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Diário Liberdade
Terça, 31 Mai 2016 02:13 Última modificação em Sábado, 26 Novembro 2016 21:56

A natureza da crise sistêmica global: às vésperas do choque das placas tectônicas do capital (Parte I)

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Edmilson Costa

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A crise sistêmica global [1], que vem castigando os países capitalistas há mais de nove anos, sem que haja perspectivas de retomada da economia no curto prazo, está se aproximando de seu desfecho, podendo abrir um cenário inteiramente novo na economia mundial e perspectivas do acirramento da luta de classes de caráter global. Essa conjuntura pode levar a quebras generalizadas entre os grandes monopólios, aprofundamento do processo recessivo, ampliação do desemprego, dificuldades de gestão política e social do sistema, além de extraordinários e velozes levantamentos sociais tanto nos países centrais quanto na periferia capitalista. As medidas tomadas pelos gestores do capital, tanto em termos de política monetária e econômica, além da forte ofensiva contra os direitos, garantias e salários dos trabalhadores e pensionistas, aliadas aos cortes nos gastos públicos, funcionaram apenas como paliativos para evitar o colapso do sistema, mas agora esse arsenal está se esgotando e a crise profunda volta a se impor novamente porque os problemas de fundo levantados pela crise não foram resolvidos. 


Vale lembrar que esta crise é muito diferente das crises cíclicas que atingem periodicamente o capitalismo desde os seus primórdios. As crises recorrentes, de tanta regularidade, já são administradas com êxito pelos gestores capitalistas desde a metade dos anos 40, mediante as políticas keynesianas. No entanto, as crises sistêmicas são de outra natureza: elas colocam em questionamento o conjunto do sistema e representam o esgotamento de um longo ciclo do capital. [2] Ou seja, a crise sistêmica global demonstra que as velhas relações de produção do mundo atual não comportam mais a estrutura material construída e desenvolvida ao longo do ciclo que está se esgotando e, por isso mesmo, a base material está se rebelando contra o conjunto do sistema e exigindo mudanças quantitativas e qualitativas, como ocorreu nas crises sistêmicas anteriores. 

Por isso, as fórmulas e receitas que foram bem sucedidas nas crises cíclicas, a partir da intervenção do Estado no sistema econômico, são inadequadas para esta crise. Prova disso é que os governos dos países centrais já injetaram cerca de U$18 milhões de milhões na economia, mas a estagnação econômica e o desemprego continuam sendo um dado da realidade nesses países. É bem verdade que o grande volume de recursos tem servido apenas para salvar os banqueiros e especuladores em geral, evitar o colapso do sistema financeiro, bem como para criar bolhas especulativas nas bolsas de valores e em outros setores da economia. Como esses recursos não têm base na economia real, em algum momento o dinheiro fictício, criado a partir de ordens burocráticas dos Bancos Centrais, poderá se transformar em combustível para crises ainda maiores ou gerar uma escalada inflacionária com efeitos profundamente desestabilizadores para as economias. 

Em outros termos, a economia dos países centrais continua tão ou mais doente do que no período da explosão da crise em 2008 com a queda do Lehman Brothers, com o agravante de que até os chamados países emergentes, que não foram atingidos nas mesmas proporções que as economias centrais, agora também estão em crise. Apesar dos meios de comunicação diariamente procurarem encobrir a gravidade dos problemas, informando que determinados países estão se recuperando, que as Bolsas de Valores estão prósperas, que logo haverá perspectivas de retomada do crescimento econômico e do emprego, essas informações servem apenas para confundir e desorientar os trabalhadores, retardando assim sua compreensão da gravidade da crise e reduzindo a possibilidade de se colocarem em movimento em defesa dos seus direitos e, inclusive, contra o próprio sistema. 

