Agradecemos à Editora Através e ao autor a licença para a divulgaçom deste trabalho, de interesse para o público interessado da Revoluçom Soviética e como abordou a questom nacional.
A Revoluçom Bolchevique e a questom nacional
Maurício Castro
Questom prévia na Rússia capitalista atual
Em janeiro de 2016, vários meios internacionais informárom sobre umhas declaraçons do presidente russo, Vladímir Putin, realizadas durante umha reuniom do Conselho Presidencial para a Ciência e a Educaçom do país. Nelas, o atual chefe do Estado russo dirigia umha severa crítica ao que foi primeiro chefe de Estado da Uniom Soviética, Vladímir Ilitch Ulíanov, Lenine.
Putin acusava Lenine de ser responsável pola implosom da URSS em 1991, quando umha parte da direçom do PCUS se entregou à demoliçom da Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas e restaurou formalmente o capitalismo nas terras onde, 74 anos antes, tinha triunfado a primeira revoluçom socialista da história.
A acusaçom lançada contra o fundador da URSS, 92 anos depois da sua morte, foi argumentada polo ex-dirigente da KGB e atual presidente da Federaçom Russa fazendo referência à “política nacional dos bolcheviques”, que “levou à criaçom de um sistema de autonomias nacionais e territoriais que nom conhece precedentes na história”. Literalmente, Putin declarou que “controlar o fluxo de pensamento é bom, mas este pensamento deve trazer um resultado correto, e nom como Vladímir Ilitch fijo porque, como resultado do seu pensamento, levou à queda da Uniom Soviética. Houvo muitas ideias incorretas: a criaçom de autonomias nacionais, etcétera, pugérom umha bomba atómica embaixo do edificio chamado Rússia e esta, finalmente, explodiu"1.
Com efeito, ninguém poderia discutir que foi a vitória bolchevique que abriu a maior perspetiva de liberdade nacional para os povos do antigo Império czarista. De facto, nom é exagero afirmar que foi a inclusom do direito de autodeterminaçom no programa revolucionário de 1917 que, junto a outras novidades sintetizadas na palavra de ordem “paz, pam e terra”, garantiu essa vitória. Porém, longe de representar qualquer cedência oportunista, o conteúdo revolucionário no plano nacional foi tam real como motivo de confronto do próprio Lenine com setores nacionalistas gram-russos no seio da direçom bolchevique.
Ainda mais, foi esse programa democrático no plano nacional, sem precedentes no mundo até esse momento, que possibilitou de maneira imediata a independência da Finlándia (1917), primeiro, e da Polónia, Estónia, Letónia e Lituánia no ano seguinte, em 1918.
Foi também a revoluçom liderada polo russo de nascença e de coraçom, embora de origem tártara, Vladímir Ilitch, que possibilitou o acesso de numerosas línguas, até aí sem forma escrita, ao ensino e administraçom das respetivas repúblicas e territórios autónomos. Ao todo, por volta de 130 línguas eram faladas no território do antigo Império czarista. O combate ao analfabetismo massivo existente até 1917 incluiu a prioridade de ensinar nas respetivas línguas, evitando a imposiçom do russo, que careceu de status de oficialidade constitucional, se bem foi progressivamente promovendo-se como língua supranacional nas décadas seguintes, nomeadamente a partir de 1938.
Contodo, ainda na década de oitenta do século passado, a Constituiçom garantia o direito ao uso dos chamados “idiomas maternos” de cada República Federada, República Autónoma, Regiom Autónoma ou Circunscriçom Autónoma, assim como da língua da maioria da populaçom da localidade correspondente e, mesmo quem nom dominasse a correspondente língua, mantinha o direito ao uso da língua particular1.
Na primeira década a seguir à vitória bolchevique, o poder soviético levou ao papel numerosas línguas que até 1917 só tinham uso oral, adaptando-as a um total de cinco alfabetos (cirílico, árabe, arménio, latino e georgiano), mas principalmente ao latino e nom ao cirílico, precisamente para evitar, por um lado, a continuidade da russificaçom da época dos czares; e, por outro, a consolidaçom de tendências políticas pan-islamistas ou panturquistas com presença no Cáucaso e Ásia Central. Esse impulso às nacionalidades, especialmente defendido por Lenine, prolongou-se, nom sem contradiçons ao interior do próprio Partido Comunista, durante a década de 20 e até meados da década seguinte, ficando conhecido polo nome de Korenizaçom ou Indigenizaçom.
Dito o anterior, convém lembrarmos, já que o neonacionalista gram-russo Vladímir Putin o esquece nas suas críticas ao tratamento da questom nacional por parte dos bolcheviques, um facto importante, que compromete a sua geraçom, que é a geraçom dos artífices da liquidaçom definitiva da Uniom Soviética: a 17 de março de 1991, poucos meses antes da dissoluçom da URSS, realizou-se um referendo em 9 das 15 repúblicas que na altura faziam parte do Estado soviético. A pergunta formulada foi a seguinte:
Considera indispensável a manutençom da Uniom das Repúblicas Socialistas Soviéticas como umha Federaçom renovada de repúblicas iguais e soberanas na qual, sob quaisquer circunstáncias, os direitos e liberdades do cidadao de qualquer nacionalidade sejam totalmente garantidos?
Com 80% de participaçom, o resultado favorável à manutençom do Estado plurinacional soviético foi de 77,8%, face a 22,2% contra. Ao que todo indica, e apesar da evidente promoçom durante décadas do nacionalismo gram-russo sobre as identidades das diferentes repúblicas, nom foi a aposta democratizadora do fundador da URSS entre 1917 e 1924 que causou o esquartejamento da sua estrutura federal, e sim a antidemocrática estratégia de aniquilaçom do legado soviético por parte da direçom traidora do PCUS em 1991. A demoliçom da URSS tornou-se efetiva a 26 de dezembro desse mesmo ano, encenada com a retirada da bandeira vermelha do mastro do Kremlin e a sua substituiçom pola tricolor czarista, até hoje oficial.
Julgamos nom estar a exagerar se afirmarmos que a política do jovem poder soviético nascido de outubro de 1917 supujo o maior impulso verificado no mundo até esse momento em favor dos direitos dos povos oprimidos. De facto, e embora os mais de 70 anos de história da Uniom Soviética registassem períodos e políticas controversas no que di respeito a esse assunto, a existência jurídica e efetiva do direito de autodeterminaçom na Constituiçom federal soviética possibilitou nom apenas o citado referendo, como também as sucessivas declaraçons de independência pacífica que se seguírom na maior parte das repúblicas soviéticas na década de 90 do passado século.
Nom é preciso recorrermos às declaraçons atuais de Vladímir Putin sobre o assunto. Só temos que ler as obras disponíveis dos ideólogos da chamada Perestroika entre os anos 85 e 91, tais como Aleksander Iakovlev ou o próprio Mikhail Gorbatchov2, para concluirmos que nom foi a sua maior abertura no plano nacional que originou a rutura da estrutura estatal soviética. Foi a corrida sem freio para o capitalismo e a partilha do “bolo soviético” entre os novos oligarcas e dirigentes pró-capitalistas da direçom do partido e do Estado soviético que precipitárom a divisom da URSS em 15 estados independentes, contra a decisom saída do referendo de março de 1991.
É, igualmente, significativo compararmos os direitos teóricos e efetivos verificados na história soviética em matéria de direitos nacionais, com a grave carência que nesse campo ainda carateriza constituiçons ditas “democráticas” ocidentais, como a espanhola atual, para valorizarmos na sua justa medida a clara superioridade da política impulsionada a partir de 1917 e até 1991 polo poder soviético em termos de democracia e igualdade nacional.
Porém, seria simplista ficarmos no elementar reconhecimento da superioridade e dos avanços que caraterizárom a obra bolchevique na matéria, sendo eles tam inegáveis como inéditos na altura em que se produzírom. O assunto tem suficiente complexidade para darmos umha mergulhada mais demorada nos antecedentes teórico-práticos que explicam o protagonismo que os direitos dos povos chegárom a representar na Revoluçom de Outubro.
Vamos a isso.
Bases teóricas do programa revolucionário russo
Ainda sem pretendermos limitar a umha pessoa o vasto processo de formaçom do movimento revolucionário que culminou com a vitória bolchevique, é impossível obviar a importáncia da liderança desse processo. E sendo difícil em geral, é especialmente complicado conceber a focagem bolchevique da questom nacional e a superaçom que supujo relativamente à dominante na II Internacional, sem considerar centralmente o papel do seu líder. É a ele que devemos o aprofundamento e sistematizaçom de umha teoria que, em tempos dos fundadores do socialismo científico, carecia de um corpus teórico suficiente e desenvolvido, e que sob domínio ideológico dos epígonos Plekhanov-Kautsky ficou fosilizado numha versom mecanicista, reducionista e com tintes chauvinistas.
Nom queremos com isto afirmar que a posiçom de Lenine é representativa sempre da defendida polos bolcheviques antes e depois da tomada do poder. De facto, o principal dirigente soviético enfrentará significativa oposiçom no seu próprio partido às suas teses. Em definitivo, a sua importáncia política vai ajudar-nos a estabelecer tanto o peso das suas posiçons como as diferenças com outros dirigentes e correntes partidárias.
Comecemos por apresentar umha consideraçom que, nom por evidente, deixa de bater na rígida conceçom teórica de alguns supostos marxistas. Referimo-nos ao papel dos clássicos e a suposta infalibilidade e imutabilidade das suas teorizaçons.
