Tanto quanto não gosto desse fato de macaco da classe trabalhadora mundial feminina actual, as leggings: tecidos sintéticos, baratinhas, feitas na china, coladas ao corpo, fáceis de lavar e de secar, em matéria de fazer do corpo lugar de pecado acho que burka e legging rivalizam pelo primeiro lugar. Quem acha no ocidente que o seu salário subiu nos últimos 20 anos esquece que come pior, veste pior, e tudo isso é salário.
Fora isso, que é o mais importante – qual a qualidade dos produtos que compramos com determinado valor que nos pagam – a burka é um sinónimo de opressão, mas as leggings também – elas são a roupa da padronização do consumo barato pela alta flexibilidade laboral. Elas são o fato de macaco feminino do século XXI, uma exposição fabril do mau gosto. Que as miúdas de 7 anos já usam, sexualizando a infância – uns diriam liberdade, eu chamo-lhe piroso, a origem é a «moda», mas a origem da moda são os baixos salários. Tenho também sérias dúvidas sobre o grau de emancipação das mulheres – e dos homens – que rodeiam a nossa vida no ocidente, ou seja, o que neles é auto-determinado. Estamos a anos de luz de ver tolhidos os direitos políticos, como na Arábia Saudita, uma monarquia despótica medieval, mas estamos longe, aliás mais longe do que em 1970, do exercício livre de direitos plenos. O direito à segurança da sobrevivência material está excluído para a maioria das pessoas, cujas decisões, afectivas, incluindo o casamento, são mediadas em primeiro lugar pela conservação do empréstimo bancário; e as decisões políticas pelo tipo de emprego – só para dar dois exemplos, gritantes. Diz-me como trabalhas, dir-te-ei como pensas.
A burka é triste, muito triste, em suma, mas mais triste seria dar ao Estado o poder – imaginem! – de decidir como nos podemos vestir. Imaginem que eu, qual Catarina a Grande, faço um decreto a abolir as leggings porque são um atentando à mediação pela roupa de uma sexualidade plena e substituem toda a brincadeira do corpo e da mente, o tempo de sedução, a conquista dos afectos e do prazer, pela exposição rápida e a banalidade do óbvio?
Fonte: Raquel Varela