A realidade do mundo actual é a do domínio hegemónico do sistema capitalista e do aprofundamento da sua crise estrutural, que acentua a sua natureza exploradora, agressiva e predadora, bem evidenciada com as novas ameaças com que está confrontada a Humanidade. A partir do momento em que o neoliberalismo se apropriou da revolução cientifica e tecnológica, que se desenvolve aceleradamente desde os anos 80 do século passado, assiste-se ao recrudescimento da globalização capitalista, com reflexos negativos em múltiplos domínios - na política, na economia, no social, no ambiente e na cultura, procurando impor a todas as dimensões da sociedade a sua visão filosófica – em que a busca do lucro máximo a todo o custo e os interesses egoístas dos indivíduos se impõem aos interesses dos povos, desta forma, tentando individualizar e mercantilizar todas as relações sociais e laborais.
Este processo está a criar mais riqueza, mas, simultaneamente, aprofunda as desigualdades entre a esmagadora maioria da população, que regrediu nas suas condições de vida, de trabalho e de oportunidades, excluindo-a de ser beneficiária efectiva do crescimento económico, e a pequena minoria possidente, que concentra a riqueza e o poder económico e que, na generalidade, tenta controlar o poder político, subvertendo a própria democracia
Assinalar o Centenário da Revolução de Outubro é, pois, um acto de denúncia da natureza do capitalismo e de afirmação da necessidade e da possibilidade da sua superação revolucionária. É afirmar o papel determinante da classe operária e dos trabalhadores, da sua unidade, organização e luta, enquanto forças determinantes da resistência à ofensiva do grande capital e da transformação da sociedade.
Assinalar a Revolução de Outubro é combater as teses das inevitabilidades da exploração dos trabalhadores e dos povos, das guerras de agressão e da opressão nacional, da rapina dos recursos naturais.
A Revolução de Outubro permitiu a povos e comunidades inteiras encetar um percurso ímpar num curto período histórico, passando do analfabetismo dominante (80%), a extraordinárias conquistas no plano político, económico, social, cultural, científico e tecnológico.
As primeiras medidas da Revolução de Outubro, os decretos sobre a paz e sobre a abolição da propriedade latifundiária da terra, a primeira etapa para pôr fim a todas as formas de exploração, com a sua intrínseca ligação à opressão nacional, continuam a ter, nos nossos dias, uma actualidade premente. Foi com ela que o poder da luta dos trabalhadores na transformação e no progresso sociais do novo sistema, uma sociedade onde o trabalho era gerador de riqueza, mas igualmente uma actividade de criação, liberdade e valorização pessoal, resultou num equilíbrio entre acção colectiva e valor do individuo.
Foi o poder dos trabalhadores na União Soviética que instituiu, pela primeira vez, direitos sociais fundamentais, como: o direito ao trabalho; a jornada máxima de oito horas de trabalho; as férias pagas; a igualdade de direitos entre homens e mulheres na família, na vida e no trabalho; a livre escolha de uma profissão; o direito à habitação; a assistência médica gratuita; o sistema de segurança social universal e gratuito; a educação gratuita e a promoção da instrução, da cultura e do desporto à escala de massas.
São estas conquistas de direitos fundamentais cuja memória colectiva e individual importa defender e valorizar na luta de hoje dos trabalhadores portugueses e de todo o mundo para a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados. O mundo actual é injusto e tem de ser transformado – a situação existente não pode continuar. A injustiça, a miséria e a marginalização que os trabalhadores e outras classes populares sofrem não podem continuar, bem pelo contrário, têm de ser combatidos e é fundamental dar combate sem tréguas ao capitalismo.
A Revolução de Outubro pôs fim à discriminação, colocando as mulheres soviéticas na vanguarda dos direitos das mulheres no mundo, consagrando: o direito ao trabalho; à escolha da profissão; à remuneração igual para trabalho igual; o direito de voto; o direito a eleger e a ser eleita; o direito ao divórcio; a supressão do casamento religioso; o direito à interrupção voluntária da gravidez; a protecção da maternidade e da saúde das mulheres.
Foram os trabalhadores e o povo soviéticos, integrados no heróico Exército Vermelho, que contribuíram de forma decisiva para a vitória sobre o nazi-fascismo. Uma vitória épica sobre a ditadura terrorista do grande capital, do imperialismo, um feito de valor inestimável para toda a Humanidade.
A luta dos trabalhadores foi o motor da Revolução e da construção de um país de novo tipo que, ombreando com outros povos que se empenhavam igualmente na construção da sociedade socialista, abalou as relações internacionais. A cooperação e a solidariedade internacional assumiram um carácter de classe, com uma intervenção política decisiva. A URSS apoiou os povos que lutavam contra o colonialismo e pela libertação nacional, como no caso dos oprimidos pelo fascismo português.
Os trabalhadores e o povo português têm presente a solidariedade, a cooperação e o apoio aos trabalhadores e ao povo português na Revolução de Abril e na concretização das profundas transformações democráticas operadas no campo económico, social, cultural e desportivo no nosso país, designadamente o apoio dado pela União Soviética à Reforma Agrária e a formação dos trabalhadores para a concretização do sonho milenar de dar “a terra a quem a trabalha” e que apoiou o movimento sindical na luta contra a ditadura fascista, nomeadamente, através de campanhas que visavam a libertação de camaradas presos.
A Revolução de Outubro permitiu o surgimento de uma correlação de forças mais favorável aos trabalhadores e aos povos, impulsionou uma nova ordem internacional de salvaguarda da paz, mais democrática e baseada na igualdade dos direitos dos Estados e povos, na soberania e na independência nacional, no direito de autodeterminação dos povos e na cooperação e solidariedade internacional, princípios expressos no surgimento de organizações como as Nações Unidas.
O século XX foi marcado indelevelmente pela Revolução de Outubro, pelo que, independentemente das causas que estiveram na origem do desaparecimento da URSS, nada oblitera a sua importância na história contemporânea. O mundo não pára. A luta de classes continua a ser o motor da história, assumindo formas e processos diferenciados, que decorrem da situação de cada país, das possibilidades e potencialidades de luta que se apresentam, da luta e da preparação das massas, exigindo soluções unitárias e alianças diferenciadas na defesa dos interesses de classe dos trabalhadores, pela sua emancipação social e nacional, dando força de actualidade e de futuro à construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Hoje, frente à crescente internacionalização do capital, à proliferação de instrumentos e estruturas supranacionais ao serviço da exploração, do empobrecimento e do retrocesso de direitos, ganha força decisiva a batalha em defesa da soberania e pelo direito de cada povo ao progresso e à justiça social.
A necessidade e a possibilidade de derrotar o capitalismo mantêm-se na exacta medida em que a sua natureza e contradições sejam compreendidas e interligadas na relação dialéctica entre conquistas imediatas e perspectivas de concretização de novas aspirações, a plena libertação e realização humana, abrindo caminho à nova sociedade.
Por isso, comemorar os 100 anos da Revolução de Outubro é dizer que o caminho aberto contínua presente na luta que travamos todos os dias por um mundo melhor, onde aqueles que tudo produzem sejam os seus destinatários.
Lisboa, 7 de Setembro de 2017