Tradução de Raphael Sanz
Existe, a vemos todos os dias, está enraizada nos padrões colocados desde a infância, no sistema patriarcal, nos fatores socioculturais: a violência contra as mulheres é real e também é aceita como algo natural em nossa sociedade misógina e machista. Para a violência de gênero não existem fronteiras territoriais nem distinção de classe social, cor, credo e grau de escolaridade. É imperceptível devido a forma como é solapada.
Uma violência exercida a todo nível, ilimitada e que não surpreende. Que não assombra, não indigna, não enraivece. A cultura da violência de gênero tem sua carga nos estereótipos, nas religiões criadas para oprimir a mulher, em uma educação patriarcal e em um sistema que invisibiliza a mulher como ser humano e a maldiz constantemente: que a abusa em seus direitos e a exclui da justiça.
Essa cultura que vai desde a negação aos direitos trabalhistas, à igualdade social, ao aborto. À educação, saúde, progresso. Que a vítima se revitimize, que o algoz o aplauda por macho alfa. Normas estabelecidas que têm a ver com a dupla moral, a hipocrisia, o medo e o viver de aparências. Razões pelas quais não se denunciam os abusos emocionais, físicos, sexuais e em consequência os feminicídios.
E quando uma vítima se atreve a denunciar acaba sendo julgada pela sociedade que a acusa de ser culpada pela agressão sofrida. E o que dizer de um sistema de justiça que a sentencia e desonra, acusando-a de mentirosa e deixando livre o agressor? O mesmo agressor que em vingança vai e assassina nos terríveis e inumeráveis feminicídios que a nenhuma sociedade importam.
A cultura da violência sexual, também naturalizada que como toda resposta nos diz: é mulher. É mulher e não tem problema, é apenas uma mulher: um objeto, um restolho, uma escrava. Essa cultura que vem desde a atribuição de papeis, cores. Que nos diz como devemos pensar, como nos comportar, porque sim e porque não fazer conforme nosso gênero. E que se saímos da norma, então o que vier nos suceder é completamente culpa nossa. Ainda vivendo sob os parâmetros marcados pelo patriarcado também nos acusa e nos culpa. A nível mundial há a existência de leis que escravizam a mulher.
A cultura da violência de gênero nos diz que as mulheres são o sexo frágil, que não podemos praticar esportes marcados como masculinos, que não podemos exercer profissões ou ofícios que milenarmente são reservados aos homens. Que nos diz que nosso destino na vida é sermos mães, limparmos a casa e cuidarmos de nossos filhos. Satisfazer sexualmente nossos homens. Viver para eles. E pobre daquela que fugir da norma e resolver amar a outra mulher! Porque será denegrida, golpeada, violada, assassinada. E ainda pior: era apenas uma lésbica que nem chegava a ser uma mulher. Caso encerrado a partir da entrada no necrotério.
Essa violência está na escola, na televisão, no rádio, na arte, em tudo. Está em tudo que nos rodeia. A forma como os noticiários manipulam a informação em casos de violência de gênero: enviesados, com estereótipos e patriarcado. Há mulheres que a conveniência pessoal apoiam o patriarcado, decidindo viver na submissão, por toda a vida nas sombras. Essa cultura que nos nega a realização pessoal e a viver em nosso próprio livre arbítrio.
Há muito mais que dizer da cultura da violência de gênero desde qualquer plataforma, e suas razões, consequências e a quem beneficia. O que é que não nos permite reagir a essa atrocidade? O que é que não nos permite negar e despertar em massa cada vez que é violada uma menina, uma adolescente ou uma mulher adulta? Quando a golpeiam e assassinam? O que é que nos impede de criar a cultura da prevenção? A reestruturação da sociedade ou os padrões? O que é que não nos permite sermos respeitadas? Sermos valorizadas como seres humanos iguais em direitos?
Será tão profunda nossa indiferença que não nos dói e não nos enfurece cada vez que sabemos de um feminicídio? De uma mulher agredida? De uma injustiça nos direitos trabalhistas? De um estado que não investe em políticas de desenvolvimento da mulher? Quando deixaremos de viver com estereótipos, com religiões misóginas e opressoras? Quando vamos mudar normas patriarcais para criar filhos sãos que não violentem em nenhuma das etapas de sua vida?
Quando vamos nos ver com a certeza de ser tão somente uma partícula na imensidão do tempo? E que tão rápido é nosso passo pela terra que vamos pôr todo nosso empenho na equidade e o direito a ser e a viver em livre arbítrio não sejam castigados? Quando teremos a coragem para mudar a cultura da violência de gênero pela do respeito?
São tantas as maneiras, os arquétipos em que todos exercemos a violência de gênero que muitas vezes não nos damos conta que o estamos fazendo, porque é algo que está aí, tão naturalizado como o ar que respiramos, como o pulso cardíaco, o piscar de olhos. Mas a violência de gênero é algo aprendido, portanto, pode ser mudada. Com certeza temos a capacidade para eliminar o patriarcado, o machismo, a misoginia e a indiferença. A pergunta é: quando o faremos?
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