O referendo foi impulsionado pelo primeiro ministro britânico, David Cameron, depois das eleições de maio de 2015. A ala de extrema-direita do Partido Conservador tem se fortalecido e vários dos membros desertavam para o UKIP (Partido de Independência do Reino Unido), o partido da extrema direita. O objetivo era conter a sangria.
O primeiro-ministro David Cameron, que defendia a permanência na União Europeia, renunciou e anunciou que entregará o cargo no mês de outubro, na Convenção do Partido Conservador.
Um dos fatores mais importantes para avaliar o aprofundamento da crise política foi o assassinato da deputada do Partido Trabalhista, Jo Cox, que gerou uma comoção social a poucos dias do referendo. A polícia apontou para grupos da extrema direta, nacionalistas e anti-imigrantes. Apesar disso, o UKIP intensificou a campanha contra os imigrantes com alusões abertamente fascistoides.
O chamado Grupo de Bildelberg, que se reuniu há poucos dias e que reúne os representantes diretos das 150 famílias que dominam o mundo, tinha colocado como uma das três prioridades evitar,“a qualquer custo”, a vitória do SIM no chamado “Brexit”, a saída da Grã Bretanha da União Europeia.
RACHA NO PARTIDO CONSERVADOR
Em outubro, David Cameron deverá ser substituído por Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e líder da campanha pró-saída. A ala de extrema direita do Partido Conservador também está encabeçada por Michael Gove, o secretário de Justiça de Cameron e o “cérebro” por trás da campanha pela saída da UE. Se as facções resultantes do novo cenário político não conseguirem maioria suficiente para apontar o novo primeiro ministro, deverão ser convocadas novas eleições.
O Partido Trabalhista também deverá se desgastar com a derrota do SIM, o qual defendeu com força, apesar das vacilações iniciais de Jim Corbyn, o presidente esquerdista do Partido.
É evidente que a estabilidade política secular do regime britânico está com os dias contados. A crise capitalista tem avançado a passos largos na direção dos países mais desenvolvidos, a partir dos países mais impactados pela crise. A crise econômica tem provocado o aprofundamento da crise política. O bipartidarismo faz, cada vez mais, parte do passado. A pulverização do controle do governo, entre vários partidos políticos burgueses, dificulta o controle do regime pelo grande capital.
O UKIP saiu muito fortalecido. O cenário mais provável para novas eleições gerais seria a vitória do Partido Trabalhista sobre o Partido Conservador, repetindo o que aconteceu nas recentes eleições municipais de Londres, mais com a disparada nas votações do UKIP que passaria a deter representantes legislativos nacionais, no ultra controlado sistema político britânico.
O racha no regime político inglês se estende a toda a Grã Bretanha. O SIM venceu na Inglaterra, que representa mais de 80% dos votos totais. Mas o NÃO venceu de lavada na Escócia (62,2% a 37,8%) e na Irlanda do Norte (55,7% a 44,3%).
Os líderes do governo escocês já se apressaram a dizer que a convocação de um novo referendo, pela saída da Grã Bretanha, está colocado novamente.
O APROFUNDAMENTO DA CRISE CAPITALISTA NA GRÃ BRETANHA
A recessão industrial e a queda dos preços do petróleo, que é extraído do Mar do Norte, têm sido agravadas pelo crescente contágio do aprofundamento da crise capitalista na China e na Europa. A economia capitalista mundial se encontra engasgada na crise de superprodução. A indústria automotriz, que destina a metade da produção à Europa, continua reduzindo a produção e fechando postos de trabalho. Siderúrgicas fecham. Redes de supermercados vão à bancarrota. O endividamento, que é generalizado, alcançou níveis dramáticos. As dívidas das empresas, com vencimento no curto prazo, representam sete vezes e meia os ingressos das exportações; uma das maiores, em termos relativos, no mundo.
Segundo o HSBC, a libra esterlina deverá sofrer queda de até 20%, a inflação subirá para os 5% e o PIB deverá cair em 1,5%. Uma parte das empresas e bancos poderá migrar para o Continente, dependendo dos resultados dos acordos sobre a saída da UE.
A saída será negociada, de acordo com o Artigo 50 do Tratado da União Europeia, e poderá levar até dois anos, após a aprovação oficial da saída pelo Parlamento Britânico. Esse artigo data de dezembro de 2009, no auge da crise capitalista.
Hoje, 45% das exportações e 53% das importações britânicas têm como destino e origem a União Europeia.
