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Diário Liberdade
Terça, 06 Junho 2017 09:54 Última modificação em Sábado, 10 Junho 2017 01:25

Sauditas e aliados árabes isolam o Qatar com uma mensagem para Teerã

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/ Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Vermelho

A Arábia Saudita e cinco dos seus aliados mais próximos cortaram as relações diplomáticas e encerraram as fronteiras com o Qatar justificando a decisão com as ligações e apoio a grupos terroristas e ao Irã, numa ação sem precedentes nos últimos anos de tensão entre os dois lados.

Entre as primeiras reações, as mensagens de apaziguamento e de apelo ao diálogo partiram do secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson e do Irã.


O Irã, através do porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiro, Bahram Qasemi, apelou a que os países envolvidos no conflito diplomático se sentem à mesa das negociações, argumentando que esta situação não ajuda a resolução da crise no Oriente Médio.

Arábia Saudita, Bahrein, Egito, Iémen, Emirados Árabes Unidos e a Líbia cortaram as relações diplomáticas com o Qatar, apresentando uma série de medidas e de justificações autónomas mas aparentemente concertadas. Em comunicado, Riad acusou o Governo de Doha de “apoiar grupos de terroristas com apoio iraniano”, tais como a Irmandade Muçulmana, o Estado Islâmico, a Al-Qaeda e outros com ligações a Teerã. O Bahrein justificou a decisão pelo fato de o Qatar “minar a segurança e estabilidade” do país e de “interferir nos seus assuntos internos”, cita a agência de notícias nacional. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto acusou o pequeno emirado com 2,7 milhões de habitantes de ter uma “abordagem antagónica” contra si e que todas as medidas para impedir o seu “apoio a grupos terroristas falharam”.

O Qatar diz que as medidas são injustificadas e baseadas em mentiras: “O Estado do Qatar tem sido sujeito a uma campanha de mentiras que chegou a um ponto da fabricação completa”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros em comunicado.

Desta forma, os Emirados Árabes Unidos ordenaram a retirada dos diplomatas do Qatar em 48 horas; as ligações aéreas, terrestres e marítimas foram cortadas e as tropas qataris que faziam parte da coligação militar liderada pelos sauditas no Iémen foram expulsas.

Em sentido contrário, o Qatar, através da sua embaixada em Abu Dhabi, pediu os seus cidadãos nos Emirados Árabes Unidos que regressem num prazo de 14 dias.

O fator Trump

As tensões no Golfo Pérsico escalaram depois de, no final do mês de maio, terem surgido na agência de notícias estatal do Qatar declarações do emir Tamim bin Hamad al-Thani onde este elogiava o Irão e criticava a Arábia Saudita e EUA — apenas dias depois de Donald Trump ter participado na cimeira árabe em Riad, onde pediu empenho no combate ao terrorismo e deixou duras críticas ao Irã. 

As declarações atribuídas a Tamim levaram ao bloqueio em vários países da Al Jazeera e outros meios de comunicação sediados no Qatar. Na imprensa saudita surgiram artigos a acusar o Qatar de ameaçar a estabilidade regional e a exigir que o país optasse entre a sua aliança ao Irã ou ao Conselho de Cooperação do Golfo. No fim-de-semana, as críticas regionais a Tamim cresceram depois de este ter falado ao telefone com o Presidente iraniano, Hassan Rouhani — desafiando Salman, segundo a imprensa saudita.

Doha negou que o emir tivesse proferido aquelas palavras, mas estava aberta a porta para as sanções diplomáticas.

As medidas contra o Qatar podem ser explicadas, em parte, pela guerra silenciosa que se trava entre a Arábia Saudita, de maioria sunita, e o Irã, de maioria xiita, arqui-rivais na luta pelo poder religioso, político e econômico no Oriente Médio.

Um dos aspectos que está na base do conflito entre Riad e Teerã é a divisão entre os dois principais ramos do Islã, cuja origem remonta às origens desta religião.

Em alguns dos atuais confrontos armados do Oriente Médio há sauditas e iranianos em lados opostos. São os casos da Síria, Iraque ou Iémen.

Mas o que é que o Qatar tem a ver com tudo isto? Há dois aspectos que servem de justificação para este pacote de sanções: acusações de apoio a grupos terroristas, e através deles, de uma política de ingerência em países da região, e o consequente reforço do Irã na esfera de influência regional. A mensagem é clara: aproveitando a porta aberta por Trump em Riad, foi declarado que o apoio ao Irã deixou de ser tolerado.

As pressões dos países do Golfo Pérsico sobre o Qatar não são novas. Em 2014, a maioria destes países, menos o Iémen, tinham retirado os seus diplomatas do Qatar. Os argumentos apresentados também não são novos — exceptuando o de Riad que acusa Doha de apoiar os rebeldes xiitas houthis no Iémen, apesar de o Qatar ter integrado a coligação militar liderada pelos sauditas. Em 2014, o Qatar foi acusado de apoiar a Irmandade Muçulmana que subia ao poder no Egito. Pouco tempo depois, foi a vez de a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos financiarem o golpe de Estado militar que derrubou o Governo da Irmandade e do Presidente Morsi.

