A Proclamação da República no Brasil segue em uma linha de evolução iniciada com a “Independência” (1824) conduzida pelas classes dominantes do país. Consequência das revoltas sociais e políticas durante o “Império”, das novas necessidades da Revolução Industrial que se desenvolvia na Europa e o reordenamento das oligarquias no país logo após o fim da Guerra contra o Paraguai. Não se tratou de um corte histórico na sociedade, nem um ato heroico de um indivíduo tal como o representado pela arte oficial em que o Marechal Deodoro da Fonseca aparece glamoroso montado em seu corcel erguendo seu quepe triunfante como figura central do episódio, tampouco representou a vontade popular e os novos ideais de liberdade. A vida, após a Proclamação da República, como ela era no Império segue a mesma: exploração, elitismo e selvageria repressiva antipopular... agora acrescida com o trabalho assalariado dos imigrantes europeus que viria por substituir a mão de obra escrava.
DECISÃO CONTRA A VONTADE DE DEODORO!
Adoentado, acometido de forte dispneia (enfermidade contraída durante a Guerra do Paraguai), o Marechal Deodoro foi retirado da cama pela madrugada e instigado a agir dada a enorme crise por que passava o governo de D. Pedro II. Este último, o “velhinho” passava os dias prostrado e recolhido na sua residência em Petrópolis (72 quilômetros da capital Rio de Janeiro). Foi necessário que os republicanos, atônitos com a morbidez dos militares, espalhassem o boato de que o imperador iria prender as lideranças do partido para que Deodoro colocasse algumas tropas nas ruas e no dia 15 se deslocassem para o centro do Rio de Janeiro a fim de deporem os ministros de D. Pedro II. O “herói da proclamação” fazia parte do staff de confiança do imperador, relutou em participar do “putsch” até poucos dias antes. Nem mesmo o imenso prestígio do Exército após o genocídio que foi a Guerra contra o Paraguai (1864-1870) animava o claudicante marechal!
Fora praticamente carregado à força por seus companheiros para ordenar que suas tropas se dirigissem ao centro do Rio de Janeiro. O republicano José do Patrocínio foi quem leu na Câmara dos Vereadores o ato solene da “Proclamação da República”, enquanto isso o Marechal Deodoro redigia a carta, com imensa tristeza, a seu amigo íntimo D. Pedro II informando-lhe acerca de seu banimento.
Tal era a fraqueza e ignomínia dos monarquistas que não impuseram qualquer resistência perante os conspiradores, mesmo porque o regime agonizava politicamente.
MONARQUIA ENFADADA E SEM RUMO, MAS AS MOSCAS CONTINUAM A SOBREVOAR...
Imersa na crise da economia cafeeira (alta da inflação, superprodução de café, desemprego massivo – ex-escravos que não eram incorporados à produção), a monarquia se mostrava incapaz de dar uma resposta a contento da classe oligárquica brasileira e às novas necessidades do mercado e a divisão internacional do trabalho. As demandas dos grandes fazendeiros, após a “abolição da escravatura” não estavam sendo atendidas pelo império. A Guerra contra o Paraguai possibilitou que os militares travassem conhecimento com outras nações da América Latina não-monárquicas, o Brasil era único país com esse regime anacrônico na região! O “ideal” republicano vinha a calhar para as elites paulistas e mineiras que as colocavam no lado oposto da concentração de poderes monárquicos, passando a reivindicar um determinado nível de autonomia. Além do mais, a guerra afundou o Brasil em dívidas, principalmente com a Inglaterra. A oligarquia cafeicultora responsabilizara a monarquia pela abolição da escravatura que não a indenizou pela “perda dos escravos”, exigia outra mão de obra, a dos imigrantes.
Com a crise por que passava o Império, os militares viram seu prestígio desmoronar aos poucos. A insatisfação nos quarteis aumentava gradativamente, ao mesmo em tempo que a aristocracia também se levantava contra a monarquia. Por volta de 1886 o descontentamento militar chegava aos jornais e ganhava as ruas. Um ano depois foi fundado o Clube Militar, atuando como órgão político e porta-voz da categoria, para cuja liderança fora eleito o Marechal Deodoro da Fonseca.
Deodoro, fiel amigo de D. Pedro II preservou-o até o fim: tomou como alvo a filha dele e herdeira do trono, a Princesa Isabel como símbolo de decadência do regime! Na sua torpe visão conservadora, era incapaz de imaginar uma mulher encabeçando o governo, algo deplorável na época! Não bastasse a concepção machista, o marido da princesa era uma pessoa repugnante e asquerosa, o Conde D’Eu, cruel e impávido responsável pelo genocídio da população paraguaia (ao lado do Duque de Caxias) no final do conflito. A conspiração pela queda da monarquia passava por este caminho.
