«Uma característica importante – assinala Stonor – das ações empreendidas pela agência para mobilizar a cultura como arma da guerra fria era a sistemática organização de uma rede de ‘grupos’ privados e ‘amigos’, dentro de um oficioso consórcio. Tratava-se de uma coalizão de tipo empresarial de fundações filantrópicas, empresas e outras instituições e indivíduos que trabalhavam lado a lado com a CIA, como fachada e como via de financiamento de seus programas secretos na Europa ocidental».
A guerra cultural é aquela que promove o imperialismo cultural, especialmente os Estados Unidos como potência líder do sistema capitalista, pelo domínio humano no terreno afetivo e cognitivo, com a intenção de impor seus valores a determinados grupos e nações. É um conceito que, entendido como sistema, integra ou se relaciona com elementos de outros termos que foram de maior uso, como o de guerra política, guerra psicológica, guerra de quarta geração, smart power, golpe leve, guerra não convencional e subversão política ideológica.
Não é a arte e a literatura – embora a arte e a literatura sejam usadas como instrumentos ou como alvos da guerra cultural – o objetivo principal da estratégia de guerra cultural do imperialismo contra um país em especial. O terreno em que se desenvolve a guerra cultural é, sobretudo, o de modos de vidas, os comportamentos, as percepções sobre a realidade, os so-nhos, as expectativas, as preferências, as maneiras de entender a felicidade, os costumes e tudo aquilo que tem uma expressão na vida cotidiana das pessoas. Conseguir uma homogeneização ao estilo estadunidense nesta área, sempre esteve dentro das máximas aspirações da classe dominante nos Estados Unidos, especialmente, a partir de que sua elite compreendeu a diferença entre dominação e hegemonia e que esta última não podia ser garantida apenas através de instrumentos coercitivos, mas era imprescindível a manufatura do consenso.
A guerra cultural desenvolvida historicamente até nossos dias por Washington, não é uma vã elucubração, mas se sustenta em fatos concretos e verificados, operações abertas e encobertas das agências do governo dos EUA, declara-ções dos líderes dessa nação e documentos reitores de sua política externa, tanto no plano diplomático como militar.
Zbigniew Brzezinski, um dos principais ideólogos imperiais, que foi assessor para Assuntos de Segurança Nacional do ex-presidente Carter, em sua obra, O Grande Tabuleiro Mundial, expressava:
«A dominação cultural foi uma faceta infra-valorizada do poder global estadunidense. Pense-se o que se pense acerca de seus valores estéticos, a cultura de massas estadunidense exerce uma atração magnética, especialmente sobre a juventude do planeta. Pode que essa atração se derive da qualidade hedonista do estilo de vida que projeta, mas sua atração global é inegável. Os programas de televisão e os filmes estadunidenses representam aproximadamente as três quartas partes do mercado global. A música popular estadunidense é igualmente dominante, entretanto as novidades, os hábitos alimentares e, inclusive, as vestes estadunidenses são cada vez mais imitados em todo o mundo. A língua da Internet é o inglês e uma esmagadora proporção das conversações globais através de computadores se originam também nos Estados Unidos, o que influencia os conteúdos da conversação global».
Este é o mesmo Brzezinski que em 1979, em um memorando enviado a Carter, recomendava o seguinte curso de política a seguir com Cuba: «O diretor da Agência Internacional das Comunicações, em coordenação com o Departamento de Estado e o Conselho de Segurança Nacional, devem incrementar a influência da cultura estadunidense sobre o povo cubano, mediante a promoção de viagens culturais e permitindo a realização de coordenações para a distribuição de filmes estadunidenses na Ilha».
Não há muito tempo foi divulgado um documento de extraordinária importância para compreender as estratégias atuais do imperialismo estadunidense, na área da guerra cultural. Trata-se do Livro Branco do comando de operações especiais do Exército dos Estados Unidos, de março de 2015 sob o título: Apoio das Forças de Operações Especiais à Guer-ra Política.
O que expõe em essência este Livro Branco é que os Estados Unidos devem retomar a ideia de George F. Kennan – antigo especialista estadunidense no tema soviético e arquiteto da política de «contenção face ao comunismo», no Departamento de Estado –, acerca da necessidade de superar a limitante do conceito que estabelece uma diferença básica entre guerra e paz, em um ambiente internacional onde existe um «perpétuo ritmo de luta dentro e fora da guerra». Isto é, que a guerra é permanente, embora adote múltiplas facetas e não possa limitar-se ao uso dos recursos militares. De fato, o documento expressa que se pode fazer guerra sem tê-la declarado e inclusive fazer a guerra ao tempo que se declara a paz.