Tanto nos casos de Karl Marx e de Friedrich Engels, como no do próprio Vladímir Ilitch, por só referir os representantes máximos das duas fases prévias à vitória bolchevique, o estudo das respetivas trajetórias oferece umha evoluçom na matéria que nos ocupa. Dito por outras palavras, nesta questom, como outras, os contributos de todos eles devem ser integrados na historicidade concreta que os explica.
Partindo dos dous primeiros, devemos começar por esclarecer que ambos iniciárom as suas trajetórias políticas, separadamente, nas fileiras do liberalismo progressista, defendendo posiçons que podem ser catalogadas de nacionalistas alemás, o que fica mais claro no caso de Engels. Situam-se esses inícios numha etapa em que a Alemanha arrastava um atraso histórico que lhe impedia constituir-se em moderno Estado burguês semelhante ao francês ou ao inglês, que já passaram polas suas próprias revoluçons burguesas na fase ascendente e progressiva da implantaçom dessa hegemonia de classe.
Referimo-nos, em termos económicos, à constituiçom de mercados nacionais como base de projetos de Estado-naçom ao seu serviço. É fundamental perceber que é aí que se culmina a ideia de naçom exaltada polos pensadores e teóricos da primeira hegemonia burguesa, com destaque para um outro alemám, admirador do legado da Revoluçom francesa de 1789: Georg Wilhelm Friedrich Hegel, cujo legado filosófico domina a primeira metade do século XIX alemám, até a derrota da revoluçom de 1848 (ele tinha morrido em 31).
É em Hegel que devemos procurar a base do pensamento nacionalista do primeiro Engels. Com o liberalismo e a conformaçom do Estado moderno como árbitro das tensons ao interior da naçom, assistimos para Hegel à culminaçom do governo humano, à harmonia completa e à superaçom de todas as contradiçons precedentes. O indíviduo deve entom servir ao Estado e só as naçons que conseguem dotar-se de um Estado é que terám a partir daí viabilidade.
Sendo a figura de Hegel central no período de ascenso da burguesia ao poder na Europa, a sua conceçom do facto nacional terá influenciado especialmente o jovem Engels, que nos anos 40 manifesta um explícito afám nacionalista em relaçom à construçom nacional alemá, que só viria a unificar-se num Estado em 1871.
No caso de Marx, procedente da corrente dos hegelianos de esquerda, nom existem manifestaçons de aberto nacionalismo similares às do seu futuro camarada, mas sim favoráveis à unificaçom do seu país. Porém, longe de qualquer ilusom sobre o caráter comunitário ou neutral do papel do Estado, critica já o seu caráter alienante e classista, contestando igualmente que a hegemonia burguesa represente para o género humano a harmonia final a que Hegel aludia.
Nos dous casos, Marx e Engels criticárom o nacionalismo burguês a partir de critérios económicos, julgando o protecionismo nacionalista como ligado às práticas feudais e impraticável em face ao livre-cambismo e à concorrência, correspondentes a umha etapa superior do capitalismo3.
Os dous principais teóricos do socialismo científico situárom, portanto, a questom nacional fora do centro das suas pesquisas, analisando-a como um desdobramento do próprio capitalismo, em que a classe dominante se situa como classe nacional por excelência para implantar a sua própria ditadura de classe. Na medida que serviu à superaçom do feudalismo, o Estado-naçom é considerado como um facto progressivo por parte de Marx e Engels, com umha etapa inicial de excessivo entusiasmo que os leva tanto a valorizar a expansom colonial inglesa na Índia, como a estado-unidense no México ou a francesa na Argélia. Nessa etapa, chegam a “recomendar” à classe operária irlandesa que participe junto à inglesa no combate ao capitalismo británico, julgando essa tática mais benéfica aos interesses de ambas do que a luita independentista irlandesa.
Como indicamos mais acima, a trajetória de Marx e Engels –como anos mais tarde a de Lenine– vai evoluir de maneira progressiva na questom nacional.
Sem deixar de defender o internacionalismo como valor máximo em relaçom às pugnas entre as naçons, Marx reconhece que será só a superaçom do capitalismo que permitirá o seu verdadeiro florescimento. Ambos criticam em 1866 as posiçons cosmopolitas de setores do anarquismo refratários a qualquer forma de organizaçom estatal moderna e defensores de formas comunais alheias a qualquer adscriçom nacional. A defesa do internacionalismo descansa para Marx e Engels precisamente no reconhecimento do facto nacional, ultrapassando a pugna entre as naçons em funçom dos direitos das respetivas burguesias, para umha nova fase de reconhecimento e a colaboraçom, nom de dissoluçom das próprias realidades nacionais.
A sua visom da questom nacional parece ter mudado, como outros aspetos da sua análise política, com o fracasso da revoluçom de 1848 e especialmente com a claudicaçom dos cartistas ingleses. O entusiasmo da iminência da revoluçom decai vendo que é derrotada, ficando claro que a vitória final nom chegará tam rápido como previam. A partir daí, passam a dar maior cobertura a estratégias que favorecessem todo o tipo de alianças contra os restos feudais e em favor da modernizaçom nos diferentes espaços das luitas de classes e nacionais, cientes de que essa modernizaçom joga em favor dos interesses do proletariado como única classe revolucionária.
Sendo o caso da Alemanha e de Itália os dous mais claros exemplos, o apoio alargou-se às luitas contra o pan-eslavismo russo, com destaque para a sua já tradicional simpatia polo independentismo polaco e o apoio às luitas de emancipaçom contra a monarquia austro-húngara (Áustria, Chéquia, Polónia e Hungria).
Em relaçom à independência da Polónia, vale a pena lembrar umha citaçom de Engels dirigida a Kautsky numha carta de 1882:
“É historicamente impossível para um grande povo discutir seriamente qualquer problema interno enquanto nom tiver a sua independência nacional... um movimento internacional do proletariado é, em geral, só possível entre naçons independentes... libertar-se da opressom nacional é a condiçom básica de todo desenvolvimento saudável e livre...”.
Quanto à Irlanda, foi a partir dos anos 50 que Marx e Engels mudárom a sua posiçom federalista, vendo como já existia umha clara participaçom do proletariado inglês, principalmente os seus dirigentes, na situaçom de exploraçom nacional imposta tanto à colónia branca irlandesa como à indiana. Da sua anterior tese do proletariado inglês como garante da futura liberdade da Irlanda, passam a considerar a libertaçom irlandesa como condiçom para a emancipaçom social inglesa.
Em definitivo, devemos insistir em que Marx e Engels nom teorizárom a questom nacional a nom ser como mais um aspeto ou manifestaçom das luitas de classes e, mesmo assim, a sua visom do assunto passou de um apoio à expansom colonial europeia como favorecedora do desenvolvimento das forças produtivas e do avanço dos povos “atrasados”, para umha posiçom favorável à libertaçom nacional. No meio, incoerências sobre a avaliaçom das luitas nacionais na própria Europa, em funçom de conflitos concretos e especialmente aqueles em que se via envolvido o próprio processo de unificaçom alemá, que viam como prioritário por razons óbvias.
Quanto à consideraçom de os operários nom terem pátria, que ficou para a história como caraterizadora da sua visom da questom nacional, cabe lembrar que eles dous sim se atribuíam a nacionalidade alemá e, como tais, defendêrom a sua emancipaçom nacional nos moldes burgueses como necessidade para o avanço em direçom à revoluçom proletária. Parece esse um bom argumento para a interpretaçom que julgamos mais cabal da proclama que comentamos, quer dizer, aquela que a explica como referência à exclusom do proletariado como classe nacional em funçom da hegemonia burguesa.
Já figemos referência às suas críticas dirigidas às posiçons anarquistas contrárias à própria existência das naçons. Assim sendo, parece claro que Marx e Engels nom defendem a dissoluçom ou desapariçom das diferenças ou entidades nacionais, mas unicamente a extinçom do Estado como forma de organizaçom da modernidade capitalista, umha vez que o proletariado tome o poder em cada naçom. É a forma estatal de reproduçom social que como tal ficará obsoleta no comunismo, nom propriamente a existência diferenciada das mais diversas comunidades nacionais.
Quanto à condena do colonialismo, basta a leitura do volume primeiro do Capital e a sua descriçom da acumulaçom primitiva ou originária (capítulo 24), para descartar qualquer veleidade colonialista como as que, posteriormente, se verificárom em setores da direçom da II Internacional. Isso, apesar de Karl Marx escrever numha altura em que ainda nom se tinham constituído proletariados industriais nos países coloniais.
Renunciando a abordar a história posterior do movimento socialista, sim devemos indicar a importáncia que, em contradiçom com o princípio internacionalista, as teses colonialistas chegárom a adquirir no seio da II Internacional, ao ponto de, com motivo da irrupçom da I Guerra Mundial, levar a imensa maioria da esquerda europeia a alinhar com as respetivas burguesias na aventura bélica.
Indiquemos unicamente a importáncia do principal referente do socialismo internacional na altura, Karl Kautsky, na orientaçom chauvinista da Internacional. Isso porque ele representa um elo entre a geraçom da Marx-Engels e a que viria a realizar a primeira revoluçom proletária triunfante, a de Lenine.
Já entre as escassas exceçons às teses pró-imperialistas a partir de 1914 por parte da direçom da II Internacional, costuma destacar-se, para além do próprio Lenine, a revolucionária polaca-alemá Rosa Luxemburg. Paradoxalmente, as suas teses na questom nacional situam o direito de autodeterminaçom numha posiçom subsidiária em relaçom à organizaçom do movimento revolucionário em torno de cada ámbito estatal, ainda denunciando a opressom nacional. As suas posiçons na matéria serám criticadas por Lenine, em funçom de dous argumentos de peso. De umha parte, ele mostra-se preocupado com a cedência da reivindicaçom desse direito democrático às respetivas burguesias nacionais; por outra, adivinha a importáncia central que essa reivindicaçom virá a ter na fase imperialista de um capitalismo já mundializado na altura.