Ciente disto, a última cartada do Império foi uma reforma ministerial em 1889, colocando na linha de frente Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto. Logo tratou de enfraquecer o poder dos militares, distribuindo as principais lideranças ao longo do extenso território nacional, transferindo-as a lugares afastados e promovendo novos grupos militares como a Polícia e a Guarda Nacional, a Guarda Cívica e a Guarda Negra, formada por antigos escravos. Politicamente o gabinete liberal-reformista propunha inovações: voto secreto; ampliação do colégio eleitoral; liberdade de culto e de ensino; autonomia provincial, distribuição democrática-relativa de terras aos ex-cativos. Tais atos foram o motivo pela qual os republicanos espalharam o boato de que o exército seria extinto e a oligarquia teria suas terras ameaçadas de serem tomadas, o que levou a muito contragosto o conservador Marechal Deodoro a depor o visconde de Ouro Preto. Prerrogativas essas aliadas ao fracasso eleitoral dos conservadores (banqueiros, comerciantes e fazendeiros). A onda abolicionista e reformista precisava ser contida... caso contrário a situação poderia se reverter em favor das classes exploradas como grande temor dos latifundiários.
PUTSCH PARA PRESERVAR O REGIME POLÍTICO ESCRAVISTA SOB FORMAS MODERNAS DE EXPLORAÇÃO
Para a aristocracia cafeeira era necessário mudar o regime político para manter sua dominação sem alterar significativamente o modo de produção colonial. “O Segundo Reinado arrancara sua força e estabilidade da defesa das necessidades da ordem negreira. O fim do escravismo dissolvia as condições que haviam sustentado o centralismo monárquico (...) Novas e mais complexas formas de relações de produção exigiam novas e mais complexas formas de dominação” (Mario Maestri, 15 de novembro de 1889: a contrarrevolução republicana).
O golpe de 15 de novembro de 1889 veio a por a termo os impulsos reformistas, quando a monarquia, sem qualquer base de sustentação caiu como um castelo de cartas, sem resistência. O Estado seria reorganizado sobre uma estrutura econômico-social agrária, exportadora e latifundiária, cimentada pela exploração do trabalho livre pondo em prática reivindicações da classe dominante de 70 anos atrás! Sob os auspícios da República os conservadores retornavam ao velho poder de classe, com uma Constituição promulgada e estabelecendo o estado de sítio como elemento repressivo. Nessas bases, o federalismo imposto tornou-se o instrumento jurídico que assegurava o controle regional das emergentes oligarquias.
Sem jamais ter se tornado uma verdadeira república, o que se pariu foi uma institucionalidade totalmente elitista, essencialmente conservadora e repressiva, sem qualquer participação popular. E antes de tudo, foi um regime de crise e instabilidade: Deodoro renunciou dois anos depois, dando lugar a posse de Floriano Peixoto. Foram anos de turbulência política. Em 1893 deflagrou-se a Revolta da Armada, quando a Marinha se opôs ao crescente aumento de poder do Exército, postulando a restauração da monarquia; no mesmo ano explode a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul cujas elites queixavam-se do excessivo controle sobre os estados; em 1896 eclode a Guerra de Canudos, onde os “republicanos” tomam o povo como bode-expiatório de seus fracassos massacrando-o como medida exemplar aos “sediciosos”; Revolta da Vacina em 1904; Revolta da Chibata em 1910; a Guerra do Contestado em 1911; a Revolta de Juazeiro (Ceará) em 1913; Levante do Forte de Copacabana em 1922.
Longe de ter sido um movimento majoritário, o republicanismo foi composto por uma pequena fração do Exército, nem mesmo a Marinha participara (era eminentemente monarquista). Muitos republicanos civis estiveram ausentes do golpe! Eram tão poucos, mas bastavam para acabar com a fraca monarquia que ipsis litteris morria de velha. O Império já não tinha quem o defendesse; não contava com a confiança das camadas dirigentes e emergentes politica e economicamente, caindo pelo desgaste intrínseco do próprio sistema. A acomodação política deu-se dentro do controle hegemônico dos fazendeiros do oeste paulista somada à descentralização e o vínculo aos interesses regionais. Como é de hábito, a “nova” ordenação conservadora não implicou mudanças ou reformas estruturais até meados de 1930. A superexploração dos trabalhadores agora assalariados, porém paupérrimos, a economia monocultural de exportação e o autoritarismo ladeado pelas forças repressivas davam o tom da “república oligárquica” muito distante do "sonho republicano" de um regime voltado para o bem comum da coisa pública!!
Massacre de Canudos, um exemplo de castigo a quem se rebelar!