Em 2016, segundo uma pesquisa sobre as condições de trabalho dos caminhoneiros contratada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), cada caminhão no país tinha em média 13,9 anos de uso: os veículos dos autônomos tinham 16,9 anos e aqueles das transportadoras apenas 7,5 anos. Os primeiros são obrigados a usar seus veículos para além do tempo máximo recomendável e isso implica piores condições de trabalho e menor produtividade. Entre os autônomos, 62% pagaram empréstimos durante 5 anos para comprarem seu principal meio de trabalho. A renda líquida média desses trabalhadores era de 4.100 mil reais, a jornada de trabalho era de 11 horas, no estilo da Revolução Industrial na Inglaterra, e eles possuíam em média 3 dependentes. A média de idade era de 45,7 anos, apenas 32,6% tinham completado o ensino médio e só 1,2% havia concluído o curso superior. Geograficamente, a frota estava concentrada nos estados de Minas, SP, Paraná e Rio Grande do Sul.
Os motoristas de carga assalariados tinham, em 2014, segundo o Caged, uma renda média de 1.800 reais, mas aqueles contratados pelas transportadoras e não por firmas de outros setores possuíam, em 2016, renda média (3.800 reais) e condições de trabalho parecidas com aquelas dos autônomos, o que se explica pelas especificidades das jornadas nas empresas especializadas em transporte. Entretanto, a proximidade do tipo de jornada e do nível de renda dos autônomos e assalariados não elimina as profundas diferenças objetivas entre os dois regimes laborais e as especificidades das psicologias derivadas deles. Os primeiros não possuem uma renda fixa e segura, como possuem os assalariados; precisam fazer um cálculo econômico análogo ao de uma pequena empresa, focado no preço dos insumos, no amortecimento rápido do capital, nas taxas de juros, nos pedágios e nos impostos. Os segundos possuem uma psicologia operária, focada na manutenção do poder de compra do salário, na solidariedade com os outros trabalhadores da mesma empresa e na conquista das melhores condições laborais possíveis.
O caminhoneiro autônomo é um empresário sui generis, pois não manda em ninguém, é patrão e capataz de si mesmo em benefício de bancos e distribuidoras de combustível. Vive sob excessiva e estressante carga de trabalho diária sem a alegria do convívio familiar, situação que lhe acarreta doenças laborais e falta de tempo para se instruir e fazer exercícios físicos. Ele tem consciência dos preconceitos a partir dos quais sua forma de vida é vista pelas outras pessoas, o que provoca impacto negativo na sua autoestima. Na citada pesquisa da CNI, os caminhoneiros afirmaram saber que são percebidos a partir das seguintes características: irresponsabilidade, imprudência no trânsito, uso de drogas e baixa escolaridade.
O preço do diesel é decisivo para o seu equilíbrio financeiro, sendo o foco de suas reivindicações econômicas. A remuneração do frete também é essencial, mas não oscila tanto quanto o preço do combustível e depende menos do Estado. Isso explica por que esses caminhoneiros se insurgem principalmente contra os aumentos do preço do diesel e miram no governo e no Congresso Nacional, mesmo não denunciando o problema da baixa remuneração dos fretes.
O fenômeno da terceirização de parte do processo produtivo das empresas e a metodologia do “estoque zero” ampliaram o papel estratégico do transporte rodoviário, aumentando o peso dos trabalhadores do setor de transporte terrestre de cargas no funcionamento da economia. Mas a dispersão objetiva das relações econômicas nas quais estão inseridos os autônomos os transforma em quase dois milhões de “empreendedores” convivendo lado a lado, mas com dificuldade de se unificarem em um coletivo coeso por lhes faltarem a alavanca unificadora da oposição a um mesmo setor patronal. Isso parece explicar a maior parte de suas dificuldades de efetivação de ações coletivas exitosas e de desenvolverem lideranças unificadoras. Essas dificuldades de coesão parecem estar sendo minimizadas pelos meios de comunicação digitais portáteis, como o celular com grupos de WhatsApp e de e-mail, mas sua persistência é estrutural e está na base da influência das empresas transportadoras em suas mobilizações, pois estas acabam funcionando como um Bonaparte influenciando as ações e a consciência de uma categoria estruturalmente fragmentada, um problema que poderia ser minimizado com uma maior aproximação entre os autônomos e os caminhoneiros assalariados, os quais têm potencialidade sociológica de funcionarem como vanguarda sindical e política da categoria como um todo.
*Secretário Nacional de Agitação e Propaganda de PCB