Se analisarmos a conjuntura no coração do sistema – os países centrais em geral e os Estados Unidos e a União Europeia em particular – poderemos observar um panorama com enormes dificuldades para o capital. Se por um lado, os trilhões de dólares e euros colocados nas economias desenvolvidas conseguiram retardar o colapso do sistema, por outro, essa orgia monetária está criando economias autistas, nas quais os agentes econômicos se comportam como zumbis a caminho do precipício, muito embora nessa trajetória haja momentos de euforia, para logo depois se transformarem em perplexidade e pânico. A situação é pouco compreensível para as mentes acostumadas com a velha ordem construída após a Segunda Guerra Mundial, pois normalmente as pessoas têm dificuldades para se adaptar aos fenômenos novos, onde as mudanças são velozes e radicais. Geralmente continuam raciocinando como no passado e buscando resolver os problemas com as mesmas fórmulas de conjunturas anteriores. Qual é a situação real hoje do mundo capitalista, especialmente de sua parte mais desenvolvida? 

A economia europeia vive uma estagnação prolongada a caminho da depressão, apesar das políticas de flexibilização quantitativa efetuadas pelo Banco Central Europeu. Trata-se de um continente em queda livre, com recessão, aumento do desemprego e uma crise social de vastas proporções, cuja ponta do iceberg é a tragédia grega, onde o desemprego atinge mais de 25% da população economicamente ativa, percentual que ultrapassa 50% quando se trata dos jovens. A isso se junta a crise humanitária da imigração de centenas de milhares de refugiados de regiões desestabilizadas pelo imperialismo europeu e norte-americano. 

Nos Estados Unidos, a situação não é muito diferente, apesar do esforço diuturno da mídia para construir uma conjuntura favorável. A dívida externa norte-americana já ultrapassou os 100% do PIB e a cada período trava-se no Congresso uma dura batalha sobre o aumento do teto do débito, com repercussões desestabilizadoras em todo o mundo. A indústria de transformação e seu contraponto, o consumo das famílias, permanecem estagnados e o que oestablishment denomina de crescimento é resultado das bolhas artificiais na órbita da circulação, especialmente na Bolsa de Valores e especulação financeira. Quando a crise se aprofundar e as bolhas especulativas murcharem aí então se poderá observar a gravidade dos problemas escondidos da população, com a desvantagem de que o governo já não terá condições para socorrer o sistema financeiro como aconteceu no início da crise sistêmica atual. 

A questão do aumento do emprego merece um comentário à parte. A redução do desemprego, nos níveis anunciados pelo governo, é apenas uma miragem, fruto da precarização do trabalho e da desistência de milhares de trabalhadores que deixaram de procurar emprego. O indicador que melhor pode aferir a situação real é a relação entre a população do País e o conjunto das pessoas empregadas. Por esses dados, pode-se verificar que a relação continua muito semelhante ao período da crise de 2008, o que significa que o aumento do emprego é muito mais um contorcionismo estatístico do que aquilo que ocorre efetivamente na realidade. Para completar o quadro, mais de 40 milhões de norte-americanos estão vivendo abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo em função dos cartões de alimentação (food stamps) distribuídos pelo governo. Para a maior economia do mundo, esse é um quadro nada alvissareiro. 

Uma crise complexa, um sistema na encruzilhada 

A crise sistêmica global ocorre num momento em que o capitalismo já tinha se transformado num sistema mundial completo, com a internacionalização da produção e das finanças, profunda reconfiguração de seu sistema de produção, com a emergência das tecnologias da informação, internet, da microeletrônica, biotecnologia, automação industrial, nanotecnologia, entre outros, e uma superacumulação de capitais em escala global, o que levou o sistema a buscar saída na financeirização da riqueza e na especulação financeira global. [3] Esse conjunto de novos fenômenos que foram amadurecendo das últimas décadas, alterou de maneira profunda as bases materiais do sistema produtivo, financeiro e comercial do capitalismo, as relações econômicas entre o centro e a periferia, o processo tradicional de apropriação do valor, a reconfiguração do sistema financeiro internacional e gerou a possibilidade de valorização fictícia do capital na órbita financeira ao longo das 24 horas do dia, em função da interconexão das praças financeiras, viabilizada pela internet, satélites e fibras óticas. 