Umha última referência prévia deve ser feita antes de abordar a Revoluçom de Outubro e o papel de Vladímir Ilitch Ulíanov no desenvolvimento do programa bolchevique sobre a questom nacional. Trata-se de um dos poucos dirigentes socialistas que enfrentárom a posiçom pró-imperialista a partir de 1914: referimo-nos ao revolucionário e independentista irlandês James Connolly, que se adianta ao revolucionário russo avançando a tese de “converter a guerra imperialista em guerra civil revolucionária”4. Foi nessa estratégia que inscreveu o épico e trágico levantamento de 1916, que foi militarmente esmagado polo Império británico. Contra o critério de nom poucos dirigentes do movimento socialista internacional, Lenine recusou-se a condenar a insurgência irlandesa, detetando nela um antecipo do novo papel revolucionário que as reivindicaçons nacionais iriam representar na época do imperialismo… como de facto aconteceu.
“Um Czar, umha religiom, umha língua”: a revoluçom no coraçom do Império russo
É difícil qualquer intervençom no ámbito do velho Império czarista que deixe de parte a questom nacional. Referimo-nos a um quadro estatal em que a naçom dominante, a Rússia, convivia com umhas 200 realidades etno-nacionais diferentes.
Estando o tema nacional sempre presente na história imperial russa, a maior parte dos povos submetidos pola autocracia czarista encontram-se ancorados em formas pré-capitalistas ou de capitalismo atrasado, com presença nula ou irrelevante de proletariado. As exceçons situam-se em povos do ocidente do Império, como a Polónia e, principalmente, a Finlándia, que vive as maiores mobilizaçons de massas durante e após o “ensaio geral” revolucionário de 1905.
No caso dos czares, o assunto resolvia-se num ditado bem definitório da atitude oficial: “Um Czar, umha religiom, umha língua”. Já no caso de Alexander Kerensky, o primeiro-ministro derrocado pola Revoluçom de Outubro, sintetizou num capítulo do seu livro O bolchevismo e a sua obra, intitulado “A desmembraçom da Rússia” a sua visom política de fachada democrático-burguesa5. Aí desenha um esquema de convívio nacional de orientaçom liberal, marcado pola hegemonia russa e pola cedência de quotas de autonomia para constituir uns “Estados Unidos”, negando qualquer possibilidade de reconhecimento do direito de autodeterminaçom, que identifica com umha indesejável “balcanizaçom” ou “desmembraçom” da Rússia que atribui aos bolcheviques. Um discurso nom muito diferente do que hoje sustenta o regime espanhol em relaçom aos povos sem Estado que mantém submetidos à sua soberania.
Frente a essas visons, o Partido Social-Democrata Russo (POSDR), fundado em 1898, converte-se, logo em 1903, no seu segundo congresso, no primeiro partido marxista a incluir no seu programa o reconhecimento explícito do direito de autodeterminaçom6.
Nesses anos e até a referida irrupçom da Guerra Mundial, o pensamento de Lenine está atrelado aos que considera maiores referentes vivos do marxismo: Georges Plekhanov, principal teórico e fundador do marxismo russo, com quem partilha militáncia nos primeiros anos, enfrentando diversas polémicas teóricas; e Karl Kautsky, dirigente checo que fora amigo de Friedrich Engels e editor do Livro IV do Capital, com umha visom da questom nacional recuada e preconceituosa, para além de mecanicista.
Na perspetiva kautskiana, a internacionalizaçom do capitalismo trará o fim dos particularismos nacionais, conduzindo para umha única e grande sociedade mundial que falará umha única língua também mundial. Confundindo o tamanho económico com o geográfico, mostra-se favorável aos grandes estados nacionais, vinculando-os direta e mecanicamente com a máxima simplificaçom lingüística.
Só para dar ideia das erráticas posiçons de boa parte dos teóricos e partidos marxistas na virada do século XIX para XX, o próprio Kautsky vaticina sem grande acerto a impossibilidade de umha naçom checa viável no futuro. Também Rosa Luxemburg apresentará mais tarde idêntico anúncio para a sua naçom de origem, Polónia. Nom é preciso dizer que ambas, a República Checa e a Polónia, som duas naçons independentes na atualidade, tendo pleno desenvolvimento em todas as ordens, incluídas as respetivas línguas, que no caso do checo chegou a estar à beira da desapariçom antes da independência.
Assistimos, como se vê, a um positivismo economicista e determinista alheio à complexidade totalizadora que carateriza a análise dialética proposta polos fundadores do materialismo histórico. Umha espécie de “materialismo vulgar” que influi o Lenine anterior a 19147.
Porém, é sobretodo o curso da história diante dos seus olhos e um raro instinto político que orienta a sua abordagem da questom nacional frente às teses do chamado “marxismo ortodoxo”; daí que, mesmo contraditoriamente, Lenine assuma posiçons mais avançadas do que os seus “referentes” contemporáneos. De facto, Lenine integrará desde o primeiro momento a corrente anticolonialista maioritária nos encontros da II Internacional, em que se chegou a debater a posiçom do movimento revolucionário europeu em relaçom ao expansionismo colonial, nos primeiros anos do século XX.
Já em relaçom à questom nacional na própria Europa, Lenine mantém posiçons contrárias à autonomia política-cultural da corrente austromarxista de Otto Bauer, que dá um papel central à reivindicaçom das naçons sem Estado junto às luitas de classes, embora com umha caraterizaçom objetivista e estática do facto nacional.
Entre os dirigentes revolucionários mais avançados nesses anos, destacam dous independentistas: o já referido irlandês James Connolly, executado polo exército británico após a derrota do Levantamento de Páscoa, e o judeu ucraniano Ber Borokhov, antecedente da teorizaçom sobre estados centrais e povos periféricos na fase imperialista do capitalismo, nacionalista judeu socialista e participante nas brigadas judias do Exército Vermelho na guerra civil russa.
Das diversas posiçons existentes no seio da II Internacional, a kautskiana é hegemónica. Ela inclui, apesar das falhas apontadas, o reconhecimento explícito do direito de autodeterminaçom, formulado no IV Congresso de Londres da II Internacional, em 1896, nos termos seguintes:
“O congresso declara que é partidário do pleno direito de todas as naçons à sua autodeterminaçom, e expressa a sua simpatia para com os operários de todos esses países que padecem atualmente sob o jugo do absolutismo militar, nacional ou doutro género. Este congresso fai um apelo para a incorporaçom dos operários de todos esses países a se incorporarem às fileiras dos operários com consciência de classe de todo o mundo, para luitarmos unidos pola derrota do capitalismo internacional, e para atingir os objetivos da social-democracia internacional”8.
No caso da Rússia, o marxismo partia de umha contraditória afirmaçom “jacobina” do pai do socialismo russo, George Plekhanov, contrária às propostas federalistas do movimento populista primeiro e dos socialistas revolucionários depois. Porém, o POSDR assumirá, como já foi dito, programaticamente o direito de autodeterminaçom no seu segundo congresso de 1903, com o apoio do próprio Plekhanov e como expressom de umha provável influência dos movimentos populista e socialista revolucionário.
O programa saído desse 2º Congresso decorrido no exílio, entre Bruxelas e Londres, aprova medidas como a "Ampla autoadministraçom local. Autoadministraçom regional em todas as localidades que se distingam por especiais condiçons de vida e pola composiçom da populaçom" (artigo 3); a “aboliçom dos estamentos e igualdade de Direitos de todos os cidadaos, independentemente do sexo, religiom, raça e nacionalidade" (artigo 7); o "Direito da populaçom à educaçom em sua língua materna, assegurado mediante a criaçom de escolas necessárias para tanto, às custas do Estado e dos órgaos de autoadministraçom. Direito de todos os cidadaos a falarem em assembleias, em sua própria língua materna. Direito igual de utilizaçom da língua materna ao lado da língua oficial do Estado, em todas as instituiçons sociais, locais e estatais " (artigo 8); e principalmente o “direito de autodeterminaçom para todos os povos que pertençam à Federaçom do Estado” (artigo 9)9. Meio contraditório no alcance das medidas dos artigos 3, 7 e 8, o programa do POSDR vai mais longe do que qualquer outro partido da época na proposta recolhida no artigo 9. O conjunto do programa constitui umha série de propostas de teor propagandístico e alcance democrático-revolucionário em que se irá aprofundando nos anos seguintes.
A perspetiva leninista manterá a consciência contrária à política chauvinista gram-russa, considerando o Império czarista como “cárcere de povos”, ainda que nos primeiros anos e até 1912 a questom nacional nom passe de um aspeto secundário e sem grandes concreçons políticas e a organizaçom bolchevique se mantenha como única e centralizada para todo o território do Império. Os argumentos da defesa dessa posiçom centralista, comum aos principais dirigentes do partido, pode ser consultada num artigo de Lenine no Iskra do mesmo ano 190310; e num outro do georgiano J.V. Staline, escrito um ano depois do II Congresso do POSDR11.