A velocidade e profundidade dos novos acordos deverá aumentar as contradições no interior da União Europeia, principalmente entre a França e a Alemanha. Estes dois países mantêm contradições e interesses em comum com a Grã Bretanha, que se acentuarão conforme a crise continuar escalando e, com ela, a política do “salve-se quem puder”.
De acordo com os dados do Tesouro Britânico, a economia britânica deverá sofrer queda de 3% a 6% nos próximos dois anos. Segundo Christine Lagarde, a chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), está colocado a implosão das bolsas e dos preços no mercado imobiliário.
A metade das matrizes das empresas que atuam na União Europeia têm como sede a Grã Bretanha e, provavelmente, se mudariam para o Continente. Isso também poderia acontecer com bancos e investidores especulativos que hoje atuam a partir da Citi de Londres, que é um dos principais centros da especulação financeira mundial. Mas tudo dependerá das relações que conseguirão ser estabelecidas com a UE, ela mesma tendo entrado no olho do furação do aprofundamento da crise capitalista mundial.
Hoje, o modelo aplicado para a Noruega, permite que este país participe de várias das estruturas do Bloco, mas é obrigada a contribuir financeiramente sem decidir sobre as políticas adotadas. A Suíça se relaciona por meio de vários tratados bilaterais. A regulamentação da UE é seguida especificamente nos setores cobertos por esses tratados, que são complexos e levaram muitos anos para serem colocados em pé. Ainda há o modelo seguido nas relações comerciais com a Coreia do Sul, que data de 2009, e que levou a um tratado de livre comercio, na mesma linha que a União Europeia negocia com o Mercosul e com os Estados Unidos. O problema, neste caso, reside na tentativa de bloquear o acesso facilitado a setores chaves para o imperialismo inglês, em primeiro lugar, o sistema financeiro.
O impacto no sentido contrário também será importante. A Irlanda envia 14% das exportações para a Grã Bretanha. A Holanda e a Bélgica, 9%.
“IMIGRANTES” NO LUGAR DE “JUDEUS”?
O colapso capitalista de 2008, em cima da crise aberta pelas guerras do Afeganistão e do Iraque, levou à implosão do Oriente Médio que está na base da inundação da Europa com imigrantes.
Uma das bandeiras principais levantadas pela extrema direita é a questão dos imigrantes. Há mais de dois milhões de britânicos que vivem na União Europeia e três milhões de cidadãos membros da UE que vivem na Grã Bretanha. A isto se soma a queda crescente do crescimento demográfico.
A partir de 2004, entraram na UE oito países da Europa Oriental, o que elevou consideravelmente a onda de migrações sobre os países centrais que passaram a enfrentar o aumento da crise nos serviços públicos. Na Inglaterra e no País de Gales, o número de estrangeiros duplicou desde o início da década de 1990, para 13,4% do total da população. A extrema direita passou a colocar os ataques contra os imigrantes no centro da política, levantando que os imigrantes devem ser expulsos, pois levam o sistema da saúde e da educação ao colapso, provocam o rebaixamento dos salários, além de “roubarem” os empregos.
As pressões separatistas voltaram a escalar com impactos imediatos para toda a Europa, a começar pela Catalunha. As bandeiras contra a União Europeia e os imigrantes estão na linha de frente da extrema direita europeia. E basta substituir “imigrantes” e “muçulmanos” por “judeus” e “comunistas” para entender perfeitamente o verdadeiro objetivo desses partidos políticos e quem está por trás deles.
A vitória do Brexit alavancou a campanha de Donald Trump que tem levantado bandeiras chovinistas e xenofóbicas alinhadas com as da extrema direita europeia.
O IMPACTO DO “BREXIT” SOBRE A EUROPA
Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa foi estabilizada sobre a hegemonia do imperialismo norte-americano. Essa frente única imperialista apresenta rachaduras decorrentes do aprofundamento da crise. Com a saída da Grã Bretanha da União Europeia, a Alemanha e a França poderão aumentar a integração. Mas isso somente na teoria, pois os elementos “centrípetos”, contra a União Europeia, deverão crescer aceleradamente. Em ambos países, acontecerão eleições gerais no próximo ano. Na França, estão marcadas para o dia 23 de abril (primeiro turno). Com o enorme desgaste do PSF, o Partido Socialista do Presidente François Hollande, deverão passar para o segundo turno o Partido Republicanos, do ex primeiro ministro Nicolás Sarkozy, e a Frente Nacional, o partido de extrema direita liderado por Marine Le Pen. Os resultados do Brexit colocam a possibilidade da FN chegar ao poder ou de, no mínimo, influenciar fortemente as pautas políticas do próximo governo. Na Alemanha, estará colocado o fim do reinado de Angela Merkel e o fortalecimento da extrema direita agrupada no AfD (Alternativa para Alemanha).