Para compreendermos essas mudanças, seu impacto no conjunto do sistema capitalista, além da relação com a crise sistêmica global, é fundamental avaliarmos separadamente cada um desses fenômenos, apenas para efeito analítico, uma vez que as esferas produtivas e financeiras e o conjunto de outras mudanças que ocorrem no sistema são partes constitutivas do capitalismo monopolista atual. Mas antes é necessário enfatizar que, ao contrário das duas grandes transformações produtivas anteriores (a primeira e a segunda revolução industrial), quando ocorreu um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas, o sistema capitalista atual se encontra numa grave encruzilhada, pois está cada vez mais impossibilitado de desenvolver todo o potencial dessas novas forças produtivas em função de suas limitações estruturais, que podem ser expressas na insuficiência de demanda efetiva tanto de consumo produtivo quanto de consumo das famílias e na superacumulação de capitais, cuja expressão é a fuga para frente da financeirização da riqueza e do frenesi especulativo global, elementos que foram os principais detonadores da crise sistêmica global. Vejamos cada um desses fenômenos para compreendermos a dinâmica da crise. 

a) A internacionalização da produção 

O sistema capitalista, desde seus primórdios, sempre teve vocação internacional, pois a própria natureza da concorrência conduz à renovação constante das forças produtivas e à necessidade de ampliação da demanda e ocupação de novos espaços geográficos [4] . No entanto, a dimensão internacional do capitalismo só pode ser considerada plena após o processo de internacionalização da produção e das finanças. Se avaliarmos toda a história do desenvolvimento desse modo de produção, poderemos observar que esse sistema conquistou o mundo de uma maneira muito peculiar: primeiro, eliminou a ordem feudal e instituiu as relações capitalistas na produção; depois, a indústria hegemonizou as relações de produção na época concorrencial, levando à mecanização das fábricas e à primeira revolução industrial. Posteriormente, deu um salto de qualidade com a união dos capitais bancário e industrial, a reorganização do sistema produtivo e a constituição dos monopólios, período em que as grandes empresas passaram a dominar a vida econômica e ocupar as nações periféricas em busca de matérias-primas. Emergia desse processo a segunda revolução industrial. Mas a plenitude da internacionalização capitalista só pode ser considerada completa quando as grandes corporações transnacionais passaram a extrair o valor, de maneira generalizada, fora de suas fronteiras nacionais, [5] mediante a produção direta nos países periféricos, através de milhares de filiais instaladas em todos os continentes. 

Ao contrário do que muitos imaginam, o processo de globalização da produção é um fenômeno típico do capitalismo contemporâneo, fruto do próprio desenvolvimento das forças produtivas capitalistas e da busca de novas oportunidades de valorização do capital, em função da mão-de-obra e matérias-primas baratas, além de vantagens creditícias e fiscais nos países hospedeiros. A partir de meados da década de 50 pode-se verificar um movimento contínuo das transnacionais no sentido de expandir sua produção para as nações da periferia. Esse movimento foi realizado levando em conta as regiões em que existia certa estabilidade política, uma mão-de-obra mais organizada e com certo grau de estudo, sem problemas tribais, guerras ou disputas territoriais, além de fontes de matérias primas abundantes. O movimento das transnacionais não ocorreu apenas no eixo centro periferia: entre os próprios países centrais verificou-se também uma grande interpenetração de capitais transnacionais, configurando-se um processo próximo a uma remonopolização global do capital e posterior consolidação de esferas de influência dos países centrais a partir dos grandes blocos econômicos e tratados comerciais. 

