“revolução árabe” somatizados em seus delíriosdas quentes noites de verão. Pungentes são os efeitos das centenas de milharesde bombas da OTAN sobre a Líbia em 2011 e as imensas chagas sobre a população. Devastadoo país, o coronel Kadhaffi foi assassinado com requintes de crueldade e sadismopor mercenários a soldo da CIA e Mossad, comandados diretamente do Pentágono ea Casa Branca. Hillary Clinton comemorou em plena epifania esse “prêmio”, ocorpo jazido ao chão do líder líbio... A quinta-coluna dos Clinton, e eversivada esquerda, também aplaudiu orgasticamente o suplício do povo líbio aqui noBrasil: “a Primavera Árabe arrasta mais um ditador e abre a perspectiva do povolíbio desenvolver sua aspiração por um futuro livre de dominação. Esta açãotambém dará um novo impulso à revolução em toda região...”1.
Restou o arraso das bombas, o pó, corpos emiséria. Quase sete anos do fim deKadhaffi a guerra civil é a marca indelével do país, cuja economia não maisexiste enquanto nação produtora. Vige uma terra sem lei, dominada por guerras fratricidas e por gangues sanguinárias. No lumiar desse caos absoluto, ressurgeo tráfico de escravos em escala nunca antes vista. O status quo escravagista fora-lheimposto a ferro e fogo pela ação militar e política das grandes potênciascapitalistas, com os Estados Unidos à cabeça.
AS CATURRAS DA VOLTA AO UM PASSADO NEFASTO
"Mercadorias" descartáveis, retrocesso das forças produtivas |
A criminosa operação militar adjunta de 43 países organizadapela OTAN sob o comando do então presidente Obama, aniquilou completamente asconquistas materiais e sociais adquiridas no período da em que foi instaurada a“jamahiriya”2, as quais conduziram aLíbia para o topo dos países mais desenvolvidos do mundo árabe. Nas décadas de70 e 80 do século passado o país possuía a menor dívida externa do mundo! Aspalavras de Mario Maestri resumem bem o que fora a Líbia antes de suaaniquilação: “Por décadas, ao contráriodo que ocorria com tunisianos, argelinos, egípcios, etc. não se viu na Europaum líbio à procura de um trabalho que encontrava em seu país. Ao contrário, opaís terminou como destino de forte imigração de trabalhadores da África negrasubsaariana, atualmente maltratados, torturados, executados por membros das‘tropas revolucionárias’ arregimentadas pelo imperialismo...”3.
Não contentes em acabarem com a infraestrutura econômica(fontes de água potável, fontes energéticas, saneamento, hospitais, fábricasetc.), as grandes potências capitalistasdo mundo ocidental transformaram a antiga e próspera nação em um bantustãoatrasado onde a principal fonte “econômica” é o tráfico de escravos!
Contudo, havia outrora uma zona de passagem através daLíbia, porém sob controle e limitada. Na atualidade convertera-se em principalponto de partida de migrantes para a Europa que fogem da miséria e da fome nocontinente africano. São os alvos das gangues e bandidos que os sequestram,estupram as mulheres, escravizam, vendem-nos e, amiúde são mortos como animaisdoentes, cujos corpos são desovados no fundo do Mediterrâneo.
Migrantes capturados são dispostos no mercado de escravos,ao serem “comprados” são conduzidos a ferro para grandes fazendas de enclavesagroexportadores. As condições de vida eram ainda piores do que a daquelesescravos da época colonial das Américas, pois são considerados “mercadoriasdescartáveis” não exigindo nenhum investimento de capital – “eles aparecem, veme vão”... Não recebem alimentação suficiente; apenas para não definhar; vivemem locais insalubres rodeados de ratos e insetos repugnantes, com os quaissuprem sua “alimentação”. A “fonte de lucro” do proprietário passa pela venda aoutro “comprador”, antes que a “mercadoria” morra de inanição.
O Sul da Líbia tornou-se o reduto e vendeta de traficantes,milícias e grupos mafiosos, na cidade de Sabha, conhecida como “gueto de Ali”,um antigo presídio semiabandonado. Funciona assim: “sentávamos no chão e os líbios vinham nos escolher e nos comprar, comoquem escolhe manga num mercado de frutas. Depois discutiam o preço”4, afirma um ex-escravo. Segundo dados oficiaisda OIM (Organização Internacional da Migração)5há pelo menos 300 mil pessoas nessas condições e tende a se agravar, isto numpaís onde cada vilarejo ou cidade pertence a uma milícia diferente e rivaisentre si.
Ao Norte, a porta para a Europa, “os homens eram levadospara uma praça ou um estacionamento, onde o mercado de escravos era realizado.Os moradores, descritos por ele como árabes, compravam os migrantessubsaarianos”, declarou Livia Manante, oficial da OIM no Níger.
Tanta hecatombe ereverso social recebeu o júbilo dos aliados da Casa Branca que insistiram fervorosamentecom o aspecto “revolucionário” da queda do regime kadhafista. Disseram – eainda hoje insistem - que a morte de Kadhaffi “...enterra de vez o antigo regimeditatorial e abre novas perspectivas para as massas na Líbia. É um alentotambém para a Primavera Árabe e os povos que lutam contra seus ditadores e sãovítimas de repressão...”6. Maisignóbil e falsificadora da realidade é quem afirma que “a OTAN inteveio (sic) paraimpedir um legítimo triunfo das milicias (sic) populares”7. Só embusteiros e fariseus com semelhantequilate podem assumir esta postura vergonhosa e sua crença inabalável no “amanhecerdemocrático”...