Mas o encerramento das fronteiras tornam as sanções agora aplicadas numa forte pressão.

Se o Qatar ceder à pressão e alterar as suas relações com Teerã, o Irã pode ficar sem um importante e influente aliado na região.

Resta saber até onde irá a resistência do Qatar à Arábia Saudita e aliados, num Oriente Médio onde, à boleia de Trump, o equilíbrio de poderes pode estar a mudar.

Como começou a crise

O sinal de que a tensão no Golfo Pérsico estava a reemergir surgiu no fim de maio com um ataque concertado nos meios de comunicação social sauditas que acusavam o Qatar de ser uma ameaça à unidade, estabilidade e segurança no Golfo Pérsico. Isto depois de a agência de notícias do Qatar ter atribuído ao emir Tamim bin Hamad Al Thani citações dizendo que o Qatar tinha uma relação tensa com a Administração Trump, que o Hamas era “o representante legítimo do povo palestino” e que Irã era “a grande potência estabilizadora da região.” O Governo de Doha diria depois que as frases eram falsas.

Porquê agora?

No final de maio, o Presidente dos EUA, Donald Trump, esteve em Riad, na cimeira dos líderes do mundo árabe, onde apelou à luta contra o terrorismo e diabolizou o Irã e a sua influência regional. Escreve a analista Kristian Coates Ulrichsen, do departamento de Oriente Médio do Baker Institute for Public Policy da Universidade de Rice, no Washington Post: “A ferocidade e a escala dos artigos a criticarem o Qatar na imprensa saudita sugeriam que estava a decorrer uma campanha orquestrada para descredibilizar Doha a nível regional mas também — de forma crucial — aos olhos da Administração Trump. (...) Aparentemente, uma convergência de fatores terá alterado o panorama geopolítico no Golfo Pérsico. A Administração Trump indicou que pretende seguir um conjunto de políticas regionais que estão muito mais alinhadas com as de Abu Dhabi e de Riad do que com as de Doha. A Administração Obama procurou reforçar as relações dos Estados Unidos com o Conselho de Cooperação do Golfo como um bloco, mas, em vez disso, Trump concentrou-se na Arábia Saudita e nos Emirados Árabres Unidos como os dois pilares da sua abordagem à região. Além disso, a inexperiência política de muitos membros do círculo restrito de Trump representa uma oportunidade para os sauditas e os Emirados influenciarem as ideias da Administração relativamente a assuntos regionais cruciais, como o Irã e o islamismo”.

É também mais uma disputa entre sunitas se xiitas?

Parte do problema está de fato aqui. A República Islâmica do Irã, xiita, e a sunita Arábia Saudita são rivais regionais e estão em lados opostos nos conflitos da Síria e do Iraque e não só. Os sauditas acusam o Qatar de apoiar “grupos terroristas sustentados pelo Irã” que operam na parte oriental do reino e no Bahrain, e criticam o país por apoiar “grupos terroristas na região”, como a Irmandade Muçulmana, o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Ainda assim, o Qatar tem sido considerado um aliado por parte de Washington, que neste país tem o seu comando para o Oriente Médio (o CENTCOM), com dez mil homens no terreno.

O que querem a Arábia Saudita e aliados?

“O que é interessante desta vez é o timing e o nível de pressão sem precedentes”, disse à Bloomberg Mehran Kamrava, do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Georgetown no Qatar, referindo-se à visita de Trump à Arábia Saudita. “Há a sugestão de que a Arábia Saudita e os EAU querem a total submissão do Qatar”, correndo-se o risco de uma maior destabilização regional se o país resistir a esta pressão. “Os dirigentes políticos em Riad e Abu Dhabi podem estar na expectativa de pressionar a liderança de Doha a fazer concessões ou, então, estão à espera para ver se membros da Administração Trump ‘mordem a isca’, sem terem que recorrer a sanções ou ameaças oficiais [perante os apoios do Qatar à Irmandade Muçulmana e ao Irã]. Ninguém sabe em que posição isto vai deixar o Conselho de Cooperação do Golfo enquanto entidade na era Trump”, considerou também a analista do Post.

Esta crise tem antecedentes?

Sim. Em 2014, a Arábia Saudita, o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos retiraram temporariamente os seus embaixadores do Qatar devido ao apoio do Qatar à Irmandade Muçulmana no Egito; os sauditas e os Emirados apoiaram o golpe militar que a retirou do poder.

Analistas citados pela Bloomberg dizem que os sauditas e aliados querem mostrar ao Qatar — país de 2,6 milhões de habitantes que é o maior exportador de gás natural líquido e tem o rendimento per capita mais elevado do mundo, 129 mil dólares por ano — que está a querer ir longe de mais na sua pretensão de ter mais peso regional. O Qatar pretende tornar-se um mediador regional, mas a sua imagem ficou debilitada durante as chamadas Primaveras Árabes, quando apoiou grupos que pediam mudanças em países do Oriente Médio Oriente, ainda que nenhum deles no Golfo Pérsico.

 

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