Pode-se dizer que duas décadas depois, o processo de internacionalização da produção já estava maduro, com as corporações transnacionais presentes em todo o planeta mediante a presença de suas filiais nos mais variados ramos de produção. Essa nova performance colocou o processo de industrialização mundial num novo patamar, de forma a que as empresas transnacionais passaram a ter a possibilidade de produzir de acordo com as melhores disponibilidades de matérias primas, mão de obra cada e produtividade de cada País, sempre objetivando alcançar as maiores taxas de lucro. Com a produção padronizada e flexibilizada, cada unidade empresarial passou a ter condições de produzir as peças de acordo com o planejamento da empresa matriz, racionalizando de maneira extraordinária o processo produtivo mundial. Estavam assim construídas as bases para as mudanças profundas que viriam a ocorrer no sistema produtivo com a introdução das tecnologias da informação, da internet, da microeletrônica, robótica e novos materiais, entre outros. 

Essa nova base industrial capitalismo, mais sofisticada e mais diversificada, consolidou-se nos anos 80 e 90, proporcionando um salto de qualidade ao sistema capitalista. A partir da introdução e amadurecimento desses novos ramos industriais, esse modo de produção passou novamente por uma grande transformação, uma vez que as novas tecnologias vieram revolucionar as forças produtivas e produzir um conjunto de fenômenos novos em todas as esferas da economia e da vida social. As tecnologias da informação, a generalização dos computadores, a internet, a engenharia genética e a biotecnologia, a nanotecnologia e os robôs inteligentes comandando as máquinas ferramentas alteraram de maneira radical o chão das fábricas e empresas em geral, além do perfil do proletariado – temas que iremos abordar em outra seção. 

b) A internacionalização das finanças 

O processo de internacionalização das finanças ocorreu no mesmo período da internacionalização da produção, até mesmo porque os grandes bancos dos países centrais já estavam umbilicalmente ligados aos monopólios produtivos. A internacionalização financeira cresceu rapidamente porque absorveu um conjunto de novas tecnologias, como os satélites, a generalização dos computadores, as fibras óticas e, especialmente, a internet. Contou ainda com uma série de mudanças econômicas e políticas que ocorreram nos países centrais, como o enfraquecimento do Estado do Bem Estar Social, a emergência política de Ronald Reagan e Margareth Tatcher, respectivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, e a posterior desregulamentação da economia, cujo elemento mais fundamental para a órbita financeira foi a instituição do rentismo em praticamente quase todos os países e a livre mobilidade dos capitais. Esse conjunto de fenômenos possibilitou às finanças não só um extraordinário desenvolvimento, mas principalmente certa hegemonia nos negócios do grande capital e relativa autonomia em relação à órbita produtiva. 

Vale destacar que a ordem financeira construída em Bretton Woods começou a desmoronar a partir dos crescentes déficits no balanço de pagamentos dos Estados Unidos, o que levou o governo do presidente Richard Nixon a decretar o fim da paridade entre o ouro e o dólar em 1971. Diante do fato consumado, o sistema financeiro internacional, após algum período de hesitação, passou a ser administrado pelo cambio flutuante, prática que foi legalizada a partir de 1976 pelo Fundo Monetário Internacional. Ainda na primeira metade da década de 70 o sistema financeiro internacional passou por um grande processo de mudanças, impulsionado pela privatização da liquidez internacional e pela consolidação do mercado de eurodólares, especialmente após a crise do petróleo do final de 1973. Este mercado foi o principal responsável pela reciclagem dos petrodólares e pela dinamização do crédito internacional privado, especialmente para os países da periferia, cujo principal resultado foi o extraordinário endividamento desses países e, posteriormente, a primeira grande crise financeira do pós-guerra. [6] 