As contradições tendem a aumentar entre a França e a Alemanha. A Grã Bretanha funcionava como pilar do equilíbrio entre ambos países. E ainda há os países da Europa Central e Oriental, onde a extrema direita tem avançado fortemente, particularmente na Polônia, o principal aliado (instrumento dos lucros) da Alemanha. Mas essa extrema direita era próxima ao Partido Conservador Britânico. E tende a se fortalecer ainda mais no novo cenário.
A extrema direita, ou os partidos que levantam as principais bandeiras da extrema direita, como o M5S na Itália, contra a União Europeia e os imigrantes, deverão crescer e fortalecer a mesma política que levou ao Brexit.
As negociações com os chamados PIIGS (referência à palavra em inglês, pigs, que em português significa porcos), Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, facilitará o repasse de recursos públicos para manter os lucros dos monopólios, em primeiro lugar dos alemães. Mas, ao mesmo tempo, a extrema direita tenderá a se fortalecer. Um processo similar tende a acontecer também nos países nórdicos.
Como a Grã Bretanha responde por 12% do orçamento da União Europeia, haverá cortes que ainda aumentarão por causa do impacto no comercio.
O APROFUNDAMENTO DA CRISE CAPITALISTA MUNDIAL
A locomotiva da economia mundial, a China, está engasgando. O endividamento generalizado somente tem se acentuado com as dezenas de bilhões que os bancos centrais repassam para os monopólios mensalmente por meio de vários mecanismos. O BCE e o Banco da Inglaterra (BoE) anunciaram que os repasses aumentarão ainda mais para conter a crise acelerada pelo Brexit. O mesmo sobre os demais bancos centrais da principais potências. O BoE fala em 250 bilhões de libras esterlinas. O BCE repassa 65 bilhões de euros mensais, que deverão ser aumentados. O Banco do Japão US$ 700 bilhões por ano. O problema é que essa política não conseguiu mais que dar algum fôlego a mais ao semi cadáver capitalista.
A Reserva Federal norte-americana teve que parar com os repasses mensais de US$ 90 bilhões, por meio da compra de títulos podres, por valores irrisórios, por causa da rápida queda nas taxas de lucro no trilionário mercado de títulos podres (high yields). É a dicotomia que coloca a burguesia imperialista entre a espada e parede. Se aumentar a taxa de juros, sobem os lucros dos títulos podres, mas aumenta o custo para os monopólios contraírem empréstimos, que hoje se encontra em percentuais que giram em torno a 0%.
Na realidade, os principais bancos em escala mundial estão em bancarrota. Isso inclui as divisões financeiras dos monopólios, que representam o principal componente dos lucros.
A redução da taxa de juros que o governo britânico acabou de anunciar não passa de mais do mesmo neoliberalismo falido que a burguesia tenta emplacar numa “nova onda neoliberal” por causa de não conseguir colocar em pé uma política alternativa.
O IMPACTO MUNDIAL DO “BREXIT”
A vitória do referendo foi apresentada pela maioria da imprensa burguesa mundial como um “banho de sangue”. A vitória da saída da União Europeia pegou a burguesia imperialista de calça curta. E não há Plano B.
A corrida dos especuladores financeiros para salvar os lucros acelerou. O preço do ouro aumentou . O valor das matérias primas agrícolas e de energia despencou.
A libra esterlina teve a menor cotização dos últimos 40 anos.
As bolsas europeias caíram até 10%. As bolsas asiáticas caíram até mais de 7%. As europeias até mais de 8%. As ações de grandes bancos britânicos, como o Barclays, o Lloyds e o Royal Bank of Scotland (RBS) chegaram a ter perdas próximas a 30%. O mercado de futuros de Wall Street caiu 4%, o mesmo percentual em que caiu o Ibovespa Futuro. O real perdeu 3% do valor em relação ao dólar. E vale lembrar que o Brasil perdeu o grau de investimento, o que implica no aumento das dificuldades para pagar as dívidas das grandes empresas, contraídas em dólar, das quais o estado brasileiro é o fiador.
As taxas de juros futuro aceleraram no Brasil e podem disparar.
O governo Temer, da mão do ministro das Relações Exteriores, José Serra, tem tentado acelerar a aproximação com a Europa e os Estados Unidos. Uma das prioridades seria o acordo de livre comercio entre o Mercosul e a União Europeia. Esse acordo pode ser implodido ou pelo menos adiado. Ainda há a questão do acordo de livre comercio entre os Estados Unidos e a União Europeia e a política da China, na OMC (Organização Mundial de Comercio), para que seja reconhecida como “economia de mercado”, o que facilitaria a entrada dos produtos chineses na Europa e em outros países. O comercio mundial entrou em queda livre.
