Há quase um mês, como já comentei, alta fonte no Oriente Médio, próxima da Casa de Saud disse-me: "A CIA está muito insatisfeita com a demissão do [ex-príncipe coroado] Mohammad bin Nayef. Mohammad bin Salman é visto como patrocinador de terroristas. Em abril de 2014 todas as famílias reais dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita estiveram à beira de serem derrubadas pelos EUA, por causa do terrorismo. Fez-se então um acordo, pelo qual Nayef assumiria o Reino, para pôr fim ao terrorismo."
A fonte também falou de uma narrativa insistente, que circula em seletos círculos geopolíticos no Oriente Médio, segundo a qual a inteligência norte-americana havia contido "indiretamente" outro golpe contra o jovem emir do Qatar, Xeique Tamim al-Thani, orquestrado por Mohammed bin Zayed, Príncipe Coroado de Abu Dhabi, com ajuda do exército de mercenários da Blackwater/Academi de Eric Prince nos Emirados Árabes Unidos. Zayed, por falar dele, é o mentor de MBS.
Mas em vez de golpe em Doha, o que realmente aconteceu foi golpe em Riad. Segundo a fonte, "os eventos estão conectados. Prince é CIA, mas provavelmente conteve qualquer atentado contra o Qatar. A CIA bloqueou o golpe no Qatar e os sauditas reagiram derrubando o eleito da CIA, Mohammed bin Nayef, que deveria ser o próximo rei. Os sauditas estão assustados. A monarquia está em dificuldades, porque a CIA pode pôr o exército na Arábia contra o rei. MBS fez um movimento defensivo."
Agora, quase um mês depois, vem a confirmação do golpe branco/mudança de regime em Riad, estampada na primeira página do The New York Times, atribuída principalmente aos proverbiais "atuais e ex-funcionários dos EUA".
Trata-se, essencialmente, de mensagem em código dirigida ao estado profundo nos EUA, e confirma o quanto a CIA está extremamente incomodada pela derrubada de Nayef, parceiro no qual EUA confiavam e ex-czar do contraterrorismo. A CIA, por sua vez, simplesmente não confia em MBS, arrogante, sem experiência, embriagado de húbris.
Príncipe Guerreiro MBS foi responsável por fazer guerra ao Iêmen, que não apenas matou milhares de civis mas, além disso, também gerou gigantesca e trágica crise humanitária e fome generalizada. Como se não bastasse, MBS foi também o arquiteto do bloqueio contra o Qatar, seguido pelos Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito, e hoje já totalmente desacreditado, depois que Doha recusou-se a ceder às desatinadas "demandas" cozinhadas, em essência, em Riad e Abu Dhabi.
Nayef, crucialmente importante, opôs-se ao bloqueio contra o Qatar.
Não surpreende que a Casa de Saud e os Emirados Árabes Unidos já estejam voltando atrás no Qatar, nem tanto por pressões aplicadas recentemente pelo secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson em campo, mas, sobretudo, por causa do jogo de sombras: o estado-profundo nos EUA está garantindo que seus interesses no Golfo – a começar pela base de Al-Udeid no Qatar – não sejam misturados naquela confusão.
'Jogador' temerário
MBS, embora tratado com luvinhas infantis de veludo em toda a Av. Beltway, por causa do velho meme "Arábia Saudita é nossa aliada", é, para todos os efeitos práticos, o homem mais perigoso de todo o Oriente Médio.
Exatamente o que já se lia no famoso memo da inteligência alemã (BND): O jovem "jogador" vem para causar muitos problemas. Círculos financeiros na União Europeia estão absolutamente apavorados ante a possibilidade de que os jogos geopolíticos de MBS acabem por jogar no lixo milhares de poupanças para aposentadorias.
Também muito importante, o memo da BND alemã detalhava o modo como a Casa de Saud na Síria, financiara a criação do Exército da Conquista – basicamente reedição da Frente al-Nusra, também chamada al-Qaeda na Síria – e de grupos gêmeos de Ahrar al-Sham.
Trata-se, em resumo, de a Casa de Saud promover, apoiar e armar o terrorismo salafista-jihadista. E isso, vindo de um regime que, depois de seduzir o presidente Donald Trump dos EUA para que participasse de uma embaraçosa dança de espadas, sentiu-se livre para acusar o Qatar de ser nação terrorista.
O bloqueio por MBS contra o Qatar nada tem a ver com silenciar a rede al-Jazeera; tem a ver, sim, com a derrota dos sauditas na Síria, e com o fato de que Doha abandonou a causa perdida de "Assad tem de sair", para aliar-se com Teerã para vender gás natural liquefeito para a Europa, a partir do campo de gás gigante Dome Norte/Pars Sul, que os dois países partilham.
MBS – assim como seu pai, doente – não apareceram na cúpula do G-20 em Hamburgo; a presença do Qatar seria embaraçosa demais, considerando por exemplo a posição de Doha como poderoso investidor tanto na França como no Reino Unido. Mesmo assim, todos os olhos estão sobre ele: MBS prometeu turbinar o confronto doentio entre sunitas e xiitas, levando a guerra "para dentro do Irã".
E adiante há a questão de como MBS enfrentará a abertura de capital da Aramco, ameaçada de mil perigos por todos os lados.
Não acabará antes que cante a dama gorda (metida na abaya).