Mas a mudança de qualidade de atuação do sistema financeiro internacional ocorreu a partir de 1979, com a administração de Paul Volcker no comando do Federal Reserve (FED) dos Estados Unidos. Diante de uma inflação crescente, Volcker implementou uma política de aumento das taxas de juros buscando atingir dois objetivos estratégicos: deter o processo inflacionário e a desvalorização do dólar. [7] Com a reorientação neoclássica da política monetária, o presidente do FED atingiu os objetivos a que se propôs, ou seja, reduziu a inflação e restaurau a hegemonia do dólar, uma vez que, em função das elevadas taxas de juros, os capitais voltaram a migrar para os Estados Unidos. O exemplo da política monetarista norte-americana foi posteriormente sendo assimilado pelas economias dos países centrais. Abandonaram as políticas keynesianas de estímulo ao crescimento econômico e do emprego para eleger o combate à inflação como estratégia geral da política econômica. [8] 

A nova estratégia se transformou em política geral do grande capital internacional com a eleição de Tatcher e Reagan. A eleição destes dois personagens representou uma mudança profunda na correlação de forças internacional e entre os vários segmentos do grande capital: a oligarquia parasitária, mais ligada ao capital especulativo, passou a hegemonizar o poder nos Estados Unidos e nos países centrais. Subordinou todos os outros setores à lógica das finanças, resultando numa hegemonia que durou cerca de três décadas. Nesse processo, o sistema capitalista em geral, desde os países centrais até os mais distantes rincões da periferia, passou por um intenso processo de desregulamentação da economia, com uma ofensiva geral contra salários, direitos e garantias dos trabalhadores, liberalização financeira, fim do controle dos preços e livre mobilidade dos capitais e privatização das empresas públicas. Essa política era combinada com a retirada do Estado da economia que, para os monetaristas, era a causa central de todos os problemas econômicos. 

A nova conjuntura proporcionou ao polo financeiro do grande capital um enorme poder sobre o conjunto da política econômica e os banqueiros em geral sentiram-se de mãos livres para criar novos "produtos financeiros" cada vez mais sofisticados, num frenesi especulativo que culminou num descolamento cada vez maior entre a órbita produtiva e a esfera das finanças. Especulação com moedas, taxas de juro, metais, produtos agrícolas e um conjunto infinito de novas variáveis, a partir da criação dos derivativos, e securitização de dívidas públicas e privadas tornaram-se as fontes privilegiadas dos negócios na órbita financeira. A criatividade da oligarquia financeira parecia não ter limites: para se ter uma ideia, antes da crise de 2008, o volume de recursos que circulava na esfera das finanças era cerca de 10 vezes maior que o PIB mundial, [9] fato que por si só já prenunciava um ambiente em que o resultado não poderia ser outro que uma grande crise global, uma vez que o processo especulativo contaminou praticamente todas as economias ligadas à economia líder. 

Novas tecnologias e impactos na base produtiva 

As mudanças tecnológicas profundas que ocorreram no interior do sistema capitalista, tais como as tecnologias da informação (telecomunicações, satélites, universalização dos computadores, internet e plataformas digitais, telefonia móvel), a microeletrônica, a robótica, a engenharia genética, a biotecnologia, nanotecnologia, além de elementos de inteligência artificial, alteraram radicalmente a estrutura produtiva do capitalismo. Relegaram a um segundo plano os ramos industriais típicos da segunda revolução industrial, como a metal-mecânica, a química fina e os plásticos. Da mesma forma que a energia elétrica, o telégrafo, o telefone e os motores a combustão revolucionaram o sistema capitalista e contribuíram decisivamente para a emergência do capitalismo monopolista e o domínio das grandes empresas em cada ramo de produção, esses novos ramos industriais, especialmente as tecnologias da informação, a engenharia genética e a biotecnologia, cumprem o mesmo papel nessa fase do capitalismo. [10] 

Se analisarmos o capitalismo hoje, do ponto de vista da inovação, poderemos observar que as tecnologias da informação fazem parte de todos os processos da atividade econômica, quer na área produtiva, comercial, financeira e de serviços em geral. O planejamento industrial, o desenho do produto, a produção, as relações com os fornecedores, a administração e as vendas são todos permeados pelas tecnologias da informação. Os robôs programáveis estão presentes no chão da fábrica e cumprem um papel cada vez mais determinante nos processos produtivos das grandes empresas. Nos circuitos comerciais, os estoques, a distribuição, a estrutura de vendas e a reposição cotidiana dos produtos são feitos a partir de softwares sofisticados que possibilitam à administração central controlar o fluxo de mercadorias, o volume de vendas e os lucros em tempo real. Além disso, o comércio eletrônico vem revolucionando o comércio mundial e ocupando cada vez mais os espaços do varejo tradicional. Muitos analistas acreditam que num espaço de tempo não muito distante o comércio eletrônico deverá superar o volume de vendas das lojas e supermercados. 