ABERTURA SINE QUA NON DE UMA “ERA GLACIAL” AO INVÉS DE “PRIMAVERA”...
Migrantes subsaarianos como alvos dos escravagistas árabes |
Como vimos acompanhando o desenrolar do complexo tabuleiropolítico no Oriente Médio e Magreb, o resultado da mal chamada “primaveraárabe” demonstra o desastre e arbítrio desse conceito cunhado por ninguém menosque a madame Clinton. A maioria dos “levantes” provocou recrudescimento dosaparatos repressivos contra as massas nos cinco principais países. Síria, Líbiae Iêmen estão sendo despedaçados por sangrentas guerras civis; Egito e Bahreinestão sofrendo na pele as consequências de um regime autocrático militarizado,numa situação bem pior do que antes, em 2011. Com a exceção da Tunísia, todosos referidos “levantes” foram patrocinados pelas ultrarreacionárias monarquiasabsolutistas do Golfo Pérsico chanceladas pelo Pentágono, a CIA e o Mossad.
Em Benghazi, cidade mais rica e detentora de poços depetróleo, berço do movimento reacionário defensores da volta da monarquia,moradores foram expulsos de suas casas pelas milícias, sob o comando do agenteda CIA o general Khalifa Hifter8.Cidades líbias inteiras foram cercadas e entregues à própria sorte sem comida eágua, muitas das quais se tornaram cidades fantasmas.
O papel desta“primavera” foi desorganizar e destruir uma nação inteira, colocar o país sobum monte de escombros e cinzas, tudo para facilitar a pilhagem das riquezas.Ações mobiliárias do Tesouro Nacional, US$ 180 bilhões, foram saqueadas naEuropa e nos Estados Unidos, além de uma quantidade considerável em Ouro. Tudoroubado! Mas a morte de Kadhaffi, claro, foi o “alento” para colocar aLíbia na condição de uma “Somália do Mediterrâneo” e a custa de aproximadamente130 mil líbios mortos pelas bombas da OTAN!!!! Hoje, grupos salafistas ejihadistas controlam a maior parte dos territórios do país, sendo que nenhum sesobrepõe ao outro, além de conferir refúgio aos criminosos do Daesh.
TAPA NA CARA DOS ADEPTOS DA DEMOCRACIA COMO VALOR UNIVERSAL
Muito longe de uma pseudoesquerda tentar adequar a durarealidade a seus sonhos das noites estelares de verão, a qual, na verdade,navega por oceanos de falsificação histórica. Primeiro afirmavam os“trotskistas” da LIT e da UIT9que os “rebeldes” conduziam o processo revolucionáriocontra o “genocida sanguinário” Kadhaffi; depois, que a intervenção da OTAN foipara... “deter o processo revolucionário”. Éo cúmulo do charlatanismo político-programático das correntes que se reclamamdo campo operário. No entanto, não faltou cara de pau para desfraldar abandeira reacionária do movimento pró-volta da monarquia do Rei Idrís quando ogoverno nacional-burguês de Kadhaffi foi deposto pelas hostes imperiaisorganizadas e insufladas pelo monstro do Norte!
Um fato esquecido por todo mundo precisa ser levantado: osprimeiros ataques que culminaram com o assassinato de Kadhaffi foram ordenadosdesde o Palácio do Planalto, quando Obama visitava o Brasil10, numa clara ruptura de acordos diplomáticos,não questionado pela então presidenta Dilma. As hienas dão risada enquanto sefartam do banquete carnificínico ante suas presas indefesas...
Seis anos após a “revolução” capitaneada pelos “rebeldes”(da OTAN e da CIA), a Líbia está mergulhada num profundo caos, sua economiapraticamente não existe mais – exceto em Benghazi que está dominada porenclaves transnacionais do petróleo. O único mercado “em expansão” é o de sereshumanos como substrato da retração das forças produtivas. Triste e lamentável programaticamente o papel da esquerda trotskistadurante os ataques covardes da coalizão capitalista contra um pequeno país noNorte Africano rodeado por imensos desertos. Postura que decorre em defesa deuma luta in abstract por umademocracia (burguesa) contra “regimes autoritários”, encampando de vez o modus operandi do imperialismo ianquepara justificar intervenções políticas e/ou militares diretas em países não-alinhadoscom o american way life e o modoocidental de prover o consumo capitalista descartável.
Síria, Cuba e Venezuela encaixam-se neste entendimentocalamitoso... Significa, sem rodeios, acomodar-se à barbárie do modo deprodução onde o que tem o poder de decisão é o dinheiro e o vislumbre deacumulá-lo mais e mais a custa do sacrifício da maioria da população mundial.
Notas:
2 “Estado dasmassas”, fundado por Kadhaffi em 1977: “Jamahiriya Árabe Popular Socialista daLíbia”;
9 LigaInternacional dos Trabalhadores (LIT); Unidade Internacional dos Trabalhadores(UIT): ambas organizações adeptas das teses de Nahuel Moreno. Ambasorganizações são defensoras das “revoluções democráticas triunfantes”;