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Terça, 29 Mai 2018 05:18 Última modificação em Segunda, 04 Junho 2018 18:39

A carroceria sobre as costas: o perfil social dos caminhoneiros

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País: Brasil / Resenhas / Fonte: PCB

[Golbery Lessa*] De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), há 2,7 milhões de caminhões no Brasil. Os caminhoneiros autônomos são proprietários de cerca de 70% desses veículos, e os 30% restantes estão no patrimônio das empresas de logística e das firmas de outros setores. Nas transportadoras trabalham 360 mil motoristas de carga (fonte: Caged) e os autônomos são 1,8 milhão de indivíduos. Portanto, a maioria dos caminhoneiros não é composta de assalariados. Esse fato aproxima em alguma medida as reivindicações dos autônomos das reivindicações das empresas do setor. Contudo, isso não significa que exista uma identidade fundamental de interesses entre os dois polos e menos ainda que os caminhoneiros sejam sempre manipulados pelos empresários, apesar de ambos agirem em alianças pontuais por diversas razões.

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Em 2016, segundo uma pesquisa sobre as condições de trabalho dos caminhoneiros contratada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), cada caminhão no país tinha em média 13,9 anos de uso: os veículos dos autônomos tinham 16,9 anos e aqueles das transportadoras apenas 7,5 anos. Os primeiros são obrigados a usar seus veículos para além do tempo máximo recomendável e isso implica piores condições de trabalho e menor produtividade. Entre os autônomos, 62% pagaram empréstimos durante 5 anos para comprarem seu principal meio de trabalho. A renda líquida média desses trabalhadores era de 4.100 mil reais, a jornada de trabalho era de 11 horas, no estilo da Revolução Industrial na Inglaterra, e eles possuíam em média 3 dependentes. A média de idade era de 45,7 anos, apenas 32,6% tinham completado o ensino médio e só 1,2% havia concluído o curso superior. Geograficamente, a frota estava concentrada nos estados de Minas, SP, Paraná e Rio Grande do Sul.

Os motoristas de carga assalariados tinham, em 2014, segundo o Caged, uma renda média de 1.800 reais, mas aqueles contratados pelas transportadoras e não por firmas de outros setores possuíam, em 2016, renda média (3.800 reais) e condições de trabalho parecidas com aquelas dos autônomos, o que se explica pelas especificidades das jornadas nas empresas especializadas em transporte. Entretanto, a proximidade do tipo de jornada e do nível de renda dos autônomos e assalariados não elimina as profundas diferenças objetivas entre os dois regimes laborais e as especificidades das psicologias derivadas deles. Os primeiros não possuem uma renda fixa e segura, como possuem os assalariados; precisam fazer um cálculo econômico análogo ao de uma pequena empresa, focado no preço dos insumos, no amortecimento rápido do capital, nas taxas de juros, nos pedágios e nos impostos. Os segundos possuem uma psicologia operária, focada na manutenção do poder de compra do salário, na solidariedade com os outros trabalhadores da mesma empresa e na conquista das melhores condições laborais possíveis.

O caminhoneiro autônomo é um empresário sui generis, pois não manda em ninguém, é patrão e capataz de si mesmo em benefício de bancos e distribuidoras de combustível. Vive sob excessiva e estressante carga de trabalho diária sem a alegria do convívio familiar, situação que lhe acarreta doenças laborais e falta de tempo para se instruir e fazer exercícios físicos. Ele tem consciência dos preconceitos a partir dos quais sua forma de vida é vista pelas outras pessoas, o que provoca impacto negativo na sua autoestima. Na citada pesquisa da CNI, os caminhoneiros afirmaram saber que são percebidos a partir das seguintes características: irresponsabilidade, imprudência no trânsito, uso de drogas e baixa escolaridade.

O preço do diesel é decisivo para o seu equilíbrio financeiro, sendo o foco de suas reivindicações econômicas. A remuneração do frete também é essencial, mas não oscila tanto quanto o preço do combustível e depende menos do Estado. Isso explica por que esses caminhoneiros se insurgem principalmente contra os aumentos do preço do diesel e miram no governo e no Congresso Nacional, mesmo não denunciando o problema da baixa remuneração dos fretes.

O fenômeno da terceirização de parte do processo produtivo das empresas e a metodologia do “estoque zero” ampliaram o papel estratégico do transporte rodoviário, aumentando o peso dos trabalhadores do setor de transporte terrestre de cargas no funcionamento da economia. Mas a dispersão objetiva das relações econômicas nas quais estão inseridos os autônomos os transforma em quase dois milhões de “empreendedores” convivendo lado a lado, mas com dificuldade de se unificarem em um coletivo coeso por lhes faltarem a alavanca unificadora da oposição a um mesmo setor patronal. Isso parece explicar a maior parte de suas dificuldades de efetivação de ações coletivas exitosas e de desenvolverem lideranças unificadoras. Essas dificuldades de coesão parecem estar sendo minimizadas pelos meios de comunicação digitais portáteis, como o celular com grupos de WhatsApp e de e-mail, mas sua persistência é estrutural e está na base da influência das empresas transportadoras em suas mobilizações, pois estas acabam funcionando como um Bonaparte influenciando as ações e a consciência de uma categoria estruturalmente fragmentada, um problema que poderia ser minimizado com uma maior aproximação entre os autônomos e os caminhoneiros assalariados, os quais têm potencialidade sociológica de funcionarem como vanguarda sindical e política da categoria como um todo.

*Secretário Nacional de Agitação e Propaganda de PCB

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