Na área financeira, o processo de automatização bancária, alavancado pelas tecnologias da informação, possibilitou a interconexão entre matrizes, agências bancárias e clientes, de forma que, de qualquer parte do mundo, se pode sacar dinheiro, pagar contas, fazer depósitos e realizar aplicações financeiras. As tecnologias da informação possibilitaram a interconexão entre as diversas praças financeiras mundiais, o que possibilitou a que os negócios nas bolsas de valores e nos diversos mercados se convertessem numa arena especulativa global, nos quais comprar ou vender ações de qualquer empresa, especular com moedas, câmbio, ouro, produtos agrícolas transformou de maneira radical a configuração dos mercados financeiros internacionais, especialmente com a emergência dos derivativos, cujos títulos ganharam uma dimensão tão extraordinária que passaram a hegemonizar os negócios na órbita das finanças. 

A revolução das tecnologias da informação não afetou apenas os setores produtivos, comerciais e financeiros, mas atingiu toda a vida social da humanidade. Os meios de comunicações e as transmissões por satélites, os computadores e a emergência da internet e da telefonia móvel transformaram efetivamente o mundo naquilo que Marshall McLuhan denominou nos anos 60 de aldeia global. A internet permitiu uma democratização do conhecimento tão elevada que só não alcança toda a humanidade em função das limitações de classe do sistema capitalista. Hoje, a maior parte do conhecimento produzido no planeta está disponível na internet. Com um computador, um tablet ou smart fone as pessoas podem acessar vários trilhões de informações em todos os ramos do conhecimento, desde as plataformas científicas das universidades até os principais museus do mundo, realizar compras e interagir com qualquer pessoa em qualquer parte do planeta em tempo real, mediante mensagem de texto ou de voz. As tecnologias da informação têm hoje um impacto muito maior do que a invenção da imprensa por Gutemberg no século XVI. 

A engenharia genética e a biotecnologia também causaram profundas alterações na base produtiva do capitalismo. Se observarmos todo o setor agrícola e de pecuária, poderemos constatar que esses ramos produtivos fundamentais para a sobrevivência da humanidade estão profundamente marcados pelas inovações tecnológicas oriundas dos desenvolvimentos genéticos e biotecnológicos. Quase toda a produção mundial de grãos, legumes e verduras é resultado de melhoramentos e ensaios realizados por pesquisadores das universidades, institutos de pesquisa e empresas públicas e privadas, fato que resultou no aumento extraordinário da produção e da produtividade agrícolas, muito embora os monopólios tenham se apropriado não só do saber milenar dos povos originários, mas do próprio processo de produção de sementes, adubos, defensivos agrícolas e do comércio em escala mundial. Além disso, a produção biotecnológica dos fármacos está bastante desenvolvida e tem produzido impactos fundamentais na indústria farmacêutica e pode, no médio prazo, hegemonizar a produção farmacêutica mundial. 

De forma semelhante, os melhoramentos genéticos alteraram profundamente a produção de proteína animal, tanto bovina, como de aves e peixes. Hoje se produz frangos de corte em menos de 40 dias, quando no passado se levava cerca de seis meses para que uma ave estivesse pronta para o abate. A carne bovina está hoje muito mais disponível em função da redução do tempo de abate do gado, que foi diminuído de quatro para cerca de dois anos. Há ainda uma crescente indústria de pescado com a produção realizada em tanques artificiais, que mais parecem uma linha de produção, e que já vem respondendo por parcela significativa do consumo de peixes e crustáceos. Em função dessas transformações ocorridas a partir dos melhoramentos genéticos, pode-se dizer que a produção de proteína animal mais que quintuplicou nas últimas cinco décadas. 