Lendo as posiçons de Lenine nessa altura, com críticas às posiçons federalistas dos socialistas revolucionários12, chama a atençom o avanço experimentado no programa bolchevique até 1917. Nesse ano, depois da queda do Czar em fevereiro, o Governo provisório, sustentado polos socialistas revolucionários, em conjunto com os mencheviques e os democratas-constitucionalistas, rejeita qualquer cedência à separaçom das nacionalidades, com exceçom da Polónia, e adia quaisquer medidas na matéria a umha reuniom da Assembleia Constituinte que nunca chegava. Isso facilitou a identificaçom das demandas dos povos oprimidos com o programa avançado bolchevique, que fijo da autodeterminaçom um dos seus eixos de intervençom. Na verdade, o Partido Bolchevique vai mais longe do que os próprios partidos nacionalistas Bund judeu e Dashnaktsutiun arménio, que na altura defendiam programas de inspiraçom austro-marxista (autonomia nacional-cultural de base étnica, com parlamento próprio13.
A dimensom da aposta centralista do POSDR afirma-se quando temos em conta que antes da sua fundaçom já existiam partidos socialistas de ámbito nacional na Arménia, Finlándia e Polónia, além do caso particular judaico. Lenine apela ao mau funcionamento das formulas federativas e a quebrar barreiras entre o proletariado dos diferentes povos do império, em lugar de as levantar. Trata-se, segundo Javier Villanueva avalia no seu Lenin y las naciones, de razons “netamente políticas e práticas, sem fixaçons chauvinistas, estatalistas ou doutrinárias”14.
Porém, a existência de partidos nacionais continuará durante todo o período que chega até 1917, apesar do constante apelo à autonomia e à assunçom das particularidades nacionais e lingüísticas. De facto, a realidade torna inviável a intençom de garantir umha única organizaçom revolucionária para todo o território do Império russo.
Apesar do protagonismo letom, polaco e, sobretodo, finlandês, na revoluçom de 1905 e nos anos seguintes até 1912, o POSDR continua sem incorporar modificaçons às suas posiçons na questom nacional, vista a participaçom morna doutros movimentos nacionais de cultura mussulmana, tártara, ucraniana, georgiana, arménia, etc, no “ensaio geral”.
Sem chegar às posiçons extremistas de Rosa Luxemburg na avaliaçom como “utópicos” dos movimentos nacionalistas, Lenine mantém um perfil baixo no tratamento da questom, incluindo o rejeitamento da alternativa federalista num momento de refluxo após 1905.
Entre as conseqüências da derrota da revoluçom democrática de 1905, inclui-se a ofensiva chauvinista do regime autocrático, visto o ingrediente nacionalista das mobilizaçons e reivindicaçons nas nacionalidades ocidentais do Império e o ascenso da consciência nacional nessas e outras naçons oprimidas nos anos seguintes. De resto, o palco internacional é sacudido por revoltas nacionais na Turquia (1908), Pérsia (1907-08), Balcáns (1908) e China (1908), que Lenine interpreta positivamente como “ascenso da corrente democrática na Ásia”.15
Numha segunda fase após a tentativa de 1905, e na seqüência de um crescimento do movimento operário, entre 1912 e 1914, a grande burguesia industrial-comercial e os latifundiários tentam evitar novos episódios de forte contestaçom social com umha evoluçom política de abrandamento do regime autocrático, ainda sem questionar a monarquia, que se expressa no ascenso do Partido Outubrista.
Também na esquerda se desenvolve a tendência menchevique, partidária da moderaçom e da integraçom no sistema, como resultado da derrota de 1905. Surgida de umha rutura no POSDR em 1903 e após umha reaproximaçom no processo revolucionário, a corrente menchevique passa a defender as reformas em curso no regime e condena o radicalismo bolchevique que as pom em causa.
O papel central do problema nacional nos principais conflitos a nível internacional é evidente. Também no interior do Império, onde a Finlándia, Ucránia e Polónia aumentam a pressom. A atençom de Lenine e dos bolcheviques sobre a questom nacional irá aumentar nos anos seguintes. Em paralelo ao seu estudo e produçom sobre o assunto, Lenine propom em 1912 que um dirigente georgiano, J.V. Staline, viaje a Viena para preparar, fundamentar e elaborar a posiçom do partido. O resultado é o conhecido trabalho de Staline “O marxismo e o problema nacional", publicado no ano seguinte. Também Lenine publicará nessa altura diversos trabalhos sobre o assunto16.
No caso da obra de Staline (1913), ela sintetiza a visom bolchevique nesse momento, mas de facto nom coincide em vários aspetos importantes com o que será o desenvolvimento da teoria leninista da questom nacional nos anos seguintes. No fundamental, opom-se às propostas federalistas e de autonomia política-cultural das correntes bundistas e austro-marxistas, defendendo o direito de autodeterminaçom nos termos do partido. Será posteriormente, a partir da tomada bolchevique do poder, que Staline incorpore restriçons à sua visom do assunto, introduzindo a condicionalidade do papel dirigente proletário, especialmente a partir da frustraçom da rutura da Finlándia com qualquer perspetiva revolucionária logo a seguir à independência cedida polo governo revolucionário.
Porém, ‘O marxismo e o problema nacional” reflete carências na análise do assunto, que irám ter no futuro influência na evoluçom da política do próprio Staline na questom nacional. É o caso da indistinçom entre o nacionalismo da naçom grande e da pequena, quer dizer, o expansionista face ao defensivo, distinçom que Lenine irá introduzir de maneira cada vez mais clara nos seus escritos e estará na origem dos conflitos internos sobre a questom nacional após 1917. O próprio catálogo fechado de caraterísticas definitórias da naçom (território, língua, vida económica e psicologia) apontam mais para as teses do “materialismo vulgar” na matéria, a que Lenine também tinha aderido até aí, mas que irá desmontar nos anos seguintes, em favor da “autoconsideraçom” por parte da comunidade nacional, quer dizer, a vontade política como única condiçom para a existência legítima da naçom. Outro aspeto de divergência Staline-Lenine presente nesse texto é a tese do primeiro sobre a inexistência de conflitos nacionais na Europa Ocidental, com a exceçom da Irlanda, considerando que só na Europa Oriental existem “estados multinacionais”. Para o segundo, as luitas nacionais serám ingredientes importantes nas luitas de classes em toda a Europa, além de noutros continentes.
Entretanto, Lenine continua a opor-se com veemência à alternativa austromarxista de Otto Bauer, mantendo a adesom parcial às teses Plekhano-kautskianas, tradicionais na social-democracia russa, mas evita certos excessos, como os vaticínios sobre o surgimento de umha língua e umha naçom únicas no futuro. Aponta como progressivas as revoltas nacionais contra os velhos impérios, apesar de serem dirigidas pola burguesia, umha vez que “em todo nacionalismo burguês de umha naçom oprimida há um conteúdo democrático geral contra a opressom, e a este conteúdo prestamos um apoio incondicional, afastando rigorosamente a tendência ao exclusivismo nacional, luitando contra a tendência do burguês polaco a oprimir o hebreu, etc, etc”.17
1914: a viragem
O início da guerra mundial e a entrega da maioria dos partidos socialistas à estratégia bélica das suas respetivas burguesias suporá, em 1914, um duro impacto para Lenine. Dirigentes da II Internacional votárom polos créditos de guerra, integrárom-se em ministérios e apelárom à “defesa da pátria” nos diferentes estados imperialistas envolvidos na grande conflagraçom europeia.
A incredulidade inicial de Lenine deu passagem ao questionamento absoluto do que até aí tinha significado a II Internacional, o que nom deixava de supor um certo questionamento da sua própria trajetória, influenciada polas teses do “materialismo vulgar” dos dous maiores referentes contemporáneos: G. Plekhanov e K. Kautsky.
Em plena voragem política, Lenine retira-se ao estudo do marxismo, com destaque para a lógica de Hegel, que estuda e anota, resultando nos Cadernos filosóficos de 1914. Nos dous anos seguintes, dedica-se ao estudo intenso da questom nacional e do imperialismo, o que resulta nas mais de 800 páginas dos seus “Cadernos sobre o imperialismo”18, onde analisa a atualidade e história das luitas mais diversas no palco internacional da época e, a inícios de 1917, na publicaçom do “folheto” Imperialismo, fase superior do capitalismo19, obra referencial até hoje na descriçom do capitalismo como sistema mundial e da questom nacional como novo ingrediente para as revoluçons que iriam vir. O desenvolvimento posterior do século XX confirmou essa perspetiva, ficando a luita nacional no centro de todas as revoluçons verificadas a partir dali.
Já figemos referência a umha novidade no Lenine destes anos, que ultrapassa a crença na inexistência de conflitos nacionais na Europa ocidental, como se comprova em diversas cartas a camaradas europeus em que sublinha a atualidade e vital importáncia da questom nacional na luita contra o capitalismo.
No seu “Balanço da discussom a respeito da autodeterminaçom” (1916), defende com veemência a autodeterminaçom dos povos contra os dirigentes dos partidos revolucionários polaco e holandês, salientando a pertinência da mesma também na Europa ocidental. Fai também clara distinçom entre “naçons opressoras” e “naçons oprimidas”, reafirma que a renúncia à autodeterminaçom seria umha “traiçom ao socialismo” e admite a legitimidade do patriotismo como forma de luita anti-imperialista. Lembra a posiçom de Marx e Engels em relaçom à Irlanda e a impossibilidade de um povo que submete outro povo poder ele próprio ser livre.
Nesse mesmo trabalho, Lenine apresenta a distinçom entre as “colónias” (extra-europeias) e as “naçons dependentes” (europeias), distinguindo-as pola existência ou nom de capital próprio e, segundo explica, “na situaçom da Europa, os movimentos revolucionários de todos os géneros –compreendidos os nacionais– som mais possíveis, mais realizáveis, mais tenazes, mais conscientes e mais difíceis de esmagar do que nas colónias”.20 Umha e outras tenhem direito à autodeterminaçom, que vai além da autonomia.
