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Diário Liberdade
Quarta, 14 Dezembro 2016 10:36 Última modificação em Domingo, 18 Dezembro 2016 18:58

O fim da União Soviética, 25 anos depois: algumas reflexões (III de VI)

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País: Rússia / Batalha de ideias / Fonte: Diário Liberdade

José Luis Rodríguez* | Tradução do Diário Liberdade

V

A saída de Nikita Khrushchov do governo soviético em outubro de 1964 marcou o fim do enfrentamento oficial com o fenômeno do stalinismo e também o final de uma conduta que sem dúvida teve méritos, mas do mesmo modo mereceu a crítica de seus contemporâneos pela falta de sistematicidade nas transformações econômicas e políticas que tratou de introduzir; os métodos de direção marcados por uma alta centralização de funções em sua pessoa; a oscilante política agrária, onde os êxitos foram apenas temporários; a insensata competição para igualar a economia dos Estados Unidos em um curto prazo; e os descalabros em política internacional que conduziram à ruptura com a China, ao levantamento do Muro de Berlim, em 1961, e à Crise dos Mísseis, em 1962.

Leia também: Parte I | Parte II | Parte IV

A avaliação histórica da figura de Khrushchov tem sido controversa, pois alguns autores como Roger Keeran e Thomas Kenny – autores do livro O socialismo traído, que foi publicado em Cuba –, avaliam essa personalidade como continuadora de tendências social-democratas no PCUS, estabelecendo uma avaliação claramente tendenciosa e enviesada de seu desempenho. Por outro lado, Hans Modrow – último secratário-geral do Partido Socialista Unificado da RDA, em seu livro A perestroika: impressões e confissões, aponta:

“O fato de que Khrushchov tenha tido o valor de apontar com toda clareza os delitos cometidos em nome de Stalin, e por conseguinte em nome do socialismo, lhe assegura um importante posto. Somente dogmáticos incorrigíveis defendem o critério de que a decadência do socialismo começou com ele.”

A equipe de direção que o sucedeu se iniciou com uma divisão de poderes entre Leonid Brezhnev como secretário-geral do PCUS e máximo dirigente do país, Alexei Kosyguin como presidente do Conselho de Ministros e Anastas Mikoyan como presidente do Presidium do Soviete Supremo da URSS, o qual foi substituído por Nikolay Podgorny em 1965. A partir de 1977 Brezhnev ocuparia também a presidência do país.

Brezhnev, assim como Khrushchov, havia nascido na Ucrânia e ambos tiveram muitos pontos de contato em suas carreiras políticas a ponto de que Khrushchov o considerasse como segundo no comando do Partido na altura de 1964. No entanto, diferentemente de Khrushchov, Brezhnev sempre foi muito conservador em sua atuação e decisões, fator que incidiria em seu exercício como máximo dirigente soviético durante 18 anos.

De tal modo, a equipe de direção do PCUS que se instala em 1964 tratou de buscar uma estabilidade que contrastava com as reformas que havia impulsionado o sucessor de Stalin – muitas delas controversas – durante 11 anos.

Contudo, a situação nesses momentos indicava claramente que eram indispensáveis mudanças no sistema de direção da economia e nessa circunstância os debates que haviam começado em 1958 apontavam também nessa direção, levando em conta que os resultados econômicos mostravam uma queda no ritmo de crescimento da produção industrial, que alcançou 8,6% entre 1961 e 1965 de 10,4% entre 1956 e 1960, ao que se acrescentavam desastrosos resultados das colheitas agrícolas na primeira metade dos anos 60.

Essa tarefa foi assumida por Alexei Kosyguin, cuja trajetória era a de um magnífico dirigente empresarial que havia transitado por cargos de alta responsabilidade estatal desde antes da Segunda Guerra Mundial até o governo de Khrushchov. Em tal sentido, ainda hoje se reconhecem seus méritos como membro do Conselho de Defesa da URSS nos anos do conflito bélico ao organizar a mudança exitosa para o leste das indústrias que, se não fosse isso, ficariam na zona ocupada pela Alemanha.

Após intensos debates, em setembro de 1965, foi aprovada a reforma econômica soviética que tratava de combinar uma maior presença de mecanismos de mercado com uma planificação centralizada, onde esta última mantinha a preponderância.

Novamente desde sua aprovação a adequada combinação entre a gestão macroeconômica e a direção empresarial, traduzida na relação entre a planificação centralizada e a descentralização de um grupo de decisões, não encontrou um canal adequado ao abordar conceitualmente a vinculação entre plano e mercado. Por outro lado, eram evidentes as deficiências de uma economia onde se planificava centralmente até o detalhe todas as operações da empresa. Mas – por outro lado – pretender que o mercado regulasse a atuação da empresa estatal, tomando como princípio orientador básico a rentabilidade, não assegurava que se cumprissem os objetivos a alcançar em uma sociedade socialista.

