste antro a que se apelida de Congresso.
Este é o resultado daquilo que se chama de “democracia” e que o PT chama todos a defender; onde o dinheiro a rodo que a burguesia despejou para eleger parlamentares que defendessem seus interesses particulares, de cada burguês em particular; este é o Congresso no qual o título de “picaretas”, que um dia o antigo Lula lançou sobre o antigo Congresso, pudesse hoje ser chamado de elogio frente a realidade desvelada na votação pública.
O problema que levou a queda de Dilma tem a ver com isso. Estas figuras saídas de qualquer desenho em quadrinhos ou filme de horror barato de terceira categoria, que não queriam ir para a prisão junto com Dirceu & Cia, que se assustaram com a prisão do Senador Delcídio, mas não tiveram nem a coragem de assumir a si próprios como poder e mandar soltar um Senador preso sem autorização do Senado, resolveram vir a luz e tentar apossar-se diretamente do Executivo para tentar se livrar dos processos e prisões.
E, para não deixar dúvidas sobre o assunto, é nomeado como novo Ministro da Justiça um advogado que já foi advogado de cooperativas de vans do Estado de São Paulo, cooperativas que os jornais tratam como ligadas ao PCC (Primeiro Comando da Capital). O fato do novo Ministro ser o antigo secretário de Segurança do Estado de São Paulo, mostra apenas a degradação porque passa o Estado burguês.
Mas, o PT que foge da realidade como o diabo foge da cruz tenta imputar tudo a “grupos”, a um “golpe” que pretende mudar a política econômica, etc. Esquece o PT que a política econômica que Dilma vinha fazendo é exatamente a que o novo governo tenta fazer e que a Reforma da Previdência e Reforma trabalhista que Temer prega é o que o governo de Dilma pregava antes de ser atingido em cheio pelos petardos de Temer, Moro, Cunha & Cia Ltda. Daí que a análise gira em falso e a única coisa que o PT propõe é defender o “legado” de Dilma e Lula. Qual legado e como reagir as reformas de Temer, é o nosso próximo capítulo.
O “legado” do PT e o ataque a Previdência e aos direitos trabalhistas
O PT se reuniu logo depois de toda a área econômica ter sido nomeada, da Previdência Social perder o “social” e se tornar uma secretaria sob o domínio do Ministério da Fazenda, no dia seguinte em que Paulinho da Força Sindical, um dos maiores seguidores de Cunha e defensor escancarado do impedimento de Dilma ter declarado que mexer na Previdência dos que já estão trabalhando “não dá”, e todos podemos esperar do PT que cumpra a sua promessa e seja realmente uma oposição a Temer de verdade. Mas, surpresa das surpresas, o que diz a resolução sobre a reforma da previdência que será anunciada, segundo Meireles no dia 3 de junho? Que imporá uma nova idade mínima de 65 anos para homens e mulheres se aposentarem e desvinculará o piso da Previdência do Salário Mínimo, permitindo que os aposentados sejam reduzidos da miséria a mendicância?
Absolutamente nada! Nem uma mísera linha. Esta é a oposição que Temer pediu aos Deuses. Temer está com mais problemas em sua “base” de sustentação, estraçalhada pelos diversos “interesses” e brigando por cargos nos ministérios, secretarias, estatais, mesa do Congresso, líder do governo, etc., que com esta oposição que nada tem a dizer contra as suas medidas centrais.
Ah, estes congressistas sabem que o tempo de vender votos não surge a qualquer hora. E que se a reforma da Previdência é a reforma de todas as reformas, a mãe de todas as batalhas, é melhor brigar agora, criticar agora, gritar alto como Paulinho da Força, que aí sim, poderá ganhar algo nos finalmente desta votação. E ainda ficar bem na fita. Mas, o PT, que se propõe a “comandar” a oposição, a liderar as forças populares na luta contra o golpe, não fala uma única linha sobre esta questão que é o centro do ataque de Meireles e Temer.
A resolução destaca aquilo pelo qual o PT se propõe a lutar:
“As bancadas parlamentares do PT seguirão em combativa oposição a Temer no Congresso Nacional e ao seu programa neoliberal. Com os trabalhadores do campo e da cidade, a CUT, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo lutaremos contra o governo golpista e sua agenda de retrocesso de direitos e liberdades democráticas, redução dos salários, privatizações e criminalização das lutas sociais”.
O problema deste programa é que, além de esquecer o obvio, que Dilma vinha fazendo tudo isso que o PT propõe combater, em um giro de pelo menos 90o em sua política, é que ela “esquece” coisas óbvias como a reforma da Previdência, o PPE que reduz salários, a PLC 247, encaminhado por Dilma, que propõe reduzir salários de servidores, demitir servidores, congelar o salário mínimo e transforma a União em seguradora de todo comercio internacional, oferecendo seguro a todos os comerciantes (os grandes por suposto) em suas operações internacionais.
Em outras palavras, como se comportará a bancada do PT naquilo que foi o programa prático do PT nos últimos anos e que já foi encaminhado por Dilma? Votará a favor da CPMF que prejudica os trabalhadores? Votará a favor do PL 247? Votará a favor ou contra a Reforma da Previdência que vinha defendendo a tanto tempo?
Além disso, a resolução nada diz sobre outro ponto importante: o que fazer com a dívida? A proposta de fazer uma auditoria da dívida foi aprovada pelo congresso e vetada por Dilma! Surpresa! E agora? Toda a discussão do novo governo, toda a sua pirotecnia em que não consegue apresentar uma conta que bata os créditos com os débitos, mas anuncia aos 4 ventos que o déficit será de 100 bilhões de reais, de 150 bilhões de reais ou, finalmente, 170 bilhões de reais, o que é um cheque em branco para Temer fazer o que quiser.
Tudo isso para justificar o pagamento de juros da Dívida Pública federal que bateu R$ 2,81 trilhões em fevereiro de 2016, para justificar a “anistia” para os concessionários de aeroportos que deveriam pagar alguns bilhões para o governo este ano e que juram de pés juntos que estão falidos e pedem que seja anistiada esta dívida.
O “mercado”, mais realista que o rei, trabalha com um déficit entre 100 e 110 bilhões de reais, contando que Temer vá praticar medidas reais de arrocho. O problema é: quais medidas? Quanto tempo até estourarem as lutas e greves?
Esta é a questão que o PT não responde. Não há na resolução do PT uma única saudação aos estudantes que ocupam escolas, não há uma única saudação às greves de professores que começam a percorrer o pais. Totalmente submissa à sua lógica interna de defensor de um capitalismo mais humano, na qual a “luta de classes” viu-se reduzida a “disputa de projetos e programas” nas eleições, a direção do PT está provavelmente morta de medo com estas ocupações e mobilizações, que antes se dirigiam contra o seu governo e agora se dirigem contra o governo Temer.
Sim, o PT continua na linha de defesa da “democracia”, da democracia burguesa e procura envolver todos, particularmente o PSOL, na sua nova caminhada “oposicionista”. Mas, o povo que sai nas ruas quer muito mais que isso e por isso a Esquerda Marxista concentra sua agitação em denunciar este novo governo, este congresso corrupto e levantar a necessidade do povo estabelecer sua própria democracia:
- Fora Temer e o congresso nacional!
- Assembleia Popular Constituinte!
- Governo dos Trabalhadores!