O eventual fortalecimento de Frankfurt como centro de especulação financeira, em detrimento da Citi de Londres, enfrenta as contradições e a crise que tem atingido a especulação financeira. Uma maior queda do setor financeiro inglês, que representa o principal setor da economia local, aumentaria a recessão. Mas o fortalecimento do euro colocaria em xeque as exportações e aumentaria a deflação na Europa, puxada pela saturação dos mercados. A paralisia da economia obrigaria a aumentar as já obscenas emissões de moeda podre para salvar os lucros dos monopólios. Essa política conduz, inevitavelmente, à hiperinflação. O federalismo europeu não apresenta a integração dos países membros, principalmente a união fiscal, orçamental e a união do sistema financeiro.
O aprofundamento da crise na Inglaterra, na França, na Itália e na Espanha conduz ao aprofundamento da crise na Alemanha e no mundo. A crise na Alemanha tende a implodir a periferia da União Europeia.
A crise na Europa terá um impacto forte sobre a China e sobre os Estados Unidos. E a continuação sobre o mundo inteiro, incluindo a América Latina e o Brasil.
Todas as mágicas para salvar o capitalismo não estão resolvendo. E aumenta a política generalizada do “salve-se quem puder”.
Um novo colapso capitalista mundial, de gigantescas proporções, está colocado para o próximo período, e, cada vez mais, aparece de maneira mais claro no horizonte.
A LUTA DEVE SER CONTRA TODOS OS SETORES DO IMPERIALISMO
Uma parte da esquerda tem se colocado no campo do imperialismo, a favor da União Imperialista. Outros setores da esquerda levantaram a “saída pela esquerda da União Europeia” chegando a levantar o “Lexit” em referencia a uma saída pela “esquerda” (L de left, esquerda em inglês).
O apoio à União Europeia implica em ficar à reboque do cartel de monopólios que têm aplicado brutais ataques contra os trabalhadores europeus e têm convertido em terra arrasada países como a Grécia, Portugal, Irlanda e Itália, entre outros. Esses cartel imperialista também é responsável pelas guerras que tem acontecido nas últimas décadas o imperialismo inglês e francês tem se envolvido diretamente nas guerras da Líbia, Iraque, Afeganistão, Síria e no Sahel (países localizados ao sul do Deserto de Saara).
A União Europeia faz bloco com o imperialismo norte-americano e com a reação mundial contra as massas trabalhadoras no mundo. No golpe de Estado promovido na Ucrânia, em 2013, mobilizou hordas fascistas e nazistas que se encontravam semi-adormecidas havia muito tempo. Isso demonstra que esse cartel para salvar os lucros dos monopólios é capaz de qualquer coisa.
O resultado da capitulação da esquerda pró-União Europeia pode ser visto com muita clareza na Grécia. O governo do Syriza se converteu em um espantalho do imperialismo para impor brutais ataques contra o povo grego que tem convertido este país numa espécie de “Haiti europeu”.
Por outra parte, se colocar no mesmo campo da extrema-direita europeia é inconcebível para um revolucionário. A política contra os imigrantes é uma máscara para ocultar os verdadeiros objetivos que são os mesmos que o nazi-fascismo teve às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Como disse o famoso poeta alemão Bertold Brecht, no seus muito conhecidos versos: “primeiro eram os judeus, eu não me importei. Depois eram os comunistas, eu não me importei...”. Na prática, conforme a extrema-direita se afiança no poder ela se burocratiza e se vale dos aparatos do estado para liquidar com os órgão de massa dos trabalhadores e com toda oposição, inclusive a oposição de extrema-direita. Não esquecer que Hitler acabou com as SA, que eram batalhões de choque formado a partir do movimento de massas fascista pequeno-burguês, e as substituiu pelas, profissionais e assassinas, SS.
Os revolucionários devem se posicionar contra os dois blocos imperialistas perante o “Brexit”, e qualquer outro referendo similar, devem chamar ao voto nulo e a promover a campanha pelo internacionalismo proletário.
A defesa dos imigrantes deve ser incondicional no sentido de que eles possam morar no país em que escolherem.
Pela defesa das condições de vida das massas trabalhadoras.
Contra os obscenos repasses de recursos públicos para manter os lucros dos monopólios.
Por serviços públicos de qualidade e controlados pelos próprios trabalhadores.
Pela destruição da União Europeia imperialista e pela construção dos Estados Unidos Socialistas da Europa.