Se acordou então incluir algumas medidas próprias de uma economia de mercado a nível empresarial com o objetivo de flexibilizar e descentralizar sua gestão – limitando o alcance das transformações propostas por Evsei Liberman em 1962 –, acrescentando-lhe incentivos para administradores e trabalhadores, mas mantendo praticamente sem mudanças o sistema central de planificação.

Nesse último aspecto não se trabalhou com igual intensidade e uma planificação mais flexível na microeconomia, especialmente para a formação dos preços a partir do uso de modelos econômico-matemáticos foi totalmente subestimada. Nos meios acadêmicos se estendeu o critério de que a única solução aos problemas transitava por uma ampliação do mercado ao qual teria que se adaptar à planificação, critério tecnocrático de fatais consequências que se abriria caminho definitivamente na crise do final dos anos 80.

Logicamente, as contradições não demoraram a aparecer levando em conta – também – de que a visão burocrática dos fenômenos econômicos estava presente tanto a nível dos ministérios como das empresas e isso se apreciou claramente pela ausência total de modificações no referido a conquistar uma maior participação dos trabalhadores no processo de tomada de decisões, elemento central para o êxito de qualquer política econômica socialista.

Por outro lado, o esforço de Kosyguin por impulsionar as mudanças encontrou resistência nos níveis superiores de direção e, embora não se possa dizer que Brezhnev se opôs às reformas, tampouco as apoiou visivelmente.

Não obstante, os resultados econômicos – ainda quando não alcançaram os objetivos previstos – tiveram um impacto positivo por quanto cresceu a renda nacional na economia soviética de 1966 a 1970 em 7,8% e manteve uma média anual de crescimento de 5,7% entre 1971 e 1975, cifras que mostraram um desempenho inclusive superior ao crescimento dos Estados Unidos naqueles anos.

A situação começou a mostrar maiores dificuldades quando de 1976 a 1980 a renda cresceu 4,3%, o que motivou novamente a reversão de diferentes aspectos do sistema de direção a uma maior centralização em 1979 e entrou definitivamente em um processo de estancamento de 1981 a 1985, quando só aumentou 3,6%. Além dessas cifras, os fatores intensivos no crescimento da economia – que medem a qualidade desse crescimento – baixaram de 28,4% dos aumentos em 1966-70 a 21,3% em 1976-80.

Nesse último aspecto destaca-se que, sendo a URSS um país com alto potencial científico – o país chegou a concentrar 25% dos cientistas de todo o mundo –, foi difícil o desenvolvimento da inovação e a introdução dos crescimentos científicos técnicos na economia, salvo no complexo militar-industrial.

Adicionalmente, não deve ser deixado de lado que tudo isso ocorre em meio a um processo de crescimento da economia informal, também chamada segundo economia cujo peso – segundo estimados pelos próprios soviéticos – passou de um nível equivalente a 3,4% do PIB em 1960 para 20% em 1988.

Por outro lado, as transformações políticas internas e externas entre 1965 e 1985 tiveram também um muitos aspectos um impacto desfavorável no desempenho econômico, político e social da URSS.

Em primeiro lugar, a limitada abertura à discussão dos problemas da sociedade soviética que se expressou sobretudo na literatura e no cinema, assim como nos debates acadêmicos na época de Khrushchov, praticamente acabou a partir de 1965. Nesse sentido, tudo indica que primou o critério de que o fundamental era a elevação do nível de vida material dos cidadãos soviéticos – fenômeno que efetivamente ocorre entre 1965 e 1975 –, mas não foram atendidos os aspectos que redundariam em uma existência espiritualmente mais plena do homem e no desenvolvimento de uma cultura socialista no mesmo.

Como foi apontado pelos analistas Ariel Dacal e Francisco Brown:

“Tudo isso trouxe como resultado uma lacuna na opinião pública que foi relativamente fácil de ocupar com a propaganda capitalista, que incentivava o descrédito do socialismo, baseada fundamentalmente na incitação ao consumo e à liberdade, o que logicamente surtia efeito em uma população necessitada de consumo e liberdades básicas.”

Essa situação se viu – ademais – agravada pela ausência de vínculos entre a população e a chamada nomenklatura da direção política do país que envelheceu em seus cargos, gozando de privilégios que mancharam a exemplaridade social que deviam ter.

Igualmente o manejo da política exterior soviética durante esses anos que impunha uma linha de ação incondicional a Moscou lavou à invasão da Tchecoslováquia em 1968 para frear as posições social-democratas que se observavam em seus dirigentes, mas em uma ação violatória da soberania nacional desse estado socialista e que daria lugar à chamada Doutrina Brezhnev da soberania limitada na Europa Oriental. Essa decisão que se argumentou como inevitável para evitar a transição ao capitalismo em um país socialista teve um alto custo político que – em última análise – não propiciou a retificação necessária do conservadorismo na direção do PCCh nem conduziu à análise das verdadeiras causas desses acontecimentos.