As suas críticas nesse texto tenhem alvos significativos como Karl Kautsky, Julius Martov, Karl Radek, Rosa Luxemburg, Nikolai Bukharin e Leon Trotsky, entre outros, o que dá ideia da falta de assunçom por parte de dirigentes das esquerdas menchevique e bolchevique das posiçons avançadas que Lenine vai assumindo cada vez mais claramente.
1917: A transformaçom da realidade (e do pensamento)
Chega 1917 e novas evidências provam o avanço das posiçons do líder bolchevique quanto à consideraçom dos direitos dos povos no programa revolucionário. Vale a pena reproduzir dous textos desse ano em que fica clara a definitiva superaçom da teoria nacional de Kautsky, da qual é também devedoro o trabalho de Staline de 1913, que partia e se limitava a critérios “objetivos” como o território e a língua para definir a naçom. Agora será a vontade o único ingrediente fundamental para o reconhecimento de um povo oprimido:
“…O que é peculiar na Rússia é a gigantescamente rápida transiçom da violência selvagem para o mais requintado engano. A questom fundamental é a renúncia às anexaçons nom de palavra, mas de facto. Rech anda a uivar pola declaraçom da social-democracia de que a incorporaçom de Courland na Rússia é anexaçom; é toda incorporaçom de umha naçom contra a sua vontade, sem importar se tem um idioma próprio, em tanto ela se considerar a ela própria como naçom diferente. Isto é um preconceito dos Gram-Russos, cultivado durante séculos…”21 (negrito incorporado por mim).
“Será considerado anexado qualquer território, cuja populaçom, no transcurso das últimas décadas (desde a segunda metade do século XIX), tenha expressado a sua desconformidade com a incorporaçom do seu território a um outro Estado, ou com a sua situaçom dentro do Estado; quer essa desconformidade tenha sido expressa em escritos, quer em resoluçons parlamentares, assembleias, reunions concelhias ou outros organismos similares, em documentos estatais e diplomáticos, surgidos do movimento nacional noutros territórios, em conflitos nacionais, choques, distúrbios, etc”22
Após a Revoluçom democrático-burguesa de fevereiro, tal como ficárom atrás outras formulaçons polo peso da realidade e a leitura correta da mesma em pleno processo revolucionário, a corrente bolchevique, sob liderança de Lenine, soubo empurrar o partido para ultrapassar o timoratismo centrista no papel opositor ao Governo provisório, dando umha guinada a princípios consagrados na trajetória anterior.
Assim, a limitaçom da revoluçom democrática parlamentar estabelecida polo próprio Lenine em 190523 deu passagem nas “Teses de Abril”24 à reivindicaçom da república dos sovietes como órgao de poder da revoluçom socialista, umha vez diagnosticada a conclusom da revoluçom democrático-burguesa nas “Cartas de Longe”25 e enxergada a possibilidade de avançar imediatamente, com as mediaçons necessárias, para a “nova etapa da revoluçom”. Foi isso que expressou a assunçom de umha nova palavra de ordem: “Todo o poder aos sovietes”, formulada na Estaçom Finlándia de Petrogrado a 3 de abril de 1917.26
Também na aliança operário-camponesa, novidade da Revoluçom russa teorizada e adotada por Lenine contra a referida tradiçom marxista dita “ortodoxa”, o ano 1917 supujo umha mudança tática, incorporando o acesso à propriedade da terra do campesinato ao programa revolucionário imediato, frente ao programa de nacionalizaçons de terras esboçado no programa de 190727. Dos 174 milhons de habitantes do Império na altura, 124 milhons viviam no campo. Deles, só 5% tinham propriedades, 12% eram abastados e 40% nom tinham mínimas condiçons de subsistência.28 A análise concreta da realidade concreta levou a direçom bolchevique a estabelecer umha aliança com o campesinato pobre, corrigindo um dos fatores explicativos da derrota de 1905.
Um estudo de Michael Löwy da década de 7029 atribui a guinada política protagonizada por Lenine no curso dos acontecimentos revolucionários à mudança que para o seu pensamento tinha suposto a falência da II Internacional, que o levou, em 1914, ao estudo de Hegel e à compreensom cabal da dialética no marxismo. Seria essa transformaçom operada no líder bolchevique que o levaria a ultrapassar as conceçons fechadas, lineares e mecánicas do “materialismo vulgar” de Plekhanov e Kautsky, analisando a realidade sem espartilhos prévios e mudando todo o que o rápido andamento do acontecimentos impugesse.
É nessa conceçom que talvez devamos inscrever a reorientaçom da questom nacional, que suporá umha importante novidade na política bolchevique a partir de 1917. O ponto de partida situa-se na escolha que as nacionalidades deveriam fazer entre a independência nacional e integraçom num Estado unitário que iria garantir todos os seus direitos. Porém, essa posiçom manterá escassa vigência, mudando radicalmente no ano seguinte para aquelas que o POSDR e os seus principais dirigentes tinham rejeitado com toda a firmeza durante os 15 anos anteriores: o federalismo e a autonomia política-cultural de base étnica.
O reconhecimento explícito do federalismo verifica-se em janeiro de 1918, com a aprovaçom da “Declaraçom dos direitos do povo trabalhador explorado”, redigida polo próprio Lenine. Aí define-se a “República Soviética Russa” como “uniom livre das naçons livres numha Federaçom de Repúblicas nacionais e soviéticas”30. O Partido Bolchevique passa assim a assumir o federalismo como a melhor opçom para a organizaçom do novo Estado revolucionário, reconhecendo a territorialidade e o direito de separaçom às diversas naçons incorporadas.
De partida, a mudança foi argumentada por dirigentes como Lenine, Trotsky ou Staline31 em termos de transiçom para o Estado unitário, mas o certo é que essa “transiçom” nunca aconteceu e a URSS nom mudou o caráter federal, nem o preceito constitucional de livre separaçom das suas repúblicas na sua estrutura organizativa, até a liquidaçom total da Uniom dirigida por um setor dirigente do PCUS em 1991.
Quanto à autonomia política-cultural de base étnica, tradicionalmente defendida polo Bund e rejeitada polos bolcheviques, foi aplicada a partir de 1917 a comunidades judias da Ucránia e Bielo-Rússia.
No caso da Finlándia, o Partido Bolchevique foi o único a manifestar em 1917 o seu explícito apoio ao direito de secessom, confiando em que essa atitude levaria o povo finlandês a se manter na uniom após a vitória revolucionária. Tanto o Parlamento finlandês como a Rada ucraniana tinham mantido tensas relaçons com o Governo provisório, pola aprovaçom de iniciativas favoráveis a um maior peso institucional frente a Petrogrado, que chegou a derivar em ameaças do Governo com a força militar se a política central fosse contrariada.
Outras nacionalidades, como a Bielo-Rússia, Lituánia, Azerbaijám, Letónia, Geórgia… tinham movimentos nacionalistas mais fracos, relativamente aos respetivos movimentos socialistas, enquanto a Arménia tinha um partido socialista nacionalista (Dashnaktsutiun) como maioritário32.
Contrariamente à traiçom do Governo provisório, a vitória bolchevique supom a imediata aplicaçom das principais medidas comprometidas no curso do processo revolucionário até outubro: Decreto de terras, que expropria as da coroa, a igreja e a alta burguesia, sendo entregues ao campesinato pobre; o Decreto de Paz, que supom o armistício com as potências imperialistas e pom termo à Primeira Guerra Mundial; o Decreto sobre o Controlo dos Operários, que atribui ao proletariado a autoridade sobre os gerentes das empresas, melhorando as suas condiçons de trabalho; o Decreto da jornada laboral de oito horas; o Decreto de separaçom entre Igreja e Estado, estabelecendo o ateísmo do novo Estado revolucionário; o Decreto “Sobre o matrimónio civil, os filhos e a implantaçom do Registo Civil”, que impom a plena igualdade de direitos entre mulheres e homens; o Decreto sobre a imprensa, que ativa umha campanha massiva de combate ao analfabetismo e preserva a liberdade de imprensa; etc.
Importa aqui salientar a chamada “Declaraçom dos Povos da Rússia”, assinada por Lenine como presidente e por Staline com comissário do povo (ministro) das Nacionalidades. Aprovada em 2 de novembro de 1917, estabelece a aboliçom da opressom nacional e a igualdade de direitos entre as nacionalidades; consagra o direito de autodeterminaçom; abole os privilégios nacionais, as restriçons religiosas e os pogrom; exalta a amizade, a fraternidade e a liberdade para as minorias étnicas. No mesmo mês, o Governo bolchevique dirige-se “a todos os trabalhadores mussulmanos da Rússia e Oriente”, com umha declaraçom de respeito às instituiçons mussulmanas e um apelo ao seu compromisso com a orientaçom internacionalista frente ao nacionalismo pan-islamista e burguês. Fundam-se imediatamente as repúblicas de Tártaro-Bashquíria, Kazaquistám e Turquestám.
1919: Contradiçons e posiçons enfrentadas no seio do partido
Em julho de 1918, a primeira Constituiçom soviética inclui o federalismo e a autonomia nacional territorial como base da sua estrutura organizativa do que ainda denomina República Soviética Russa, “uniom livre de naçons livres, como umha federaçom de repúblicas nacionais soviéticas” (artigo 2º).