«A guerra política é uma estratégia apropriada para atingir os objetivos nacionais estadunidenses, mediante a redução da visibilidade no ambiente geopolítico internacional e sem comprometer uma grande quantidade de forças militares», destaca o documento desde suas primeiras páginas. «O objetivo final da Guerra Política – continua mais adiante – é ganhar a “Guerra de Ideias, que não é associada com as hostilidades”. A Guerra Política requer da cooperação dos serviços armados, diplomacia agressiva, guerra econômica e as agências subversivas na área, na promoção de tais políticas, medidas ou ações necessárias para irromper ou fabricar moral».
Este Livro Branco é apenas um entre muitos estudos e recomendações de doutrinas e estratégias militares elaboradas em Washington, que a cada dia designam um papel mais principal aos componentes culturais e ideológicos em suas estratégias hegemônicas.
A guerra cultural contra Cuba
A guerra cultural contra Cuba não começou em 17 de dezembro de 2014, pois desde o próprio triunfo revolucionário Cuba enfrentou tanto os impactos da onda colonizadora da indústria hegemônica global quanto projetos específicos de guerra cultural projetados, financiados e implementados pelo imperialismo estadunidense, suas agências e aliados internacionais, com o objetivo de subverter o socialismo cubano.
Sobre isso assinalou Ricardo Alarcón: «A agressão cultural contra Cuba (...) Não só existe ainda, mas não para de aumentar. Conserva uma dimensão encoberta, clandestina, dirigida pela CIA, mas, também, desde os inícios da última década do século passado, tem outra dimensão pública, descaradamente aberta. O caso cubano é, por estas razões, absolutamente único, excepcional».
«È também porque o que nos fazem na área cultural foi sempre parte integrante de um esquema agressivo mais amplo, que incluiu uma cruel e permanente guer-ra econômica e a agressão militar, o terrorismo e outros atos criminais, cujo propósito, (...) detalhado em uma infame lei ianque, é pôr fim à nossa independência».
Um componente fundamental da guerra cultural dos diversos governos dos Estados Unidos contra a Revolução Cubana, foi a guerra psicológica e midiática.
O livro Psywar on Cuba. The Declassified History of US Anti Castro Propaganda (Guerra Psicológica em Cuba. A História desclassificada da Propaganda Estadunidense Anti-Castro), de Jon Eliston, publicado em 1999, revela como Washington praticou contra Cuba, durante décadas, a agressão psicológica e propagandística e que ela incluía livros, jornais, charges, filmes, panfletos e programas de rádio e televisão.
Outra área predileta da guerra cultural foi a história. Manipula-se e tergiversa nosso passado, atacam-se os alicerces mais sensíveis e simbólicos, precisamente porque se pretende varrer com o exemplo da Revolução Cubana desde sua própria raiz.
Que são a Rádio e a TV Martí, estruturas criadas para a guerra cultural em seu sentido mais amplo contra o projeto revolucionário cubano?
Existe uma grande diferença entre a diplomacia pública que desenvolvem muitos países na arena internacional e as ações que historicamente praticaram os diversos governos estadunidenses. Por trás deste vocábulo «inofensivo», escondeu-se toda uma maquinaria de difusão de valores políticos e culturais dos Estados Unidos, que para nada leva em conta o respeito à soberania das nações e a diversidade cultural dos povos. Não se trata apenas de influência, mas de ingerência encoberta e aberta nos assuntos internos de outros estados.
À hora de avaliar os desafios que enfrentamos, às vezes, se adotam posições triunfalistas, de uma visão reducionista da cultura, entendida estritamente como arte e literatura. Claro que entre Cuba e os Estados Unidos existiram influências e confluências culturais durante mais de dois séculos, graças às quais ambos os povos nos enriquecemos espiritualmente, mas os desafios fundamentais se dão na área dos estilos de vida, na cultura política e nos hábitos sociais.
Perante essa realidade, não há melhor antídoto que o patriotismo, a cubanidade – não cubanidade castrada – o antiimperialismo, o anticolonialismo e que, junto ao fomento de referentes culturais sólidos, consigamos um sujeito crítico, de profunda formação humanista, capaz de discernir por si mesmo entre a avalancha de produtos culturais com os que interage, onde está o realmente valioso. Esse sujeito crítico só é possível forjá-lo desde as idades mais precoces, através do treino no debate e no confronto de ideias, com a participação ativa da família, a comunidade, a escola, a mídia e as organizações políticas e de massa. Com certeza, todas as ações que desenvolvamos na área cultural devem ser acompanhadas de fatos e realizações concretas, de fazer as coisas bem em todos os setores e que os resultados desse trabalho se manifestem na vida cotidiana de nosso povo.