Uma intervenção similar se produziria com a invasão do Afeganistão em 1979 para apoiar uma das facções em conflito no governo desse país, que se estendeu durante dez anos, onde as tropas soviéticas não conseguiram dominar a situação e que teve nefastas repercussões para o prestígio da URSS no Terceiro Mundo e em particular para o Movimento dos Não-alinhados.

Finalmente, o poderio militar da URSS aumentou de forma notável durante esses anos no contexto de uma política de coexistência pacífica como premissa para preservar a paz entre as duas superpotências, alcançando a paridade estratégica entre elas a custa de um enorme esforço, o que sem dúvida foi uma conquista significativa da parte soviética.

Entretanto, a extrapolação dessa coexistência pacífica às relações com os países que lutavam contra a dominação colonial e neocolonial colocou a direção soviética em uma posição de incompreensão da luta anti-imperialista e anticolonial no Terceiro Mundo. Não obstante isso, e em honra à verdade, deve ser dito que muitos países receberiam para sua luta o apoio militar da pátria de Lenin nos anos 70 e 80.

Quando ocorre a morte de Leonid Brezhnev em 1982 eram ainda mais evidentes a necessidade de reformas econômicas e políticas para sair do estancamento em que se encontrava o país.

Chega então ao poder como secratário-geral do PCUS Yuri Andropov, considerado um homem de firmes convicções e experiência, que havia dirigido os serviços de segurança (KGB) desde 1967. Sua trajetória abarcava desde a luta guerrilheira contra o exército alemão na Segunda Guerra Mundial, passando por diferentes cargos no aparato do PCUS, incluindo seu trabalho como embaixador na Hungria nos anos 50, chefe do departamento do Comitê Central que atendia as relações com outros países comunistas e membro do Burô Político desde 1973.

Era considerado um dirigente culto e consciente da necessidade de mudanças na sociedade soviética, embora não tenha proposto um programa amplo de reformas, mas implementou – a partir de julho de 1983 – uma série de medidas que retomavam aspectos da reforma econômica de 1965 ante o fracasso das decisões adotadas em 1979, as quais foram denominadas de “experimento econômico”.

Andropov enfrentou também a indisciplina laboral, o alcoolismo e a corrupção. Especialmente neste último aspecto se centrou nos cargos de direção mais elevados na sociedade e em 15 meses substituiu 18 ministros e numerosos quadros na nomenklatura do PCUS, ao mesmo tempo em que introduzia pessoas mais jovens nos postos de direção mais importantes, incluindo entre eles Mikhail Gorbatchov.

Apesar de seus esforços – que enfrentaram também forte oposição da burocracia partidária – sua maior limitação foi seu próprio estado de saúde, já que no momento em que foi nomeado máximo dirigente da sociedade soviética com 67 anos sofria de uma insuficiência renal, o que o obrigava a se submeter a diálises de forma regular, situação que foi reduzindo sua capacidade de trabalho até que faleceu em fevereiro de 1984.

A implementação de uma chamada política de estabilidade nos quadros durante a administração de Brezhnev levou a um imobilismo e à não promoção de dirigentes mais jovens, fenômeno que entrou em crise com a morte de Andropov. Daí que se elegesse um candidato de transição – supostamente para ganhar tempo – que acabou sendo Konstantin Chernenko, de 73 anos, quem se encontrava também gravemente doente.

O novo secretário-geral havia desenvolvido sua carreira política essencialmente no aparato do PCUS, onde foi chefe do Departamento Geral do Comitê Central de 1965 – ocupando-se principalmente como chefe de despacho do secretariado geral –, sendo promovido ulteriormente ao secretariado em 1976 e finalmente ao burô político em 1978.

Se reconheceu que Chernenko não era uma pessoa com a preparação necessária para o cargo que ocuparia, levando em conta a complexidade da situação interna prevalecente na URSS em 1984 e a situação internacional, marcada por tensões crescentes nas relações com os Estados Unidos.

Terminava assim uma etapa onde na altura de 1980 só 7% dos membros permanentes do Burô Político e 17% dos ministros tinham 60 anos ou menos.

Konstantin Chernenko faleceu em março de 1985, 13 meses depois de ter assumido o cargo. Nesse ano foi eleito secretário-geral do PCUS Mikhail Gorbatchov, que permaneceria no mesmo posto até 1991, quando desaparece a União Soviética.

* Assessor do Centro de Investigações da Economia Mundial (CIEM). Foi ministro da Economia de Cuba. Artigo publicado em 30 de maio de 2016.

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