Entretanto, durante a guerra civil, comunistas das diversas nacionalidades periféricas incorporados às tropas vermelhas questionam a abertura de Lenine para o direito de autodeterminaçom. Paradoxalmente, é de naçons nom russas que surgem alguns dos seus mais notórios oposicionistas na matéria, que irám formando corrente nom orgánica em torno dessa questom no seio do partido frente às posiçons de Lenine. Um deles é Georgi Piatakov, bolchevique ucraniano desde 1912, integrante da corrente dos “comunistas de esquerda” e líder dos bolcheviques ucranianos, cuja direçom considerava em 1919 o princípio autodeterminista como “contrarrevolucionário”. Ativo colaborador da direçom militar de Trotsky durante a guerra civil, Piatakov incorporou-se em 1921 ao Comité Central. Lenine acusa-o de “chauvinista gram-russo” no VIII Congresso do Partido, onde se dá um confronto de Vladímir Ilitch com a corrente chauvinista.
Enquanto Trotsky mantém posiçons equívocas orientadas para critérios economicistas na avaliaçom das reivindicaçons nacionais, Staline e Bukharin participam da tendência que tenta condicionar restritivamente a aplicaçom do direito de autodeterminaçom, concidindo ambos em lhe atribuir operatividade unicamente em relaçom a contextos de hegemonia proletária, nom burguesa (condiçom incumprida na Geórgia, com maioria “tradicional” menchevique). Esse “pormenor” contraria a tese leninista, que situa no conjunto da naçom o exercício do direito e mesmo o apoia em contextos de liderança burguesa. Outros dirigentes opostos à aplicaçom irrestrita da autodeterminaçom dos povos nesses anos som Dmitri Manuilsky33, Mikhail Tomsky34, Grigory Ordzhonikidze35, Felix Dzerzhinsky36, Karl Radek37, Ievguêni Preobrazhenski38 e Nikolai Osinsky39, além do caso mais bem conhecido da dirigente polaca-alemá Rosa Luxemburg.
Para além dos nomes, é claro que o partido reflete a partir de 1918 umha série de crescentes contradiçons em relaçom à articulaçom da Uniom em termos de centro e periferia, derivados da própria evoluçom dos acontecimentos já no período entre as duas revoluçons, com um aumento da força das reivindicaçons nacionais nom só no ocidente do Império, mas também nos países mussulmanos, tradicionalmente mais atrasados. Já na Conferência partidária de abril de 17 se produz um confronto entre as posiçons avançadas de Lenine e as de dirigentes abertamente contrários ao reconhecimento do direito de audoterminaçom, como Dzerzhinsky e Piatakov, considerando tanto a questom nacional como a agrária como essenciais para garantir a vitória revolucionária.
O facto é que o governo bolchevique abandona a ocupaçom que a Rússia mantinha da Pérsia e da Arménia, reconhece a separaçom finlandesa e ucraniana logo em janeiro de 1918 e cria o inovador Comissariado das Nacionalidades.
No plano local, há exemplos de intervençons de força das autoridades bolcheviques contra minorias nacionais, como a derrocada do Diretório Nacional tártaro em março, que o próprio Staline condena com argumentos anti-intervencionistas, mas no mesmo ano também ele protagoniza atuaçons unilateriais no seu processo de organizaçom institucional do que será a uniom de repúblicas. Há umha dialética entre as tendências libertadoras e centralistas por parte do próprio bolchevismo, que irá expressando-se em conflitos de diversa gravidade nos anos seguintes, com umha imparável progressom das posiçons nacionalistas gram-russas, dando forma consoante as suas conveniências à estrutura federal.
Entre a primavera desse mesmo ano e o inverno de 1920 desenvolve-se a guerra civil e o comunismo de guerra, parêntese forçado pola agressom branca e internacional, que deixa uns 7 milhons de vítimas mortais, nom só nos confrontos bélicos, mas pola fame e polas epidemias. De maneira obrigatória, incrementa-se o centralismo e a concentraçom estatal do poder. Do outro lado, as naçons nom-russas som desprezadas polos generais e tropas brancas, como corresponde à tradiçom czarista, o que serve de incentivo para os diferentes povos periféricos aderirem à causa bolchevique, mediante a integraçom de contingentes no Exército Vermelho.
Em plena guerra civil, em março de 1919, tem lugar o já referido VIII Congresso do Partido Comunista da Rússia (bolchevique), caraterizado polo surgimento da polémica sobre a interpretaçom do direito de autodeterminaçom. Trata-se da cristalizaçom de “novas opinions” que diversos dirigentes vinham exprimindo em textos publicados nos meses anteriores, polemizando sobre a quem devia corresponder o exercício do direito de autodeterminaçom: à naçom completa ou à sua classe trabalhadora. É evidente a influência do acesso ao poder num questionamento dessa natureza, pois processos como o finlandês ou o polaco punham em causa a continuidade de numerosas naçons previamente submetidas polo Império russo e que, no fundo, o Partido Bolchevique aspirava a manter unidas, a partir do respeito polas suas caraterísticas nacionais, mas evitando a sua rutura. Já aludimos a alguns dos dirigentes defensores da nova leitura restritiva do direito de autodeterminaçom. Bukharin e Piatakov serám os principais porta-vozes dessa perspetiva no VIII Congresso. Bukharin insiste em converter a classe trabalhadora em única depositária do direito de autodeterminaçom, enquanto o ucraniano Piatakov mostra o lado mais primário (inconsciente?) do chauvinismo russo quando afirma:
“Que falta fam todas essas autodeterminaçons, quando há um magnífico Comité Central em Moscovo!”, acrescentando que “umha vez concluída a unificaçom económica, construído um só aparelho, um único Conselho Supremo de Economia Nacional, umha única administraçom dos caminhos de ferro, umha única banca, etc, toda essa famosa autodeterminaçom nom vai importar a ninguém”.
Em frente, Lenine mantém a posiçom “oficial”, lembrando que só na Rússia seria possível fazer a distinçom que os opositores pretendem, pois só no antigo Império czarista o proletariado tomou o poder. Tal perspetiva seria “ridícula”, afirma Lenine. Acrescenta o errado que seria dirigir-se a povos como os Kirguizes, Usbekos, tadzhikos e turkmenos com discursos tipo “Nós vamos derrocar os vossos exploradores”. É preciso deixar que se produza um desenvolvimento endógeno de cada naçom, pois nom há ainda mais “naçons proletárias” às quais apelar como sujeito exclusivo do direito de autodeterminaçom. Lenine afirma, categórico: “Cada naçom deve exercer o direito de autodeterminaçom e isso contribuirá para a autodeterminaçom dos trabalhadores”. Em relaçom à expressiva presença da componenente chauvinista no interior do partido, Lenine é muito claro:
“Temos, por exemplo, no Comissariado da Instruçom Pública, ou nas redondezas dele, comunistas que afirmam: a escola é única, portanto, ninguém ouse ensinar noutra língua que nom for a russa! Sou da opiniom de que semelhante comunista é um patrioteiro russo. Levamo-lo no sangue muitos de nós e devemos combatê-lo”.40
A vitória formal de Lenine no VIII Congresso nom impede o desenvolvimento de umha corrente transversal chauvinista no interior do partido, fortalecida por erros e tendências de fundo no próprio processo revolucionário. Entre eles, salienta a cooptaçom de dirigentes médios e altos do partido para o fortalecimento do Comité Central, contra o critério exposto por Lenine de quebrar a tendência burocratizante mediante a incorporaçom de militantes operários e camponeses de base no processo de alargamento da direçom partidária. As tendências conservadoras e de autorreproduçom aparelhista vam ganhando contornos, tal como Lenine avança e a história confirmará41.
Entretanto, deve insistir-se em que o firme respeito pola autodeterminaçom nacional nom impede Lenine de apoiar os setores revolucionários ao interior dos povos oprimidos, o que o governo soviético fará com maior ou menor fortuna nos anos seguintes no Azerbaijám, Daguestám, Arménia...
O primeiro conflito de gravidade derivado da dificuldade de aplicar um programa equilibrado na política nacional chega em 1920, com a invasom da Polónia, em resposta à agressom prévia do regime polaco à Ucránia soviética em abril desse ano, incluindo a invasom territorial até a capital. A resposta bolchevique leva o Exército Vermelho quase a Varsóvia, sendo por sua vez obrigado a abandonar o país pola contraofensiva polaca. A decisom fora tomada por Lenine contra a opiniom de Trotsky e Staline, com o intuito declarado de favorecer o ascenso ao poder dos revolucionários polacos, o que nom aconteceu.
No ano seguinte, em fevereiro de 21, e com acordo unánime da direçom do partido, o Exército Vermelho invade a Geórgia, república independente até aí reconhecida polo governo bolchevique, provocando umha sovietizaçom forçada. A iniciativa de Staline e de Ordjonikidze partia da suposta existência de umha insurreiçom geral operária e camponesa que devia ser apoiada. Porém, a tomada do poder bolchevique bateu com a rejeiçom da populaçom, maioritariamente agrária e pró-menchevique, que em 1924 protagonizaria umha insurreiçom massiva.
O chamado “caso georgiano” ficou para a história como principal atrito entre Lenine e parte da direçom do partido, nomeadamente Josef Staline e Sergo Ordzhonikidze, partidários do esmagamento da oposiçom “nacionalista” georgiana dentro e fora das fileiras do partido.
A crise desenvolve-se ao longo de 1922, o mesmo ano da fundaçom da Uniom das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e precisamente em relaçom a esse projeto, que finalmente incluirá quatro repúblicas: a Federaçom Russa, a Federaçom Trans-caucasiana e as Repúblicas Socialistas da Ucránia e Bielo-Rússia. A decisom do Comissário do Povo das Nacionalidades de unir a Geórgia com a Arménia e o Azerbaijám numha única República Transcaucásica provocou a oposiçom da direçom bolchevique georgiana, que aspirava ao reconhecimento específico da sua personalidade jurídico-política.
