Trata-se de uma quadra de profundos ataques ao fundo público, aos direitos sociais e trabalhistas, e de políticas neoliberais radicais que, mesmo do ponto de vista capitalista, aprofunda a crise do sistema. É uma tentativa desesperada, e vulgar, da ordem do capital, de tentar revalorizar a sua lógica a qualquer custo.
Após intenso processo de mobilização e enfrentamento com a repressão do governo da social-democracia francesa, aquela que tragicamente em qualquer cenário de crise econômica procura sempre os ombros da classe trabalhadora para colocar o ônus das contradições da crise sistêmica do capital, teve nesta quinta-feira (26/5) uma resposta digna da cultura política revolucionária que advém dos jacobinos da revolução francesa, dos trabalhadores da primavera dos povos de 1848, dos lutadores da Comuna de Paris e tantos outros movimentos de luta da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos. A França não teve, nesse dia, a circulação de jornais que não publicaram o comunicado público da CGT (Confederação Geral do Trabalho) e apenas o histórico jornal L’Humanité circulou pelas bancas do país.
A ação dos trabalhadores franceses e suas organizações de classe impediram que os grandes panfletos da burguesia francesa, que não respeitam o direito à informação pública, fossem impressos e chegassem às bancas.
Nestes últimos dias os trabalhadores radicalizaram suas ações contra o pacote de medidas do governo da ortodoxia neoliberal de François Hollande, que ataca os direitos trabalhistas e previdenciários dos franceses que estão no mercado de trabalho, bem como da juventude que irá adentrar esse espaço da vida social. Como reação, avança uma intensa jornada de lutas da classe trabalhadora com grandes manifestações políticas e culturais para impedir a catástrofe social que o capital mundial e seu consórcio francês querem impor.
O bloco de lutas dos trabalhadores tem organizado, e avançado, na mobilização social. Dezenas de milhares de trabalhadores ocuparam as ruas de Paris, cercaram com atividades culturais o monumento da República, protestaram por toda a França e tem enfrentado com determinação a repressão policial. A CGT também conseguiu o apoio dos trabalhadores do controle ferroviário e aéreo que já paralisaram suas atividades.
A intensa jornada de lutas se afirmou de forma vitoriosa sobre algumas das mais importantes atividades industriais do país, com a paralisação de 16 das 19 usinas nucleares e o fechamento da grande maioria das refinarias e depósitos de combustível. A escassez de combustível já atinge várias localidades da França.
O bloco de lutas promete novas ações para impedir o êxito da reforma trabalhista anunciada, que mais uma vez atinge a jornada de trabalho com a possibilidade de aumento de 48 até 60 horas de trabalho semanal, de acordo os interesses do patrão. O governo Hollande, através dessa contrarreforma proposta, permite total liberdade ao patronato para flexibilizar e precarizar as relações de trabalho.
Esse projeto propõe o fim do adicional de horas extras para aqueles que trabalham além das 35 horas semanais, quebra a negociação por ramo de atividade e categoria para possibilitar acordos por empresas. Fato que pode quebrar a unidade da classe e a sua capacidade de articulação e organização. No entanto, como a história das lutas sociais já comprovou, os trabalhadores franceses reagiram com grande mobilização e intensidade a este ataque da ordem do capital que veio, mais uma vez, pelas mãos da social-democracia européia.
Lutas com ações de grande impacto têm sido feitas, a exemplo do bloqueio e fechamento do porto de Le Havre na Normandia, que atingiu fortemente o deslocamento pela ponte que conecta esse importante porto às cidades e outras localidades do país, inclusive não deixando que as forças da repressão pudessem se locomover para agir nessa região. Informações também apontam que piquetes de trabalhadores atingem a Bretanha, paralisando a produção industrial na área portuária de Brest.
Com essa jornada de lutas os trabalhadores franceses nos lembram uma lição: é preciso lutar e que é possível vencer. O avanço desse bloco de lutas deverá tender à derrota do governo.
A França das lutas operárias e libertárias nos avisa que as barricadas estão à vista, cabe agora aos trabalhadores do mundo levantá-las por sua emancipação.
[1]* Milton Pinheiro é cientista político e pesquisador da área de história política. Professor do Programa de Pós-graduação em História, cultura e práticas sociais da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Tem vários livros publicados, entre eles, Ditadura: o que resta da transição (Boitempo, São Paulo, 2014).