A microeletrônica também teve um papel fundamental para alavancar o processo de mudanças que ocorreu no interior do sistema produtivo, mediante a redução do tamanho dos bens de consumo e miniaturização das peças, cujo exemplo mais significativa são os chips não só dos computadores, mas de uso generalizado em praticamente todos os bens de consumo duráveis. A robótica também está generalizadamente instituída tanto no chão das fábricas, quanto nos setores comerciais, financeiros e de serviços em geral, ressaltando-se o fato de que na área comercial a leitura ótica agilizou de maneira expressiva o fluxo de vendas no comércio. Outro dos elementos que ainda não está plenamente integrado, mas que já vem sendo utilizado em larga escala pelas indústrias e vários setores econômicos é a nanotecnologia. Quando sua utilização estiver plena na atividade econômica poderemos ter mudanças tão significativas na base produtiva quanto as resultantes das tecnologias da informação neste momento.

[1] Apesar de muita polêmica sobre quem previu a crise econômica mundial do capitalismo, vale registrar que foi o GEAB (Global Europe Antecipation Bulletin) quem primeiro anunciou publicamente a possibilidade de uma crise sistêmica global em seu boletim de fevereiro de 2006. 

[2] Uma explicação mais completa sobre a diferença entre crises cíclicas e crise sistêmica pode ser encontra em: Costa, Edmilson. A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil. São Paulo: Edições ICP, 2013. 

[3] Para melhor compreensão destes fenômenos, consultar: Moffitt, Michael. O Dinheiro do mundo. São Paulo: Paz e Terra, 1984. Michalet, C. A. Capitalismo mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1984. Chesnais, François. A mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996. Chesnais, François et alli. A mundialização Financeira. São Paulo: 1999. Chesnais, François (org.) A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005. Aglietta, Michel. Macroeconomia financeira. São Paulo: Loyola, 2004. Costa, Edmilson. A globalização e o capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular. 2009. 

[4] No Manifesto Comunista Marx já identificava essa tendência:   "A necessidade de um mercado em constante expansão para os seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre ... A burguesia, por sua exploração do mercado mundial, deu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. Para grande pesar dos reacionários, roubou da indústria a base nacional em que se assentava. As primitivas indústrias nacionais foram aniquiladas ... São ultrapassadas por novas indústrias ... Essas indústrias já não trabalham matérias-primas nacionais, mas matérias-primas oriundas das zonas mais afastadas e cujos produtos são consumidos no próprio País, mas em todos os continentes ao mesmo tempo" 

[5] Um dos estudos pioneiros do processo de internacionalização da produção pode ser encontrado em: Michalet, Charles-Albert. Capitalismo mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1984. 

[6] Moffitt, Michael. O dinheiro do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984 

[7] Moffit, op. cit. 

[8] Phihon, Dominique. Desequilíbrios mundiais e instabilidade financeira. A responsabilidade das políticas neoliberais. Um ponto de vista keynesiano. In Mundialização Financeira (coordenado por François Chesnais). São Paulo: Xamã, 1999. 

[9] BIS (Banco de Compensações Internacionais). OTC derivatives Market. Activity in the half of 2009.   Disponível em; www.bis.org .   Acesso em 20 de novembro de 2009. 

[10] Para compreender melhor as mudanças profundas provocadas pelas tecnologias da informação e, especialmente, pela internet, consultar: Castells, Manual. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 

*Edmilson Costa é doutor em economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre outros, da A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2009) e A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (Edições ICP, 2013), além de vários ensaios publicados em revistas e sites do Brasil e do exterior. É membro do Comitê Central do PCB, diretor do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista Novos Temas.

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