Lenine, tendo ficado fora do conflito por causa dos seus já graves problemas de saúde, fai umha autocrítica por ter admitido a orientaçom da chamada “autonomizaçom”, nome oficial da via para a organizaçom da uniom de repúblicas socialistas soviéticas, visto o resultado no conflito georgiano. Ele atribui a nefasta conduçom do conflito ao “aparelho russo que tomamos do czarismo, tendo-nos limitado a untá-lo com óleo soviético”.
Em grave tom autocrítico, nunca antes visto, Lenine lamenta-se em carta de dezembro de 1922, de que “a liberdade de se separar da uniom, com que nós nos justificamos, seja um papel molhado incapaz de defender os nom russos da invasom do russo genuíno, chauvinista, no fundo um homem miserável e dado à violência como é o típico burocrata russo”.
Atribui a Staline umha fobia antinacionalista e situa como pano de fundo, na atitude dos representantes do seu governo, o que denomina “um importante problema de princípio: como compreender o internacionalismo”. Considera que Staline e Ordzhonikdze som responsáveis políticos polo que denomina “campanha de verdadeiro nacionalismo russo”, insistindo na necessidade de respeito polos direitos lingüísticos coletivos do povo georgiano frente aos abusos do aparelho burocrático russo.42
No mesmo ano, umhas semanas antes, apresenta o relatório ao IV Congresso da Internacional Comunista, com um balanço dos cinco anos de revoluçom russa e as perspetivas da revoluçom mundial. Aí inclui umha referência às resoluçons do Congresso anterior que nom pode deixar de se relacionar com a evoluçom do seu pensamento sobre a questom nacional e o chauvinismo gram-russo:
“A resoluçom é magnífica, mas é russa quase até a medula; quer dizer, baseia-se nas condiçons russas. Este é o seu aspeto bom, mas também o seu ponto fraco. Fraco, porque tenho certeza que quase nengum estrangeiro consegue lê-la; eu relim-na antes de fazer esta afirmaçom. Primeiro, é longa de mais, consta de cinqüenta ou mais pontos; (…) Segundo, mesmo se a lerem, nom a compreenderám precisamente por ser russa de mais. Nom por ela estar em russo (foi magnificamente traduzida para todos os idiomas), mas porque está sobressaturada de espírito russo. E terceiro, se, em caso excecional, algum estrangeiro chegar a compreendê-la, nom poderá cumpri-la. Eis a sua terceira falha...”
A crítica conclui com um apelo ao estudo como melhor atividade para a militáncia comunista russa e estrangeira nesse momento histórico: “estudar, começando, aliás, polo princípio”.43
Dá a impressom de que, nesta última etapa vital e de luita política, Lenine localiza no hegemonismo russo “para dentro” (nacionalidades da uniom) e “para fora” (Internacional Comunista) umha ameaça para os desafios que a revoluçom enfrenta numha etapa marcada polo refluxo que segue à derrota das tentativas revolucionárias na Europa central e ocidental (Alemanha, Hungria, Itália…).
A derradeira polémica protagonizada polo líder da Revoluçom de outubro tem, como se vê, o centro na questom nacional e nas falhas do governo revolucionário para a sua abordagem correta. Entretanto, o processo de deterioraçom da sua saúde avança, como conseqüência do atentado de 1918, com sucessivos acidentes basculares até a sua inabilitaçom total e falecimento, em janeiro de 1924.
Conclusons
Esta breve aproximaçom desde a génese até a concreçom do programa nacional da Revoluçom de Outubro nos seus primeiros anos de desenvolvimento, num período que conclui com a morte do seu líder histórico, pretende unicamente sintetizar os parámetros e contradiçons em que se criou a Uniom Soviética no que di respeito a esse aspeto.
A própria intensidade crescente com que Lenine se enfrentou à questom sobretodo a partir de 1917 dá ideia da posiçom central que desde esse ano jogou na configuraçom do novo poder bolchevique. A história posterior viria a demonstrar o acerto de Vladímir Ilitch na sua avaliaçom, tanto do papel jogado polo renascido chauvinismo gram-russo, como das naçons periféricas nunca plenamente reconhecidas em pé de igualdade, contra o que Lenine tam veementemente defendeu.
A reorientaçom centralista produziu-se já em vida de Lenine, com a subordinaçom factual das “repúblicas autónomas” à Federaçom Russa, apesar das resoluçons partidárias e em funçom de umha direçom bolchevique contrária às cedências estruturais de poder às repúblicas periféricas.
Se o próprio Lenine evoluiu para posiçons cada vez mais avançadas em matéria de direitos nacionais e na avaliaçom da sua importáncia, parece existir umha constante incompreensom num setor crescente do partido. Carateriza-se esse setor pola instrumentalizaçom das reivindicaçons nacionais de maneira oportunista, quer para reivindicar o programa de classe, quer para fortalecer umha direçom cada vez mais aparelhista e burocrática.
A presença de dirigentes nom russos no que chamamos “corrente transversal” contrária em diferente grau ao direito de autodeterminaçom é sintomática: os ucranianos Piatakov e Trotsky, os polacos Dherzinsky e Radek, os georgianos Staline e Ordzhonikidze… junto a russos como Preobrazhenski e Tomsky, todos eles altos dirigentes bolcheviques, mostram na sua trajetória diversos graus de dessintonia com as posiçons avançadas leninianas. A autoridade do líder consegue manter no papel os princípios, mas os seus problemas de saúde e progressiva saída da cena política fai ascender as teses chauvinistas. A impotência de Lenine manifesta-se nos seus últimos escritos, centrados na problemática nacional e na necessidade de promover os direitos das naçons pequenas frente à posiçom dominante gram-russa: “Declaro a guerra ao chauvinismo gram-russo; nom umha guerra menor, mas umha guerra a vida ou morte”, escreve numha carta a Kamenev em 1922. Por seu turno, Staline define as posiçons de Lenine como “liberalismo nacional”, indo ao encontro de umha posiçom maioritária no aparelho russo e em setores das direçons bolcheviques das repúblicas nom russas.
Sem pretendermos fazer recair as responsabilidades nesta questom, como noutras atinentes à trajetória da revoluçom, sobre pessoas concretas, devemos notar a crescente orientaçom do poder soviético para a imposiçom do centralismo. Já descrevemos, ainda que sinteticamente, a existência de diferenças significativas na direçom bolchevique, o que nom impede fazer referência aos setores reacionários burgueses com forte influência nas repúblicas periféricas, que de facto fôrom reforçados pola posiçom gram-russa, tal como Lenine tinha anunciado.
Nom vamos abordar aqui a complexidade do processo revolucionário em relaçom à centralidade da questom nacional nas décadas seguintes: os conflitos interétnicos e o papel do poder central russo em áreas em disputa como Nagorno Karabakh (entre Arménia e Azerbaijám), ou Abecásia e a Ossétia do sul com a Geórgia; tensons por territórios fronteiriços entre Ucránia, Polónia, Checoslováquia e Roménia; adesom de setores das naçons nom russas ao nazifascismo na altura da invasom das tropas hitlerianas (principalmente chechenos, ingushétios e tártaros da Crimeia) e a resposta russa em forma de deportaçons massivas... Som todas elas manifestaçons da continuidade do problema nacional durante os mais de 70 anos de tentativa de transiçom para o socialismo num dos maiores estados plurinacionais do planeta.
Em tempos mais recentes ressurge o protagonismo desses problemas nunca resolvidos, na crise que nos anos 80 conduz à implosom da URSS. O fator nacional é utilizado mais umha vez polos setores reacionários que dinamitam o PCUS na Rússia e no resto de repúblicas. Se a isso acrescentarmos a total restauraçom de todo o tipo de chauvinismos, ódios nacionais e religiosos na imensa área dominada pola Uniom Soviética, a conclusom só pode ser que o ambicioso programa leninista de resoluçom democrática da questom nacional ficou sem completar. A transiçom socialista quebrada e a plena restauraçom capitalista trouxo de volta os piores cenários sociais e nacionais, como corresponde ao capitalismo na sua fase imperialista que Lenine tam genialmente descreveu.
Todo o anterior nom impede reconhecer os importantes avanços que em matéria de direitos lingüísticos e nacionais se vivêrom na experiência revolucionária soviética, nomeadamente durante a primeira década, mas nom só, erradicando por completo o analfabetismo e universalizando o conhecimento e uso das línguas próprias. Além disso, e como já indicamos no início, foi a própria arquitetura legal do poder soviético que dispujo e possibilitou a rutura do Estado plurinacional nascido da Revoluçom de Outubro. Nengumha outra experiência foi tam longe numha tarefa tam ambiciosa e, ainda hoje, a maior parte dos estados plurinacionais capitalistas carecem de vias de resoluçom democrática dos conflitos nacionais, nem que seja formalmente no papel, comparáveis aos da URSS.
O caso espanhol é a prova mais próxima e mais bem conhecida por nós.
Sem pretendermos idealizar a experiência revolucionária russa, julgamos de justiça o reconhecimento dos grandes avanços que supujo para os povos do amplo Império czarista em todas as esferas da vida social, incluído o exercício democrático dos seus direitos nacionais e lingüísticos.
Será partindo dos seus acertos e potencialidades, descartando no possível os seus erros e limitaçons, que poderemos abordar umha nova vaga revolucionária que permita avançar na construçom do socialismo, incluindo a conquista de todas as liberdades individuais e coletivas. E nom só no aspeto formal, mas também na realidade material.
Eis a grande tarefa pendente depois daquela heroica primeira ofensiva, de cujo início completamos o primeiro centenário.
Maurício Castro Lopes
Ferrol, Galiza, agosto de 2016.
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1Disponível in: https://actualidad.rt.com/actualidad/197476-putin-acusa-lenin-caida-union-sovietica [Consultado a 5 de junho de 2016].
1Veja-se URSS, 100 perguntas e respostas. Edições da Agência de Imprensa Nóvosti. Moscovo, 1980.
2Recomendamos a leitura de Aprofundar a Perestroika, de Mikhail Gorbatchov (Edições Avante!, Lisboa, 1988) e, especialmente, O que queremos fazer da União Soviética, de Alexander Iakovlev (Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991).
3Tese presente no Manifesto do Partido Comunista (1848).
4Horace B. Davis: Nacionalismo y socialismo. Ediciones Península. Barcelona, 1972.
5Alexander Kerensky: El bolchevismo y su obra. Ed. Biblioteca Nueva Madrid, 1920.
6O que provoca a rutura da organizaçom polaca, contrária à inclusom desse ponto.
7Veja-e Michael Löwy: As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Editora Busca vida, São Paulo, 1987.
8Traduzido a partir da versom em espanhol publicada em Ariel Eidelman: La cuestión nacional en Lenin: nación y nacionalismo en Vladimir Ilich Ulianov desde los orígenes del Partido Obrero Socialdemócrata de Rusia hasta la Revolución de Octubre. Consultado em Academia.edu em agosto de 2016.
9“Programa do Partido Operário Social-Democrático Russo (POSDR) adotado em seu II Congresso de 17 de Julho a 10 de Agosto de 1903” http://www.scientific-socialism.de/TextosdoPartidoMRPOSDR1903.htm [Consultado em maio de 2016].
10V.I. Lenine: “O problema nacional no nosso programa”. Nº 44 de Iskra, 1903. Recolhido no Tomo VI das Obras Completas em espanhol. Akal Editor. Madrid, 1974.
11O artigo ataca o “oportunismo na forma federativa”. Foi publicado sem assinar no número 7 do jornal A Luita do Proletariado, jornal ilegal da organizaçom georgiana do POSDR, a 1 de setembro de 1904. Os argumentos centralistas som dirigidos contra os que denomina “social-democratas-federalistas”, o que mostra a existência de um debate sobre a questom no seio do partido e fora dele, por parte do Bund (Uniom Operária Judaica da Lituánia, Polónia e Rússia), partidário da existência de organizaçons federadas nas diferentes nacionalidades. O Bund passou por várias fases de integraçom e abandono do POSDR com base nas diferenças sobre a questom nacional. Além da Geórgia, o debate sobre a organizaçom federal existia noutras naçons oprimidas como a Arménia, Letónia, Polónia ou Finlándia. Veja-se J.V. Staline: “Como a social-democracia considera a questão nacional?” https://www.marxists.org/portugues/stalin/1904/09/01.htm [Consultado em agosto de 2016].
12O programa do Partido Socialista-Revolucionário inclui em 1905 umha organizaçom federal do Estado e o reconhecimento do direito de autodeterminaçom. Veja-se “Programme of the Socialist Revolutionary Party, 1905” http://community.dur.ac.uk/a.k.harrington/srprog.html [Consultado em agosto de 2016].
13Ronald G. Suny: “A Revolução de Outubro e o problema das nacionalidades”. Revista Estudos Avançados nº 32. São Paulo, 1998.
14Javier Villanueva: Lenin y las naciones. Editorial Revolución. Madrid, 1987. Página 183.
15V.I. Lenine: “Os acontecimentos dos Balcáns e Pérsia” (1908), in Socialismo e independência. Abrente Editora, Compostela, 2004.
16 Entre outros, citamos “O despertar da Ásia, “A classe operária e a questom nacional”, “A guerra dos Balcáns e o chauvinismo burguês”, as “Teses sobre o problema nacional” ou as “Notas críticas sobre o problema nacional”, todos de 1913.
17VI. Lenine: “O direito das naçons à autedeterminaçom”, in Socialismo e independência. Abrente Editora, Compostela, 2004.
18V.I. Lenine: “Notebooks on Imperialism”. Collected works, Volume 39. Progress Publishers. Moscow, 1968.
19V.I. Lenine: Imperialismo, fase superior do capitalismo. Diário Liberdade, Galiza, 2016.
20V.I. Lenine: “Balanço da discussom a respeito da autodeterminaçom” (1916), in Socialismo e independência. Abrente Editora. Compostela, Galiza, 2004.
21V. I. Lenine: Das Atas da Conferência de toda a Rússia do Partido Bolchevique. Março de 1917
22V. I. Lenine: Obras Completas em espanhol, T. XXVII, p 460. Ed. Akal
23V.I. Lenine: “Duas táticas da social-democracia na revolução democrática” (1905), in Obras Escolhidas em três tomos. Tomo 1. Edições Avante!, Lisboa, 1981.
24V.I. Lenine: “As Tarefas do Proletariado na Presente Revolução. Teses de Abril” (1917), in Obras Escolhidas em três tomos. Edições Avante! Tomo 2. Lisboa, 1981
25V.I. Lenine: “Cartas de Longe” (1917), in Obras Escolhidas em três tomos. Edições Avante! Tomo 3. Lisboa, 1981
26O que pareceu na altura inaceitável à maioria dos seus camaradas, formados como ele na ideia da impossibilidade de umha revoluçom socialista imediata sobre a Rússia atrasada e semifeudal. Em 1920, idêntico princípio será estendido a todos os povos atrasados de oriente, nas Teses sobre a questom nacional e colonial do II Congresso da Internacional Comunista.
27V.I. Lenine: “Programa agrario de la socialdemocracia” (1907), in Obras Completas, tomo 13. Akal Editor. Madrid, 1977.
28Tania Padilha: “Lênin e a questão agrária”. http://marxismo21.org/debates-e-correntes-marxistas/ [Consultado em agosto de 2016].
29Löwy, Michael: “Da grande lógica de Hegel à estação finlandesa de Petrogrado”, in Método dialético e teoria política. São Paulo, 1978. Num artigo de resposta intitulado “Dois Lênin?” (http://www.grabois.org.br/portal/artigos/147791/2010-05-07/dois-lenin, [Consultado em agosto de 2016]), Augusto Buonicore nega a alegada mudança operada no pensamento de Lenine como explicaçom para as novidades refletidas nas “Cartas de Longe” e “Teses de Abril”, mas isso é irrelevante para a questom que abordamos, pois fosse como fosse, as novidades de facto sim acontecêrom.
30Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-dos-direitos-do-povo-trabalhador-e-explorado-1918.html [Consultado em agosto de 2016]. Mais adiante, em 1920, A Internacional Comunista reconhece e generaliza o federalismo como “forma de transiçom” a adotar polas novas repúblicas soviéticas que forem surgindo (Teses sobre a questom nacional e colonial).
31Lenine argumenta no Estado e a Revolução (1917, página 222) sobre o caráter extraordinário do recurso ao federalismo como transiçom da monarquia para a república unitária, citando um texto de Engels sobre o assunto. Staline recorre a Lenine numhas notas ao seu artigo “Contra o federalismo”, publicado em 28 de março de 1917, com todo o argumentário antifederalista da tradiçom bolchevique, que ficou obsoleto no primeiro ano de governo revolucionário. No caso de Trotsky, ainda em 1922 escreve a “Carta do Comité Executivo à Federaçom do Sena [Sobre o federalismo e o centralismo democrático], com críticas ao modelo federal, que considera prejudicial para a organizaçom das organizaçons comunistas e explica como fórmula “necessária” por “consideraçons nacionais especiais”, para a organizaçom estatal da República Soviética para “estabelecer umha uniom entre imensos territórios povoados por raças e povos diferentes”.
32Segundo Ronald G. Suny, obra citada.
33Ucraniano, desde 1924 integra a Executiva da Internacional Comunista, presidindo-a desde o ano seguinte até 1934.
34Operário russo, dirigente sindical e membro do Comité Central bolchevique desde 1919.
35Georgiano, com um papel destacado na guerra civil e na invasom da Geórgia polo Exército Vermelho em 1921 e no posterior confronto com Lenine pola atuaçom bolchevique em relaçom a essa república.
36Polaco, fundador do Partido Social-Democrata da Polónia, incorporado ao Partido bolchevique em 1917, fundador da Cheka.
37Polaco, apoiante dos bolcheviques e incorporado ao Partido Bolchevique em 1917, vice-comissário de Assuntos Externos, participantes na tentativa revolucionária alemá entre 1918 e 1920, e posteriormente secretário da Komintern (Internacional Comunista).
38Economista russo, velho bolchevique e membro do Comité Central, autor com Bukharin do ABC do Comunismo (1920), que mantém a visom restritiva da autodeterminaçom apesar de ter sido derrotada no meses antes no VIII Congresso do partido.
39Russo, economista e dirigente dos “centralistas-democráticos”, corrente interna do Partido Bolchevique a inícios dos anos 20.
40V.I. Lenin: “Eighth Congress of the R.C.P.(B.) Marc 18-13, 1919” https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1919/rcp8th/03.htm [Consultado em agosto de 2016].
41Charles Bettelheim: Las luchas de clases en la URSS. Primer Período (1917-1923). Siglo Veintiuno Editores, México, 1976.
42V.I. Lenine: “Carta ao Congresso” (1922), in Socialismo e independência. Abrente Editora. Compostela, 2004.
43“Cinco años de la revolución rusa y perspetivas de la revolución mundial” (1922). Obras Completas en español, tomo 45, Editorial Progreso, Mocovo, 1981.